Das raízes de uma nação guardiã dos segredos da diversidade, nasce o espírito caloroso e intenso que está transformando as estruturas da experiência do cliente mundial.
“Aceita um café?”. Uma frase simples, que todo brasileiro faz ou responde diariamente – e parece evocar um aroma só por sua menção. Em xícara, copo americano ou até reciclável, coado ou em cápsulas, o cafezinho é uma opção agradável em qualquer momento do dia (e, se bobear, da noite). Não por acaso, é comum que, fora daqui, o brasileiro sinta saudade do café da terra natal: somos referência no assunto. Um pequeno hábito que une semblantes desse vasto País de dimensões continentais.
Servido quente ou gelado, presente em doces, bolos ou sorvete: sua excelência e múltiplas formas de consumo são metáforas para o que é o Brasil. Ao encontrar amigos, familiares e conhecidos para “o momento do cafezinho”, exacerbamos nossas melhores características – descontração, hospitalidade, diversidade e criatividade – que, inclusive, nos diferenciam do resto do mundo. Como consequência, para as empresas, surge o desafio de entender e lidar com tamanha pluralidade: o brasileiro não é um só; somos muitos.
“A pluralidade de culturas, hábitos, dimensões e extratos sociais com que o CX nacional precisa lidar é gigante, e a grande maioria das empresas não foge desse desafio, ainda que com grande trabalho pela frente”, destaca Ivan Lucchini, head de Design da Accenture Song. Essa característica multifacetada da nossa cultura está em nossas origens e, claro, vive dentro de cada pessoa – e empresa – brasileira.
Independentemente do setor de atuação, os líderes executivos têm uma certeza: precisam atender a um público exigente. Seria o sorriso fácil ou a fama hospitaleira? Parece simples: CX bom é aquele que trata as pessoas como elas gostariam de ser tratadas. “Essa é a regra de ouro”, define Candice Mascarello, diretora-executiva e sócia do Boston Consulting Group.
E se nosso jeitinho nacional naturalmente trata bem as pessoas, exigimos o mesmo das marcas que consumimos. Como mostram estudos apresentados por Jamie Turner, especialista global em Branding, Marketing e Experiência do Cliente, professor da Universidade de Atlanta, 72% dos consumidores brasileiros estão dispostos a trocar de marca se tiverem uma experiência ruim – bem acima da média global, de 52%. Somos, ele define, os consumidores mais exigentes do mundo.
Nosso tamanho territorial, nossa diversidade de culturas e nossa desigualdade social, entre outros aspectos, são características pelas quais poucos países saberiam navegar
Ivan Lucchini,
head de Design da Accenture Song
Curva acelerada
Não à toa, existe um “boom” em torno do conceito de CX. Os especialistas visualizam uma crescente nos últimos dez anos – e os degraus ficam cada vez mais altos. Nunca se falou tanto no assunto. No entanto, essa conversa está longe de terminar. O CX de alto nível conecta todos os pontos de uma jornada, inclusive os mais emocionais. E quem ousa dizer que consegue visualizar o fim da criação de novos canais no ambiente digital?
DOS CONSUMIDORES BRASILEIROS ESTÃO DISPOSTOS A TROCAR DE MARCA SE TIVEREM UMA EXPERIÊNCIA RUIM
Para Lucchini, esse é um dos grandes desafios que as empresas nacionais vivem hoje. “É necessário continuar aprimorando a experiência do cliente em todos os pontos de contato, garantindo consistência e coesão nas interações”, explica.
Lidar com essa complexidade é um exercício constante de adaptação e observação. Lapidar o CX exige também uma mudança de mindset. Com o aprendizado dos últimos anos, os líderes entenderam que precisam medir e metrificar todos os pontos de contato. Mas Candice, do BCG, garante: não é só isso. “Mensurações não mudam a vida das pessoas. Fazem com que a empresa entenda como sua atuação impacta os clientes”, declara. “A grande evolução é entender que medir é só a primeira etapa. É preciso agir em cima da medição”, destaca.
indo além da medição: 5 formas de potencializar o NPS para um CX de alto nível
- Veja além do NPS.
- Otimize o uso do indicador com tecnologia para analisar os dados e melhorar o NPS.
- Integre o NPS em uma estratégia de CX data-driven.
- Adote uma análise profunda dos feedbacks do NPS.
- E mais importante: implemente as melhorias identificadas pelo processo.
CX tropical…
Proporcionar uma boa experiência pode ser tão simples quanto tratar as pessoas como elas querem ser tratadas. Mas, vale reforçar, nem sempre é suficiente. Se a empresa demorar para perceber o atrito, simplesmente já perdeu o cliente. “Ao mesmo tempo que o consumidor brasileiro é mais caloroso e amigável, é o mais exigente e desapegado. Ele espera muito que sua experiência seja irretocável porque, se não for, ele vira a chave e contrata outra marca”, lembra Jackson Bruno Almeida, diretor de Customer Experience da AeC.
Ao desenhar o atendimento para diferentes tipos de negócio, o executivo considera uma real vantagem competitiva compreender os detalhes das variadas personas que habitam cada consumidor. “A AeC potencializa o CX com sua própria diversidade. Somos mineiros, paraibanos, cariocas, paulistas, alagoanos, somos tantos Estados do Brasil”, conta. “Aproveitamos o que temos de melhor da nossa diversidade, da nossa cultura diferente, da nossa experiência Brasil afora para poder personalizar cada vez mais e utilizar a tecnologia com calor humano da melhor forma”, complementa.
Mensurações não mudam a vida das pessoas. Fazem com que a empresa entenda como sua atuação impacta os clientes
Candice Mascarello,
diretora-executiva e sócia do Boston Consulting Group
A composição de um time que retrata a diversidade brasileira pode ter um peso incremental. Como destaca a executiva do BCG, a centralidade no cliente é local por definição. “Ser o melhor player de CX é sempre relativo a um lugar ou a uma indústria. A expectativa das pessoas muda de acordo com sua cultura; a forma como as pessoas gostariam de ser tratadas muda em diferentes partes do mundo”, explica.
