Créditos de carbono: Uma resposta para a demanda de preservação ambiental

Os créditos permitem a transferência de recursos financeiros de atividades poluentes para projetos que capturam carbono da atmosfera, ou evitam a emissão deles.

Assim como praticamente as demais indústrias, seguindo os preceitos do Acordo de Paris, a descarbonização do setor de transportes passa pela substituição tecnológica, o que representa um desafio enorme para todas as empresas deste setor.

No que tange o segmento rodoviário, apesar de avanços tecnológicos importantes e acelerados estarem acontecendo na cadeia de produção de caminhões, ainda não há sinais de um caminho concreto e escalável para a descarbonização das estradas.

Ganhos de eficiência operacional representam iniciativas importantes, porém limitadas. Isso significa que, por vários anos, operadores logísticos e transportadoras vão seguir relativamente travados para atuarem sobre o problema de maneira efetiva.

Por outro lado, clientes, investidores, bancos, dentre outros stakeholders, têm demandado cada vez mais ações positivas e relevantes no combate às mudanças climáticas. Créditos de carbono são, definitivamente, uma resposta para essa demanda.

Atores e acontecimentos diversos no mercado local e internacional têm trazido sombras de suspeição sobre a validade do crédito de carbono como instrumento de promoção de sustentabilidade. Há motivos legítimos para precauções, porém negar a importância dos créditos de carbono no combate às mudanças climáticas é algo totalmente contra produtivo.

Créditos de carbono permitem a transferência de recursos financeiros de atividades poluentes para projetos que capturam carbono da atmosfera, ou evitam a emissão deles. De maneira bastante simplificada, estamos falando de prevenção ao desmatamento e restauração de áreas degradadas. Cada iniciativa confiável nessas áreas gera benefícios reais.

Há projetos de créditos de carbono questionáveis do ponto de vista de credibilidade? Sim. Esse problema é, fundamentalmente, inerente a um complexo processo de homologação de projetos ainda em fase de amadurecimento. A boa notícia é que há muita gente séria, em todo o mundo, trabalhando para mudar esse enredo.

O problema é muito crítico para empresas descartarem a utilização de créditos de carbono como instrumento de combate às mudanças climáticas, especialmente aquelas que discursam em favor da proteção das florestas, incluindo aqui a Amazônia.

O modelo de desenvolvimento econômico vigente não convive com a preservação da Amazônia sem a existência de créditos de carbono. Precisamos todos ser realistas, coerentes e responsáveis a esse respeito.

Outro ponto frequentemente postulado por críticos sugere que créditos de carbono desestimulam iniciativas de descarbonização. Trata-se de uma hipótese aceitável, mas nada além de uma hipótese. Um estudo recente publicado pela Ecosystem Marketplace indica que empresas que lançam mão de créditos de carbono para compensar voluntariamente suas emissões são mais ativas no processo descarbonização do que empresas que não utilizam tais instrumentos sem suas iniciativas de sustentabilidade.

Ainda que iniciativas voluntárias sejam nobres e importantes, é ingênuo acreditarmos que o problema das mudanças climáticas vai ser resolvido por meio delas. O relatório AR6 Synthesis Report – Climate Change 2023 publicado pelo IPCC traz evidências claras de que isso não vai acontecer.

Sendo assim, com ou sem o uso de créditos de carbono, a solução do problema passa por regulações locais estabelecidas pelos países, especialmente aqueles signatários do Acordo de Paris. É com esse pano de fundo que o senado brasileiro aprovou recentemente o Projeto de Lei 412/2022 que regulamento o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões.

Essa regulação estabelece que empresas com emissões anuais superiores a 10 toneladas de dióxido de carbono equivalente terão de medir e reportar suas emissões para o órgão regulador, enquanto aquelas com emissões anuais superiores a 25 toneladas terão de reduzir suas emissões de acordo com planos setoriais a serem definidos.

O setor de transportes vai ser diretamente impactado por essa regulação e uma estimativa realizada pela startup Verda indica que operadores logísticos e transportadoras com frota superior a 150 caminhões serão impactados. Nesse contexto, o crédito de carbono ganha um papel adicional e passa a ser um instrumento de informação, conhecimento e engajamento.

