BC (Banco Central) deu mais um passo na modernização dos meios de pagamento ao anunciar que vai lançar o real digital em aproximadamente 2 anos. O assunto foi destaque no Brasil na última semana, passados os dias de liquidação de criptomoedas no mundo, após a China declarar um maior esforço regulatório para limitar a mineração e o comércio de bitcoins no país.
O real digital será mais uma das moedas digitais operadas por bancos centrais, CBDC (Central Bank Digital Currencies, termo em inglês), ou a forma eletrônica da moeda fiduciária. É um tipo de criptomoeda emitida pelo BC, como extensão da moeda física, que será distribuída aos consumidores pelas instituições financeiras, como ocorre com o real em espécie.
Ainda não há um cronograma definido, mas o BC pretende promover uma consulta pública sobre a moeda digital nos próximos meses e disseminar o tema por meio de seminários. Desde agosto do ano passado, um grupo de trabalho vem discutindo e avaliando as diretrizes para o desenvolvimento da moeda digital brasileira.
Existem hoje diversas moedas digitais, ou criptomoedas, criadas ou mineradas, e transacionadas a partir de uma rede computacional descentralizada de blockchain. Esse sistema complexo depende de diversos computadores ao redor do mundo para funcionar.
Elas contam com redes de criptografia para garantir a validade e a proteção das transações e dos dados dos usuários. No entanto, além de serem totalmente virtuais, as criptomoedas possuem uma grande diferença do dinheiro que habitualmente utilizamos (real, dólar, euro etc.): por serem descentralizadas, não sofrem intermediação, controle ou regulação por órgãos governamentais de nenhum país.
Uma das espécies de criptomoedas são as stablecoins, que possuem lastro em algum tipo de ativo com preço previsível, geralmente nas moedas fiduciárias dos países. Outras criptomoedas não são atreladas a valores ou ativos, o que representa um risco adicional há quem as possui, devido à sua volatilidade. A moeda digital em estudo pelo BC é lastreada no próprio real, tendo a garantia do BC, e fará parte dos objetivos da política monetária do país.
Com a difusão deste tipo de moeda e a aceleração da digitalização dos sistemas financeiros no mundo, vários bancos centrais iniciaram processos de estudo e criação de suas próprias moedas digitais, as CBDC’s. Estados Unidos, Índia, Hong Kong, Japão, Coréia do Sul, Suécia, Noruega são economias que estudam a adoção de uma CBDC. Mas a China é a mais avançada e se aproxima de lançar o yuan digital (DCEP). Por enquanto, as Bahamas são o único país com sua moeda digital em operação, o sand dollar, desde outubro do ano passado.
Essas moedas digitais centralizadas são o dinheiro tradicional em formato digital e todas as transações com elas são verificadas pela autoridade monetária do país de emissão. Elas utilizam, porém, a mesma tecnologia baseada para criptomoedas descentralizadas, a blockchain.
A bitcoin foi a primeira moeda digital, a mais conhecida, e tinha como objetivo democratizar a distribuição de dinheiro e ativos no mundo, além de reduzir a influência dos bancos na intermediação das operações financeiras. Sua popularização ganhou força na última década, incentivando a criação de outras criptomoedas de iniciativa privada, que hoje somam cerca de 3.000 tipos, entre elas o Ethereum, XRP, Litecoin, EOS, Chainlink.
Cada economia aplica uma legislação distinta às criptomoedas. No Japão, por exemplo, elas são legalmente aceitas como forma de pagamento e transferência de valores. Já na Colômbia, o uso de criptomoedas para qualquer finalidade é um ato ilegal.
No Brasil, a criptomoeda é considerada um ativo, sendo classificada como um bem por quem a possui, não como moeda. Assim, há incidência de imposto de renda sobre o valor, que deve ser informado na declaração de ajuste anual.
O BC apresentou na semana passada as diretrizes para o desenvolvimento do real digital. Uma delas é a total aderência aos princípios e regras de privacidade e segurança, especialmente os determinados na LC (Lei Complementar) 105/2001, que garante o sigilo bancário. Outra é a interoperabilidade e integração para permitir pagamentos transfronteiriços, que deve potencializar o comércio exterior com parceiros comerciais próximos ao Brasil.
O BC espera que a moeda digital seja amplamente utilizada pelo varejo, incentivando-a a fazer parte do cotidiano da população, até mesmo dos cidadãos não bancarizados. O real digital será integrado às inovações tecnológicas já em andamento, como o Pix e o Open Banking, que vêm se tornando cada vez mais importantes no sistema financeiro.
O real em espécie não deixará de existir, podendo o consumidor escolher como deseja manter seu dinheiro. Essa nova possibilidade abrirá, porém, concorrência entre as duas formas de moeda, gerando um risco para os bancos comerciais, que operam os depósitos à vista e o crédito. Isso porque eles utilizam os recursos dos depósitos em suas negociações e, assim, movimentam o sistema financeiro. O maior risco aos bancos poderá acirrar também o custo dos empréstimos.
Nossa visão é a de que o pequeno comércio deve demorar para se adaptar a essa novidade, pois as vendas realizadas em dinheiro vivo ainda são uma realidade no país, mesmo o varejista incorrendo no custo de carregamento do estoque de moeda. Muitos estabelecimentos de pequeno porte não operacionalizam a folha de pagamentos via banco, por exemplo, pagando os salários dos funcionários em espécie. Essa prática, ainda comum, estimula o uso da moeda física.
O real digital segue a mesma diretriz do seu correspondente físico e não tem expectativa de remuneração. Contudo, ainda está em estudo se o dinheiro digital terá a mesma cotação do real tradicional.
Uma preocupação do BC ao acelerar o lançamento do real digital é a prevenção à lavagem de dinheiro e remessas ilegais. Sabe-se que o grande e maior problema das criptomoedas descentralizadas é o uso no financiamento de atividades ilícitas, como tráfico de drogas e armas no mundo.
O governo poderá, em caso de necessidade e exigência legal, rastrear as operações ilícitas usando o real digital. Além disso, em função da centralização, não será possível fazer transferências e pagamentos diretamente entre duas pessoas, como ocorre com outras criptomoedas, a operação será registrada no sistema bancário doméstico.
Há inúmeros benefícios com a utilização de moedas digitais, dentre eles a redução de custos com a emissão de papel moeda, a maior facilidade de acesso, já que as transações serão feitas totalmente por gadgets, além de menos intermediários nas negociações e operações, auxiliando a transparência. As despesas com remessas internacionais também serão minimizadas, pois a ideia é que a moeda ganhe conversibilidade internacionalmente.
Mas como as mudanças na jornada da transformação digital no sistema financeiro estão ocorrendo em alta velocidade, é normal que haja alguma reticencia na aceitação dos consumidores em geral. Como difundir a informação no país segue sendo um dos principais desafios do Banco Central.
Fonte : poder360.com.br