Ao mesmo tempo que o consumidor brasileiro é mais caloroso e amigável, é o mais exigente e desapegado. Ele espera muito que sua experiência seja irretocável porque, se não for, ele vira a chave e contrata outra marca
Jackson Bruno Almeida,
diretor de Customer Experience da AeC
…impacto global
Até mesmo sob a perspectiva de um CX local, o DNA brazuca joga a favor. Entre as características que os especialistas destacam sobre os brasileiros, encontramos a empatia. Essa capacidade de conexão com os pormenores da realidade, com as dores das pessoas e até com as potências de cada situação pode tornar as estratégias das empresas brasileiras únicas – e grandes cases para o mundo afora.
“Não deveríamos estar preocupados com comparação, mas em aprender ou ensinar. Nosso tamanho territorial, nossa diversidade de culturas e nossa desigualdade social, entre outros aspectos, são características pelas quais poucos países saberiam navegar”, analisa Luchini. E isso já está acontecendo.
A Dengo Chocolates, por exemplo, deu início à sua internacionalização na Páscoa de 2023. E a experiência trouxe grandes insights para Samira Gontijo, head Brasil da marca. “É muito interessante ver o quanto o mundo é receptivo com a cultura e o povo brasileiros. Se conseguirmos traduzir isso nas nossas marcas, do nosso jeitinho, e levar para fora, teremos um potencial brilhante”, garante.
A executiva conta que, na primeira loja, em Paris, a empresa chegou com a preocupação de “afrancesar” o atendimento para ter mais fit com a cultura local. Ficava o questionamento: Seria nosso atendimento demais para eles, invasivo ou inconveniente? “Fizemos alguns testes, levando um time do Brasil para lá, e notamos que as pessoas queriam justamente o contrário: queriam o ‘calor’ brasileiro. Quando vimos os franceses abraçando nossos atendentes na saída da loja, e voltando com vários amigos para recomendá-la, entendemos exatamente o que muda o jogo”, conta.
Na visão de Samira, a Dengo é um caso de orgulho; mostra que nosso jeito funciona e dá resultado. Prova que o serviço premium pode ser inclusivo, caloroso, de igual para igual. “Temos resultados fora da curva em todos os indicadores de experiência: cliente oculto, focus groups, NPS, pesquisas de clientes”, detalha. Mas tem gente que pergunta se existe uma consultoria norte-americana por trás, dá para acreditar? “Na Dengo, não há magia, não há empresa de treinamento de fora. Há apenas gente cuidando de gente, brasileiros sendo nós mesmos com muito orgulho da nossa história, das nossas causas e do nosso propósito”, completa.
É muito interessante ver o quanto o mundo é receptivo com a cultura e o povo brasileiros. Se conseguirmos traduzir isso nas nossas marcas, do nosso jeitinho, e levar para fora, teremos um potencial brilhante
Samira Gontijo,
head Brasil da Dengo Chocolates
O caso da Dengo ilustra uma característica marcante brasileira. “O aspecto mais marcante do CX oferecido pelas empresas brasileiras é a naturalidade com que se integra à linguagem e ao dia a dia das pessoas. É menos formal, menos travado e mais flexível – desde a comunicação até a fraseologia, o tom de voz, o canal de contato”, destaca Marcio Araújo, CEO da Konecta. Em sua visão, isso é fundamental para criar conexões de confiança. “No Brasil, a percepção de confiança vem mais da criação de vínculos pessoais e emocionais, diferentemente de outros países em que essa percepção vem da posição institucional e de autoridade”, reflete.
CX pulsante
A característica early adopter dos brasileiros dá vida para casos que ganham o mundo também em outros setores. O Rappi, por exemplo, chegou ao Brasil trazendo alguns processos da matriz colombiana, inclusive no suporte ao cliente. Com algum tempo, a experiência mostrou que não funcionava: era preciso adaptar-se às características brasileiras.
O curioso é que deu tão certo que o Rappi acabou fazendo o contrário: um grande projeto da marca começou aqui no Brasil e foi internacionalizado – as lojas Turbo. Hoje, com dois anos de implementação, o modelo de serviço de entregas de conveniência em até 10 minutos consolidou-se como um dos mais velozes do mercado nacional. Baseadas em uma rede de dark stores, essas lojas são pequenos espaços que conseguem organizar e armazenar os itens mais utilizados no dia a dia dos usuários e estão estrategicamente localizadas para atender a um determinado raio de distância.
“Utilizamos a inteligência de dados para personalizar os produtos de cada loja com base nos hábitos de consumo dos usuários em cada área. Com o Turbo, o Rappi segue uma tendência mundial de entregas ultrarrápidas e oferece um diferencial competitivo para o mercado brasileiro, devolvendo o que as pessoas têm de mais precioso: o tempo”, destaca Patrícia Prates, CMO do Rappi.
Os dados também potencializam a estratégia da Decolar – o segredo para entender os novos hábitos dos viajantes. “Com Inteligência Artificial, podemos oferecer a melhor proposta de valor para cada perfil. Analisamos mais de 3 milhões de combinações de voos por dia para recomendar o melhor itinerário aos viajantes, oferecendo, em alguns casos, descontos de até 30%”, conta Adriana Gallego, diretora de Customer Service da Decolar.
A executiva lembra dos aprendizados vividos durante a pandemia, que levantaram o desafio das restrições de circulação e, assim, mudanças dos hábitos de viagem pelo mundo. “As novas gerações têm distintas expectativas de serviço e exigem novos canais de comunicação para interagir. Portanto, o principal desafio é a individualidade – cada cliente prefere comprar e ser atendido por um canal diferente”, explica. Recentemente, a empresa lançou o Meu Agente Decolar, que permite aos clientes a experiência de uma loja física no ambiente virtual, por meio de videochamadas.