O setor de transportes no Brasil é uma das pontas frágeis da cadeia de suprimentos. A enorme fragmentação do setor reduz dramaticamente o poder de negociação dos operadores logísticos e transportadoras, o que faz com essas empresas operem sob pressão constante de seus clientes por qualidade, prazo e preço.

O fato de a transição tecnológica representar um gerador de custo incremental combinado a esse ambiente empresarial hostil faz com que o setor de transportes não tenha condições mínimas de se conectar, de maneira relevante, ao contexto da sustentabilidade.

Tenho percebido, em toda conversa com operadores logísticos, que o crédito de carbono muda bastante esse jogo em função da combinação de 3 fatores:

Curiosidade: o tema crédito de carbono é percebido como “atraente” pelo setor de transportes, talvez ainda por um pouco de desconhecimento combinado com o significado da palavra “crédito”, e isso faz com que gestores e executivos se mostrem abertos a conversar sobre ele
Flexibilidade operacional: operadores logísticos têm flexibilidade para compensar parcialmente suas emissões de carbono, o que possibilita uma gestão controlada do custo atrelado a esse processo;
Flexibilidade financeira: operadores logísticos e seus clientes conseguem definir conjuntamente como tratar, de maneira coordenada, o custo relacionado a compensações de emissões por meio de créditos de carbono.
Ao entenderem esse contexto, noto claramente nos operadores logísticos conectados à Verda uma mudança de postura drástica onde a ansiedade é substituída por perspectiva. É como se uma porta se abrisse com a possibilidade de os operadores logísticos fazerem a coisa certa dentro de um contexto de respeito às suas limitações, especialmente econômicas.

Ainda que as formas de expressão sejam muito diferentes, ainda não encontrei um gestor ou executivo do setor de transportes que não se sensibilize com a ideia de fazer a “coisa certa” do ponto de vista ambiental. Por outro lado, temos de aceitar e respeitar que há outras forças importantes que fazem com que a “coisa certa” não possa ser uma prioridade nesse momento.

Também precisamos entender e aceitar que, na maioria das vezes, tais forças são impostas pelos clientes desses operadores logísticos. Isso significa que, em termos práticos, a indústria e o varejo precisam entender e apoiar esse enredo. De nada vai valer os esforços do setor de transportes na compensação das suas pegadas se as empresas contratantes dos serviços não apoiarem esse movimento.

A emissão de carbono pelo setor de transportes resulta, fundamentalmente, de serviços prestados para atender demandas desses segmentos da economia. Não há como desvincular esses segmentos da solução, e para que as coisas caminhem de maneira ordenada, faz-se necessário a coordenação de estratégias e execuções de compensações.

Trata-se de um problema clássico e complexo, porém já resolvido pela Verda por meio da orquestração do que chamamos de “dinâmica do carbono”, conceito que representa a gestão integrada das pegadas e compensações ao longo das cadeias de suprimentos das empresas.

Isso permite que a indústria e o varejo tenham controle pleno da maneira como as suas pegadas geradas por fornecedores de transportes sejam calculadas e compensadas, evitando, inclusive, a dupla contagem. Mais do que isso, permite que a indústria e o varejo cooperem com seus operadores logísticos para que os planos de descarbonização de todos os agentes se conectem e se complementem.

A partir desse contexto, as possibilidades trazidas pelo crédito de carbono, seja do ponto de vista de instrumento, seja do ponto de vista de aprendizagem são poderosas e promissoras. Informação, conhecimento e coordenação vão ser fundamentais para darmos escala a esse processo.

O Programa Rota 2050 desenvolvido pela Verda busca contribuir com esse processo promovendo o fortalecimento dos operadores logísticos, de maneira integrada com seus clientes, para juntos enfrentarem os desafios relacionados ao Acordo de Paris. Vemos esse programa como uma iniciativa estruturante no setor de transportes brasileiro, fazendo com que o Acordo de Paris seja seu maior beneficiário.

Deixo explícita a minha convicção de que o crédito de carbono é um instrumento poderoso e fundamental para a jornada do setor de transportes no combate às mudanças climáticas.

* Rafael Fanchini é Founder & CEO da Verda
‘https://mundologistica.com.br/artigos/creditos-de-carbono-resposta-para-demanda-de-preservacao

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