Do armazenamento à última milha da entrega: a logística do comércio eletrônico no Brasil

Nas principais metrópoles brasileiras, é possível hoje com apenas um clique adquirir uma mercadoria pela internet e recebê-la em casa em poucas horas. O que pode parecer uma simples transação comercial possibilitada pelo desenvolvimento das tecnologias de informação, na verdade, esconde uma complexa cadeia logística cuidadosamente desenhada para que o produto chegue o mais rápido possível às mãos do consumidor. Antes de poderem ser efetivamente consumidas, as mercadorias comercializadas on-line passam por diversas instalações logísticas, distribuídas de maneira estratégica pelo território, e pelas mãos de vários trabalhadores.

Embora já estivesse em curso há alguns anos, a estruturação das cadeias logísticas das principais empresas do comércio eletrônico sofreu um grande impulso a partir da pandemia da Covid-19. De acordo com dados do Observatório do Comércio Eletrônico Nacional, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o valor bruto de vendas do varejo eletrônico brasileiro em 2022 foi mais de três vezes maior que em 2019. O salto no consumo de bens através da Internet acelerou os investimentos das principais varejistas eletrônicas no país em suas infraestruturas logísticas. Desde 2020, a norte-americana Amazon e a argentina Mercado Livre, duas das maiores empresas que atuam exclusivamente on-line no Brasil, quadruplicaram o número de centros de distribuição instalados no país.

Investimentos na distribuição não são propriamente uma novidade na história do capitalismo: faz parte da lógica inerente da acumulação a busca pela redução do tempo de rotação do capital. É só na segunda metade do século XX, contudo, que a logística emerge como uma ciência gerencial específica que faz parte do arsenal da grande empresa capitalista no seu impulso maximizador de lucros. O comércio eletrônico, por sua vez, aparece como o mais recente desenvolvimento logístico, no qual a entrega torna-se um produto em si e o tempo de entrega uma das principais bases de competição. Na busca por maior controle dos prazos dos fretes, as grandes varejistas eletrônicas têm se comportado cada vez mais como prestadoras de serviços logísticos para outros vendedores.

A infraestrutura logística do varejo eletrônico se diferencia da logística do varejo tradicional na medida em que ela exige maior capilaridade das estruturas de distribuição, de forma a garantir maior proximidade com os consumidores. Neste sentido, ela se organiza em duas camadas principais: a das estruturas de armazenamento e a daquelas relacionadas à chamada última milha da entrega, isto é, o último percurso da mercadoria até o seu local de consumo. A camada do armazenamento é formada por centros de distribuição, onde são armazenadas tanto mercadorias próprias quanto mercadorias de terceiros, através dos programas de fulfillment, em que as plataformas se responsabilizam por todas as etapas de distribuição para seus vendedores parceiros. Já a última milha da entrega é formada por uma miríada de instalações menores, sobretudo as chamadas bases de última milha, que funcionam como centros de triagem e baldeação entre os centros de distribuição e os domicílios dos consumidores.

Os centros de distribuição são estruturas de grandes dimensões – podendo chegar a 100 mil metros quadrados – que em geral se localizam nas periferias das grandes metrópoles. Na busca por economias de aglomeração e pela redução de seus ativos imobiliários, as varejistas tendem a localizar seus centros logísticos em grandes condomínios logísticos, alugando módulos ou galpões inteiros (muitas vezes construídos para atender as demandas da empresa) e compartilhando a infraestrutura com outras empresas. O Estado também influencia a localização dos centros de distribuição, tanto através de apoio institucional de governos estaduais, quanto através da concessão de regimes tributários especiais, na busca pela atração dos investimentos logísticos. Alguns municípios vêm se destacando como polos do comércio eletrônico brasileiro, como são os casos de Cajamar-SP, na Região Metropolitana de São Paulo, conhecido como “a Faria Lima dos galpões”, e de Extrema-MG, município localizado a 100 quilômetros da RMSP, mas submetido ao regime tributário de Minas Gerais.

As bases de última milha, por sua vez, são formadas por galpões menores – de até 10 mil metros quadrados –, que se diluem na rede urbana brasileira e no tecido metropolitano. Por serem apenas plataformas de baldeação, nas quais as mercadorias não são armazenadas, elas tendem a se localizar o mais próximo possível dos consumidores, de forma a garantir entregas mais rápidas. Em geral, é a partir destas instalações que os entregadores coletam as encomendas diárias e de onde partem para as rotas de entrega. Elas podem se localizar também em condomínios logísticos menores, em áreas tradicionais de carga das grandes metrópoles ou até mesmo em pequenos galpões localizados em áreas comerciais e residenciais, a depender do tamanho da empresa operadora. O Mercado Livre já possui mais de 100 bases de última milha no Brasil (que a empresa chama de Service Centers), das quais mais da metade estão localizadas em cidades médias.

Na escala metropolitana, a infraestrutura logística do comércio eletrônico é marcada pelo par dialético concentração/desconcentração. Por um lado, as estruturas de armazenamento buscam localizações mais afastadas do centro das metrópoles, onde há maior oferta de terrenos, mas se aglomeram em grandes condomínios ao longo dos principais eixos viários. Por outro, os centros logísticos da última milha buscam o interior da metrópole, de onde as encomendas podem chegar mais rápido aos seus destinos em veículos leves, mas se distribuem de maneira difusa no tecido urbano, dividindo a cidade em zonas de entrega. Esse padrão é especialmente visível na Região Metropolitana de São Paulo.

Destaca-se que, na última milha da entrega, prevalecem tanto relações de parceria, através da contratação de transportadoras especializadas, quanto relações de competição, uma vez que as varejistas eletrônicas vêm desenvolvendo logísticas próprias de entrega. Estas, por sua vez, são eminentemente formadas pela subcontratação de pequenas transportadoras exclusivas (como o programa Delivery Service Partners, da Amazon), e cada vez mais pela mobilização de multidões de trabalhadores autônomos, sob o gerenciamento de plataformas e algoritmos, como o aplicativo Mercado Envios Extra e a plataforma Loggi, contribuindo para os processos de uberização e informalização do trabalho.

O sucesso de grandes empresas estrangeiras do comércio eletrônico pode ser atribuído em parte pela construção de uma robusta infraestrutura própria de distribuição. Por outro lado, essa infraestrutura encontra no território nacional, sobretudo no estado de São Paulo – maior centro de consumo e de comando sobre as atividades do comércio eletrônico – as condições de fluidez territorial que permitem a operacionalização das entregas através de seus fixos, externalizando os custos de circulação. Além disso, também contribuem para esse sucesso a capilarização crescente dos dispositivos eletrônicos móveis nos últimos anos e um mercado de trabalho desestruturado, estabelecendo as bases para a mobilização do trabalho sob demanda. Embora o impulso causado pela pandemia tenha arrefecido, o comércio eletrônico tende a se estabelecer como um elemento sistêmico do varejo nacional, com uma intensificação das tendências observadas nos últimos anos.

Fonte: https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/do-armazenamento-a-ultima-milha-da-entrega-a-logistica-do-comercio-eletronico-no-brasil/

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