As novas gerações têm distintas expectativas de serviço e exigem novos canais de comunicação para interagir. Portanto, o principal desafio é a individualidade
Adriana Gallego,
diretora de Customer Service da Decolar
Arrasamos de A a Z
Conseguiria o jeitinho brasileiro conquistar até mesmo aquele que é considerado um dos grandes expoentes do CX mundial? Jeff Bezos, mente por trás da gigante Amazon, é conhecido por deixar uma cadeira vaga nas reuniões, que representa e lembra sempre a presença do cliente nas decisões.
O ciclo virtuoso desenhado por Bezos envolve três aspectos: encontrar cada vez mais produtos, com preço competitivo e conveniência. “Quando alimentamos cada aspecto, garantimos a fidelização do cliente com boas práticas, conseguimos escalar, reduzir custos da estrutura e devolver isso em melhores preços para o cliente”, explica Mariana Grottera, diretora de Experiência do Cliente da Amazon Brasil.
O brasileiro se assusta com a escassez, arregaça as mangas e vai fazer. É nosso diferencial – fazer mais com menos, de maneira empática, humana e próxima ao cliente
Mariana Grottera,
diretora de Experiência do Cliente da Amazon Brasil
Para a executiva, existe uma grande característica que ensina muito para qualquer líder internacional: “O brasileiro se assusta com a escassez, arregaça as mangas e vai fazer. É nosso diferencial – fazer mais com menos, de maneira empática, humana e próxima ao cliente”, analisa.
A filial tupiniquim é liderada por brasileiros – essa é uma preocupação para garantir que o comportamento do consumidor seja entendido e respeitado. Entre as trocas de conhecimento que existem entre as filiais das diferentes partes do mundo, as estratégias brasileiras se destacam, principalmente, pela rápida adoção e estruturação do atendimento via WhatsApp, além do acelerado crescimento do Pix como forma de pagamento no e-commerce.
“A conveniência buscada pelo brasileiro é diferente pelo tamanho do País. Existem comportamentos e valores distintos. A entrega grátis, por exemplo, é um pilar muito valorizado por aqui, então é prioridade”, explica. “A missão de ser centrada no cliente não muda, mas o comportamento do cliente muda nos diferentes países. Então, priorizamos a implementação de acordo com o que faz sentido”, complementa.
Simplifica, vai?
Se a agilidade de atendimento esperada pelos brasileiros inspira gigantes como a Amazon, nossas empresas nativas não ficam para trás na hora de garantir uma boa experiência aos clientes, inclusive em momentos de grande aflição. Durante a pandemia de COVID-19, a Mutant implementou a maior operação de atendimento via WhatsApp do segmento bancário no Brasil.
Carla Melhado,
CEO da Mutant
“Nosso cliente tinha o desafio de evitar o fluxo de pessoas nas agências e, ao mesmo tempo, manter o relacionamento entre seus clientes e os gestores da conta. Mesmo com uma operação digitalizada e automatizada, ainda foi possível manter o elo entre o correntista e o seu gerente de conta, o que tornou a operação um sucesso por essa complementaridade entre o digital e o humano, que era fundamental para o perfil dos correntistas”, detalha Carla Melhado, CEO da empresa.
O serviço para a Caixa Econômica Federal tinha como foco atender os milhões de brasileiros que precisavam receber o auxílio emergencial. “Foram 35 mil colaboradores treinados e qualificados para atendimento on-line e, durante o processo de cadastramento do auxílio, foram 30 milhões de atendimentos por mês. No ápice do canal, registramos mais de 120 mil atendimentos em um único dia”, conta a executiva.
Após o término da pandemia, os números de serviços contratados via WhatsApp seguem expressivos: R$ 18 milhões em créditos, R$ 30 milhões em captação de investimentos e R$ 50 milhões de receita em geração de negócios. “Esse projeto evoluiu de um canal de atendimento emergencial para uma solução de geração de negócios. Sem dúvida, foi um marco no CX brasileiro e abriu as portas para uma mudança na cultura e na oferta de serviços do cliente”, destaca.
Fatores fundamentais para entregar um CX de sucesso
Resolver os problemas relatados pelos consumidores
Atender os consumidores em tempo real
Oferecer uma experiência personalizada
Coletar e usar os feedbacks dos consumidores
Educar e gerar consciência nos consumidores
Ofertar um processo de compra eficiente
Prover uma experiência omnichannel fluida
Construir personas com precisão
Fonte: Ascend2, “Building Better Customer Experiences”, Novembro de 2022, eMarketer
Sentimento visceral
Sentir na pele o que é ser brasileiro – com todas as suas belezas e complexidades – é realmente algo que só nós podemos explicar. Ser caloroso envolve intensidade. Mais do que isso, envolve uma certa paixão ao olhar para o mundo e para as marcas.
Como lembra Candice, do BCG, o brasileiro também é conhecido por ser muito fã. “Às vezes, uma banda de música lá de uma cidade distante, de um país pouco conhecido, tem seu primeiro fã clube criado onde? Aqui no Brasil”, exemplifica. “Essa característica de fãs apaixonados também impacta marcas”, lembra.
O grande gingado das marcas é saber utilizar esse atributo a favor de si mesmas. A Chilli Beans consegue ilustrar bem essa movimentação. “Partimos do princípio de que a identificação com a marca e a experiência do consumidor são até mais importantes do que o valor do produto”, destaca Vanessa Lanzillotta, coordenadora de CRM da empresa.
O CEO da marca, Caito Maia, costuma dizer que não vende óculos, vende histórias. E isso pulsa em todos os pontos de contato da companhia. “O consumidor que compra óculos com temas do universo geek recebe as nossas newsletters, com curiosidades sobre os filmes e as séries das nossas coleções, e pode ser selecionado para eventos especiais, como participar de uma pré-estreia de cinema. É mais do que uma relação de marca e consumidor; é como se estivéssemos dizendo: nós te conhecemos e queremos fazer parte da sua história”, detalha Vanessa.
Essa atenção redobrada com os pontos de contato torna a empresa destaque em um ponto extremamente sensível da jornada do cliente: o pós-venda. A Chilli Beans faz uma pesquisa CSAT após todas as vendas – um espaço para o cliente “abrir o coração” e falar sobre produto, atendimento, qualidade e comunicação. E os insights dessa pesquisa são repassados para as áreas responsáveis, que criam planos de ação.
Partimos do princípio de que a identificação com a marca e a experiência do consumidor são até mais importantes do que o valor do produto
Vanessa Lanzillotta,
coordenadora de CRM da Chilli Beans
Essa brasilidade cuidadosa, com tudo o que o cliente vivencia com a marca, também acompanha a Chilli Beans na expansão internacional. Ainda que os franqueados internacionais sejam majoritariamente estrangeiros, conhecem muito bem a cultura local e recebem treinamentos mensais, o que ajuda a consolidar o storytelling de produtos, consagrando-a internacionalmente.
Fala que eu te escuto
De fato, os especialistas são categóricos ao analisar o pós-venda: não adianta ter uma incrível experiência de compra se o cliente ficar desamparado depois. Exatamente por essa preocupação, existe uma nova área florescendo: a de Melhoria Contínua. Essa já é uma prática da Smart Fit, que hoje passa de 1 milhão de clientes e está levando seu modelo brasileiro para mais países da América Latina.
“Essa área escuta o que está acontecendo diretamente no atendimento, traz para casa, entende o processo e tenta melhorar. É um processo constante”, conta Fábio Sakae, diretor de Marketing da Smart Fit. Essa estrutura é levada para os outros países e passa pela adição da cultura local – para garantir que a marca está dialogando nos locais onde se instala.
Do ponto de vista do executivo, um dos grandes trunfos da marca é priorizar o crescimento dos seus colaboradores, criando diferenciais para a carreira das pessoas. “Nós temos a Universidade Smart Fit, na qual oferecemos até cursos de MBA para os professores”, detalha. “Toda vez que surge uma oportunidade na área de CX, abrimos a vaga primeiro para a nossa base de recepcionistas. Eles já conhecem o nosso cliente, o dia a dia da academia, e isso faz muita diferença”, complementa. Atualmente, cerca de 50% dos talentos de CX atuavam como recepcionistas.
Do mesmo modo que quer democratizar o fitness de alto padrão, a empresa busca democratizar oportunidades dentro de casa. Isso impacta diretamente a construção da cultura – o pertencimento e o encantamento do seu time. Lá na ponta, os que sentem os benefícios são os consumidores.
A experiência internacional também contribui com pitadas de diversidade. “Temos oportunidade de ouvir sobre outros tipos de CX dentro da própria companhia. Não precisamos buscar cases o tempo todo”, analisa, principalmente porque o tamanho da rede traz desafios por si só – não é tão simples assim encontrar outras referências. “Quantas academias no mundo têm 1 milhão de clientes?”, questiona Sakae em tom descontraído.
Para marcas que não têm essa experiência em outros territórios, o executivo lembra que nossa própria extensão continental ensina muito sobre diversidade cultural e formas de atender. “Talvez dentro do Brasil haja mais diferenças do que entre os países em si. Falar com um consumidor do Nordeste não é como falar com um consumidor do Sul”, analisa. Isso também precisa ser levado em consideração.
Talvez dentro do Brasil haja mais diferenças do que entre os países em si. Falar com um consumidor do Nordeste não é como falar com um consumidor do Sul
Fábio Sakae,
diretor de Marketing da Smart Fit
Empatia e sensibilidade
Se encantar o cliente já é desafiador quando o assunto se refere a bens de consumo, como ficam as empresas que oferecem serviços vitais? No campo da Saúde, os avanços também trazem complexidades. No entanto, é na força do acolhimento hospitaleiro que algumas empresas têm construído a sua diferenciação.
O Grupo Fleury, por exemplo, tem-se tornado referência no cuidado diferenciado de pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), um quadro que atinge 1 em cada 160 crianças, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A empresa criou o TEAcolher Fleury, projeto com o objetivo de receber, de forma personalizada e acolhedora, os pacientes e seus familiares. A iniciativa foi desenvolvida em parceria com o núcleo de autismo do Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
De tão diferenciada, tornou-se case. O Fleury foi convidado pelo Beryl Institute, uma comunidade global focada em PX (Experiência do Paciente), localizada em Nashville, nos Estados Unidos. “Mostramos como conduzimos o projeto, como alteramos alguns espaços clínicos das unidades e todo nosso trabalho prévio de investigar o perfil dos pacientes e entender suas sensibilidades, como barulho, luz. É isso que possibilita entregarmos uma experiência que cuide dessas necessidades”, conta Daniella Bahia, diretora Médica, P&D, Práticas Assistenciais e Segurança do Paciente do Grupo Fleury.
Cuidar dessa especificidade é possível porque existe todo um trabalho de estudo de personas que a companhia prioriza. Afinal, os pacientes têm todas as idades e diferentes necessidades – como crianças, gestantes, pacientes com TEA e outros casos específicos. “Nós temos uma cultura forte de cuidar das nossas pessoas, que são quem tratam os nossos pacientes”, destaca. Em sua visão, disseminar o contato cuidadoso na cultura é um ponto essencial para o CX tanto da área de Saúde como dos demais segmentos.
Espaço para crescer
Para Aline Horta, superintendente de CX & Design da Dasa, a área de Saúde ficou para trás na evolução do atendimento digital quando comparada a outras áreas, como a Financeira, mas isso não quer dizer que não venha se desenvolvendo. “Pelo contrário: acredito que a tecnologia no contato com o cliente vem evoluindo e é fundamental justamente para tornar a jornada de cuidado menos fragmentada e mais fluida, colocando o usuário realmente no centro das decisões”, analisa.
É isso que o novo paciente quer: cuidado personalizado. Para atender a essa expectativa, uma nova lógica de entrega de valor deve ser construída – uma lógica de rede, explica Aline. “Em 2021, perguntamos para mil brasileiros quem cuidava da saúde deles. As respostas foram: médicos, google e familiares. E depois perguntamos quem eles gostariam que cuidassem da saúde deles. As respostas foram surpreendentemente variadas”, relembra.
Isso porque muitos outros atores passam a fazer parte dessa rede. “O Sistema de Saúde tradicional continua presente, mas também passa a dividir espaço. O maior desafio é desconstruir a lógica atual, na qual o usuário espera para ser atendido, e fazer com que as ofertas de saúde qualificadas se integrem à sua jornada e dividam espaço com todas as outras referências de saúde da sua vida”, explica Horta.
Para se diferenciar no mercado, a Dasa já deu um importante passo, investindo em uma experiência phygital – acolhimento nos pontos físicos e digitais. O ponto estratégico dessa ação é o Nav, uma plataforma digital de saúde integrada. “O Nav proporciona uma jornada fluida e ágil, contribuindo para a gestão de saúde de cada paciente, com histórico médico, marcação de exames e consultas e telemedicina – tudo na palma da mão. O Nav empodera e facilita a vida das pessoas, além de habilitar a entrega de uma medicina mais humanizada, preditiva, personalizada, eficiente e acessível”, define.
Hoje, mais de 7,7 milhões de usuários da Dasa já baixaram o Nav – um crescimento de 65% em um ano. Mais de 54 mil médicos usam o aplicativo, com alta de 73% em um ano. A plataforma funciona tanto para agendamento de exames e vacinas, em todas as marcas e em mais de mil unidades laboratoriais da Dasa e atendimento móvel, quanto para marcações de consultas para alguns hospitais, otimizando recursos com atendimento e facilitando o check-in nas unidades.
A plataforma também tem potencializado o cuidado aos detalhes: há um alerta direto para os médicos, por meio do Nav Pro, quando uma alteração significativa é encontrada nos exames de seus pacientes. “A funcionalidade diminui, consideravelmente, o tempo de início ao tratamento ou aos procedimentos cirúrgicos. A saúde digital amplia o acesso: reduz significativamente o custo da operação e o tempo de atendimento, assim como aproxima a qualidade médica fora das grandes capitais”, pontua a executiva.
Cuidado com o que é humanamente caro
Assim como é na Saúde, o segmento de Seguros também cuida das pessoas em momentos de fragilidade (até mesmo antecipando essas questões). “Para transformar a vida das pessoas, temos a missão de abraçar o cliente no momento mais difícil”, reflete Giuliano Generali, superintendente-executivo de Canais Digitais e Experiência do Cliente do Grupo Bradesco Seguros. Em um momento funerário, por exemplo, todo cuidado conta – tom de voz, delicadeza, acolhimento e sensibilidade são palavras das quais o executivo não abre mão.
Simplificar a forma como nos comunicamos é um dos grandes diferenciais para facilitar a vida do cliente
Giuliano Generali,
superintendente-executivo de Canais Digitais e Experiência do Cliente do Grupo Bradesco Seguros
Para garantir uma jornada fluida, há três anos a empresa mensura a experiência dos clientes em diversos pontos de contato. Esse aprendizado é liderado por células ágeis – mais de 150 squads, que se baseiam na metodologia ágil para mapear dores e encontrar soluções práticas e efetivas. Vai do simples ao complexo – desde a localização e a cor de um botão até a mudança da nomenclatura de uma feature. “Simplificar a forma como nos comunicamos é um dos grandes diferenciais para facilitar a vida do cliente”, destaca Generali.
A evolução do CX dentro das companhias, sob o ponto de vista do executivo, depende da proximidade dos colaboradores com o conceito – novamente, a criação da cultura do CX. O Grupo encontrou uma maneira bastante efetiva para garantir esse degrau: criou uma comunidade de funcionários beta testers. “Temos mais de 3.500 colaboradores beta testers, com diferentes perfis para testar nossas funcionalidades”, conta. Isso impulsiona dois grandes movimentos. “Aprendemos a gerir comunidade de testers e, ao mesmo tempo, disseminamos a cultura de teste na companhia. Engajamos áreas que estavam muito longe do conceito e hoje fazem a diferença”, complementa.
Os colaboradores ganham um selinho de beta tester, o que incentiva a disseminar essa prática. Em média, a empresa consegue garantir pelo menos dois testes de usabilidade por semana. O Centro de Excelência de UX e Design gere a comunidade e mantém células espalhadas por toda a empresa. “O segredo do CX mora nos detalhes e na simplicidade”, enfatiza Generali.
O caso também está ganhando o mundo. Este ano, o Grupo Bradesco Seguros foi contemplado pelo Prêmio MIT Innovative Workplaces 2023 como uma das 20 empresas com ambiente mais favorável à inovação no mercado.
Digitalmente caloroso
Se a tecnologia pode romper barreiras inimagináveis, também tem seus pontos de cuidado. Fabricio Dore, diretor de Design e Experiência do Itaú Unibanco, é enfático: “Não dá para digitalizar tudo. O brasileiro gosta de falar com alguém para resolver seus problemas.” Isso traz uma grande diferença do ponto de vista dos parâmetros do CX do Brasil para o de outros países. Em muitos lugares, o CX é visto, principalmente, pelo prisma da eficiência – lojas e até hotéis sem atendentes para gerar autonomia e fluidez para o cliente.
Um hotel sem ninguém para receber os hóspedes? No Brasil? Parece até pegadinha. Funciona lá fora, aqui não. É do cuidado humano que a gente gosta – e é o cuidado humano que faz diferença nos pontos de fricção que aparecem na jornada. Se existe uma questão que preocupa o Itaú é ouvir o que o cliente está dizendo sobre seus pontos de contato.
Atualmente, o banco conta com 700 profissionais dedicados ao CX – talvez uma das maiores áreas focadas em CX do mercado brasileiro. “Temos desde pesquisadores a designers e profissionais de agilidade, que desenvolvem métodos em suas squads para garantir agilidade nas mudanças”, conta. Esse time observa atentamente cada aspecto da jornada do cliente e, impulsionado pela cultura ágil, leva sugestões de melhoria para garantir o que Fabricio entende como “CX de alto nível”: aquele que não é percebido.
Não dá para digitalizar tudo.
O brasileiro gosta de falar com alguém para resolver seus problemasFabricio Dore,
diretor de Design e Experiência do Itaú Unibanco
“Eu não quero que você fique 10 minutos fazendo um Pix; quero que seja em 15 segundos e perfeito. Vai quase desaparecer na rotina, mas estará em excelência”, pontua. Se parece simples por fora, por dentro exige estrutura e tecnologia. “Exige preparo, ter gente que consiga traduzir a necessidade do cliente em uma funcionalidade, em uma interface ou até numa jornada”, detalha. Isso tudo é medido e analisado criticamente, para sempre acontecer o que o cliente está esperando.
Essa cultura da observação também traz insights. Por exemplo: hoje, o Itaú procura entender o que Fabricio denomina como “gambiarra criativa”. Os brasileiros sempre dão seu jeito de resolver as coisas, não é mesmo? E entender esses comportamentos traz grandes ganhos para as empresas. Por exemplo, muitos clientes utilizam o cartão de crédito de forma compartilhada. Isso acendeu uma luz para o time: Quais necessidades isso representa? Quais seguranças demandam para a pessoa? É um ciclo vivo de aprimoramento sob a perspectiva do cliente.
6 provocações sobre cx, na visão de lideranças
- Não adianta medir o NPS se o resultado não gerar estratégias práticas.
- CX de alto nível passa despercebido – é a fluidez da experiência 100% lapidada.
- CX sem dados não se prova.
- CX fora da cultura da empresa é uma ilusão.
- Não é sobre contratar um time. Desenvolver CX exige consistência e compreensão do que a empresa precisa mudar como um todo.
- O bom CX resolve os problemas na raiz e não apenas os sintomas.
A gente se apoia
O setor Financeiro brasileiro é um dos mais avançados no mundo. O Pix, por exemplo, é referência mundial e está sendo copiado por diversos países. Ainda assim, o calor humano não perde a majestosa pose de primeiro lugar na estratégia. “A grande lição do jeito brasileiro de fazer CX é que as relações humanas genuínas podem ser o alicerce de experiências extraordinárias”, destaca Victor Nuti, sócio da Stone Co.
A grande lição do jeito brasileiro de fazer CX é que as relações humanas genuínas podem ser o alicerce de experiências extraordinárias
Victor Nuti,
sócio da Stone Co.
“Temos inúmeros cases que refletem as características do CX brasileiro, inclusive vários deles estão escritos nas paredes das nossas salas de reunião no escritório do Rio de Janeiro”, conta Nuti. Um exemplo foi o caso da Papelaria Icaraí: uma história que começou com um problema de pagamento e terminou com muita gratidão, confiança e admiração. Felipe, dono da papelaria, fez uma venda parcelada, mas a cliente, irritada, entrou em contato com ele dizendo que o pagamento tinha sido cobrado à vista.
Em poucos minutos de ligação, a “Encantadora” que atendeu ao caso resolveu a questão, provocando sorrisos na cliente e também no próprio Felipe. “A surpresa foi tão positiva que, no mesmo dia, se transformou em um elogio público no Facebook. Com o post, nosso time teve a certeza de que era preciso retribuí-lo com outra surpresa: uma visita pessoal com parte dos nossos Encantadores e também um presente”, relembra.
Isso resultou em um grande feedback. “A cliente declarou: ‘vocês são uma empresa diferente’”, relembra. “Antes de se despedir, nosso time ainda se identificou com uma frase na porta da papelaria: ‘eu me realizo quando te entendo e te atendo’”. “É uma frase que tem tudo a ver com a Stone. Acredito que esse caso mostre a importância de construir conexões verdadeiras no CX brasileiro”, conta Nuti.
Qual lembrança vai ficar?
O CX tem sua base em experiência – e experiências criam memórias. “A experiência do que vivemos e sentimos é o que fica na lembrança de todos nós ao ter contato com uma marca, produto ou serviço. Nossas lembranças, positivas ou negativas, são marcadas pelas emoções que experimentamos e, portanto, como clientes isso é muito relevante”, destaca Jaqueline Machado, head de Customer Experience do BTG Pactual. “CX pode sim mudar a vida das pessoas, pode impactar positiva ou negativamente e, justamente por isso, precisa ser pensado para facilitar, para ser seguro e ágil, para ser sensível a cada necessidade”, explica.
Nossas lembranças, positivas ou negativas, são marcadas pelas emoções que experimentamos e, portanto, como clientes isso é muito relevante
Jaqueline Machado,
head de Customer Experience do BTG Pactual
Entender isso envolve reconhecer um grande impacto na vida das pessoas. Nesse sentido, a executiva é crítica. “Em diversos setores, vejo empresas usando a tecnologia da forma mais fácil: para retirar interações humanas. Isso é um tiro no pé… quem não entendeu isso, não está preparado para a próxima década de CX”, analisa. “Cada oportunidade que temos de falar com um cliente tem que ser aproveitada como uma oportunidade de mostrar o valor que a empresa dá para as relações.”
O gosto por uma boa conversa e contato humano, tão natural para nós, diz muito sobre nosso CX. “O brasileiro é naturalmente acolhedor, alegre, receptivo – e não teria como ser diferente para nosso CX. Em minhas viagens a lazer ou a trabalho, quando sou cliente de empresas diversas, ainda não encontrei no mundo um lugar que tenha mais humanização nas relações, que seja mais caloroso nas interações e que esteja tão disposto a ouvir feedbacks e melhorar como vejo aqui no Brasil. Acho que ensinamos isso para o mundo: ouvir e querer conversar com os clientes para acolher e melhorar, sempre”, conta a executiva.
Base firme
Todas as empresas tocam pontos importantes da vida dos clientes quando privilegiam suas prioridades. Mas alguns segmentos atuam em níveis mais delicados. Esse é o caso da MRV. Principalmente no Brasil, a compra do imóvel próprio causa muita sensibilidade. “Nosso negócio envolve o sonho da grande maioria dos brasileiros, que é a conquista da casa própria. A aquisição desse bem, por si só, gera transformação na vida de nossos clientes. Nossa es-
tratégia de CX é tornar toda a jornada, desde a escolha da unidade até a pós-entrega das chaves, uma ótima experiência”, destaca Junia Galvão, diretora-executiva de Administração e Desenvolvimento Humano da MRV. A empresa atua em mais de cem cidades, espalhadas em 22 Estados do País.
Nesse momento de mercado marcado por digitalização, velocidade e incerteza, o desafio é criar vínculos sólidos com os clientes, atendendo às suas expectativas, e prestar atenção nas mudanças para adaptar rapidamente o negócio
Junia Galvão,
diretora-executiva de Administração e Desenvolvimento Humano da MRV
Em seu ponto de vista, um País com extensões geográficas e diferentes culturas contribui para a criatividade no desenvolvimento de soluções e na personalização do atendimento. “Nesse momento de mercado marcado por digitalização, velocidade e incerteza, o desafio é criar vínculos sólidos com os clientes, atendendo às suas expectativas, e prestar atenção nas mudanças para adaptar rapidamente o negócio”, analisa.
Desde 2020, a empresa adotou a atendente virtual MIA. Em três anos, o bot já realizou mais de 7 milhões de interações, com cerca de 357 mil clientes da empresa, respondendo a dúvidas, gerando boletos e encaminhando clientes em potencial para os corretores da companhia. Outro dado positivo, após o início da atuação da Inteligência Artificial, refere-se ao Net Promoter Score (NPS), indicador de mensuração do grau de lealdade dos consumidores, que registrou um aumento de 61%.
Levando em consideração nossa complexidade como nação em extensão territorial, são números relevantes – e que representam uma das lições que deixamos para o mundo, na visão da executiva. “Tantas diferenças culturais, em cada região do País, estimulam nossa criatividade para criar soluções e personalizar nosso atendimento, ou seja, deixamos como lição nossa criatividade e característica inovadora diante das dificuldades e dos desafios”, reflete.
Vou te levar daqui
Com tantas teorias e métodos desenvolvidos sobre CX nos últimos anos, muitas respostas de boas práticas podem ser identificadas. O pulo do gato, porém, mora nas perguntas. É assim que Antonio Augusto, diretor de Marketing da Localiza&Co., entende o conceito. “O que o meu cliente precisa hoje? Como meu negócio pode solucionar suas principais demandas, com praticidade, agilidade e efetividade? Se o negócio atual não atende, o que é preciso fazer? Alterar a solução? Criar algo novo? E, mesmo que se crie uma nova solução, como garantir que ela estará sempre conectada à cultura da companhia?”, questiona.
Essa inquietação questionadora faz parte do modo de ser da empresa e é incentivada em toda a sua equipe, que une a criticidade das ações com a proatividade para resolver as situações que surgem. “São exercícios constantes, que colaboram na geração de valor e solidificação de uma estratégia de CX robusta, factível”, reflete.
O foco é atender e manter o cliente bem amparado, alongando o vínculo. “Costumamos dizer que ‘a gente não namora, a gente casa’”, brinca o executivo. “É uma forma mineira de dizer que privilegiamos relacionamentos de longo prazo com nossos parceiros e clientes, buscando sempre a melhor combinação de resultados para todos os envolvidos e, assim, perenizando a relação”, diz.
Isso acontece desenvolvendo também uma visão mais abrangente da jornada e de todas as pessoas que são impactadas pela ação da empresa. Um recente esforço da marca foi a criação da Zarp Localiza, plataforma dedicada aos motoristas de aplicativos. “O cenário de aplicativos de transporte no Brasil, além de único, é fortemente impactado pelas oscilações frequentes da economia brasileira, o que exige da Zarp agilidade, personalização e um contato constante com os motoristas”, conta.
Mesmo a escolha de canais de contato, nesse caso, é muito particular “Esse público se comporta de forma singular e a Zarp busca ser parceira dos motoristas, não apenas fornecedora. Contribuímos para a realização dos sonhos desses profissionais”, destaca. “Com carros de qualidade, serviços de manutenção e revisão, conteúdo especializado e parcerias estratégicas (como com a Renault, a Raízen, a Tupinambá e o Carrefour), a Zarp ajuda os motoristas a potencializar seus ganhos, tudo com muita inovação, contribuindo para a geração de mais renda e maior produtividade”, detalha.
Para o executivo, o resultado extrapola a relação com os clientes diretos (motoristas de aplicativo) e chega também aos clientes finais, os passageiros. Afinal, com o apoio e a orientação da Zarp, cada vez mais pessoas se beneficiam de um serviço de qualidade, aproveitando inovações desenvolvidas em ambiente nacional e integrando-se a um ecossistema de mobilidade que faz com que todos “cheguem lá”.
Sensibilidade diária
Com tantos canais digitais, a experiência do cliente tem suas nuances virtuais. Muitas vezes, porém, é no “cara a cara” que o encantamento ganha seus contornos irreverentes. O varejo passa, constantemente, por esse desafio. E abraçar a diferenciação cultural brasileira pode fazer toda a diferença. “O Brasil tem uma riqueza singular que é a sua diversidade. Somos um País de tamanho continental, com uma sociedade com tradições e hábitos típicos de cada região”, reflete Marly Yamamoto, diretora-executiva de Marketing e Gestão de Clientes do Assaí Atacadista.
O consumidor brasileiro compra experiências, quer ser enxergado como único, ter voz ativa e gosta de conhecer, a fundo, os produtos e serviços que deseja adquirir
Liliane Bernardes Santana,
diretora de Excelência ao Cliente do Grupo Boticário
Nesse sentido, a busca da marca é aprimorar, constantemente, o entendimento das características locais para que a experiência na loja seja natural e acolhedora. “Temos uma atuação muito próxima das regiões nas quais operamos, seja na forma como nos relacionamos com os clientes, seja com o sortimento de produtos oferecidos em cada unidade. Cada loja e cada cliente são únicos”, garante a executiva.
Essa construção de vínculos também é uma prioridade do Grupo Boticário – está além das relações de consumo propriamente ditas. “Nossas iniciativas estão intimamente ligadas ao impacto que a empresa gera na sociedade. Temos o compromisso de transformar a vida das pessoas por meio da beleza, valorizando o que cada um tem de único, sem estereótipos”, destaca Liliane Bernardes Santana, diretora de Excelência ao Cliente do Grupo Boticário.
Um dos focos da marca é gerar oportunidades para que haja a valorização do que cada pessoa tem de melhor, seja a partir dos produtos, seja a partir de soluções ou iniciativas da empresa. “O consumidor brasileiro compra experiências, quer ser enxergado como único, ter voz ativa e gosta de conhecer, a fundo, os produtos e serviços que deseja adquirir”, analisa.
Tudo isso tem aspectos emocionais. A marca, inclusive, é adepta do termo “Lovetech” – que ilustra a sincronia entre tecnologia e sensibilidade humana. “Nós somos esse povo caloroso. Como uma empresa nativa brasileira, entendemos esse DNA e exportamos essa característica para a relação que temos com o cliente, com acolhimento e empatia”, diz.
Marly Yamamoto,
diretora-executiva de Marketing e Gestão de Clientes do Assaí Atacadista
Entre 2019 e 2023, o investimento em tecnologia do Grupo aumentou mais de dez vezes. Nos últimos quatro anos, o número de pessoas dedicadas ao desenvolvimento de soluções e inovações digitais e tecnológicas passou de 200 para 2.500, com desenvolvedores, especialistas em dados, UX, CX, data analytics, dentre outras tantas atribuições que atuam de forma transversal em seu ecossistema. “Traduzimos, portanto, a nossa estratégia por meio do nosso jeito de ser e atender cada um dos nossos clientes em todo o País, buscando envolver toda a cadeia na jornada de compra”, complementa.
Caminhos para o holofote mundial
Os cases brasileiros não deixam dúvida: entender o ser humano faz parte da busca diária das empresas. O impacto existe; a inspiração já transbordou nossas fronteiras. Fica a pergunta:
É possível confirmar nossa presença nas referências globais?
Os especialistas têm certas dúvidas, mas a resposta é sim – nossas práticas já ensinam muito para o mundo. No entanto, existem ainda desafios que desaceleram a onipresença do CX brasileiro nos quatro cantos do globo. A experiência multinacional de Mariana Grottera, diretora de Experiência do Cliente da Amazon Brasil, levanta três principais pontos de atenção.
O primeiro deles é a forma como as empresas brasileiras trabalham com dados. Existe uma camada de dados em que o CX brasileiro precisa evoluir. Essa estruturação ainda tem um grande processo evolutivo pela frente. Com a vivência de outras empresas antes da Amazon, a executiva viveu na pele a dificuldade de primeiro absorver os dados para, então, estruturar e passar a trabalhar com eles. “Esse percurso é bastante moroso e trabalhoso até chegar ao ponto de se trabalhar com dados de qualidade. Se chegar nesse lugar, precisa saber fazer perguntas e tirar bons insights para saber o que precisa fazer”, explica.
Mariana Grottera,
diretora de Experiência do Cliente da Amazon Brasil
Em sua visão, precisamos sair da humanidade do CX e entrar numa estrutura mais analítica. É isso que vai levar o business para o crescimento financeiro, por exemplo. “Sem dados, fica muito difícil o CX se provar”, reflete a executiva. E isso influencia o segundo ponto: uma visão mais alongada das estratégias das empresas. “Uma estratégia de CX que faça sentido precisa ter o olhar à frente. Por mais que as estratégias sejam pensadas para três anos, existe uma pressa de resultados em curto prazo”, diz.
Às vezes, o resultado em curto prazo pode parecer insatisfatório, mas o tempo é rei, já diriam os poetas. “Pode acontecer de, no momento em que apresento uma solução, ser escutado que vou ‘machucar’ o resultado de vendas, mas a questão é alongar a fidelização do cliente e ser transparente – isso também traz mais resultados”, elucida Mariana. Não adianta agir com ansiedade, muitas vezes querendo adotar tecnologias que parecem tendência, mas não se comprovam ao longo do tempo. A ansiedade vem da falta de dados. Tudo se conecta.
É que eu preciso dizer que te… ouço
Um terceiro ponto – crucial – para Mariana é lembrar de simplificar a mensagem sobre o CX no Brasil. “A gente fala muito de encantamento, mas não é só isso. CX é fazer o básico bem-feito. Garantir que aquela promessa de um anúncio será plenamente atendida sem nenhuma frustração. Isso é o que gera confiança no cliente”, provoca. “Não precisa complicar, ir para um lugar de sofisticação. É mais simples do que parece. Primeiro, investir no problema que o cliente relatou que já tem. Fazer o básico bem-feito. Depois de otimizar custos, aí sim investir no encantamento”, completa.
A velocidade das mudanças exige das empresas uma capacidade de adaptação quase imediata, buscando atender às expectativas dos clientes em tempo real
Antonio Guerardi,
diretor-executivo de Marketing da Unidas
Nesse sentido, Antonio Guerardi, diretor-executivo de Marketing da Unidas, também levanta os cuidados da digitalização. Embora traga oportunidades, também levanta a questão da humanização do atendimento em um ambiente cada vez mais virtual. “A velocidade das mudanças exige das empresas uma capacidade de adaptação quase imediata, buscando atender às expectativas dos clientes em tempo real”, pontua.
Não dá para esquecer que vivemos o mundo VUCA – volátil, incerto, complexo e ambíguo. Os consumidores vivem uma realidade de hiperestímulos, notificações e informações que inundam seu dia a dia e geram muitas expectativas. É necessário equilíbrio e pé no chão para atender com excelência. “Em um contexto de incertezas, garantir consistência e confiabilidade no serviço torna-se crucial, pois os consumidores buscam marcas que transmitam segurança e estabilidade”, reflete.
Mais flutuante que a segurança em meio à realidade líquida parece quase fictício, não é mesmo? Pois bem, seria esse o nosso trunfo? Complexamente ambíguos, brasileiramente apaixonados. E prontos para mostrar que fazemos melhor sim. Tchau, complexo de inferioridade.
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