Apps de delivery crescem na pandemia, em meio a reclamações de entregadores e restaurantes sobre pagamentos irrisórios e taxas abusivas.
Nesta quarta-feira (01), os entregadores de aplicativos de delivery realizam uma greve nacional, que reivindica melhores condições de trabalho e mudanças na forma de pagamentos das principais empresas do setor, como iFood, Rappi, James, Loggi e Uber Eats.
As insatisfações ganham os holofotes em um momento em que a entrega em domicílio está muito popular. Com a pandemia e o isolamento social, o share de delivery no mercado como um todo subiu de 9% em abril de 2019 para 32% em abril de 2020, segundo o Instituto Food Service Brasil (IFB).
“O uso extensivo dos serviços de entrega fez com que a demanda crescesse e, com o recuo dos empregos formais, muitos trabalhadores entraram nesse mercado de trabalho. Como a oferta inflou, a precarização ficou ainda maior”, explica Paula Almeida, professora de Direito do Trabalho.
Paula é uma das responsáveis pela pesquisa “Condições de trabalho em empresas de plataforma digital: os entregadores por aplicativo durante a Covid-19”, feita pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (uma parceria entre a Unicamp e outras universidades), com 252 entregadores de 26 cidades, entre 13 e 20 de abril.
Os resultados mostram que 57,7% dos entrevistados não receberam nenhum apoio das empresas para diminuir os riscos de contaminação no trabalho. E 83,2% relatam que têm medo de se contaminar durante a execução do serviço, o que “evidencia o forte grau de tensão e de ansiedade que gira em torno do trabalho”, segundo os pesquisadores.
Diante desse cenário, os grupos que integram o movimento #BrequeDosAPPs pedem aumento do pagamento das corridas por quilômetro rodado, seguro de vida, seguro contra roubo e acidente, distribuição de EPIs (equipamento de proteção individual) e o fim dos bloqueios e desligamentos indevidos.
“Essas empresas se instalaram no Brasil e vêm trazendo o caos e a precarização do nosso setor porque elas não cumprem nenhuma lei existente, nem o que já está na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Nem as municipais (como a 14.491 no caso de São Paulo), nem a nacional (lei 12.009), que regulamentam o exercício da nossa profissão”, diz Gerson Silva Cunha, presidente interino do Sindimoto SP (Motoboys e Entregadores).
A manifestação em São Paulo, um dos principais focos da paralisação, seguirá até o Ministério Público do Trabalho (MTP), no bairro do Paraíso. Os organizadores vão encerrar o ato com a entrega de Carta Aberta ao MTP, que pede a celeridade de ações que reconhecem o vínculo empregatício entre motoboys e aplicativos de entregas.
Drama dos entregadores
Apesar de a situação precária se intensificar na crise, Paula Almeida reforça que o Brasil segue negligenciando o papel da sua força de trabalho. Segundo ela, a invisibilidade institucional, sobretudo na área de serviços, e o recuo das vagas formais contribui para esse cenário em que mais pessoas entram no mercado informal sem que haja uma estrutura de proteção social e do trabalho para esse grupo.
Durante a pandemia, 56,7% dos entregadores disseram trabalhar mais de nove horas diárias – dentre eles, 19,3% trabalham entre 11 e 12 horas por dia; 11,48% entre 13 e 14 horas; e 7,4% quinze horas ou mais. E 78,1% dos entrevistados trabalham seis ou sete dias na semana. Mesmo com o aumento da demanda e das horas trabalhadas, 59% registraram queda da remuneração em relação ao período anterior à pandemia.
Antes das medidas restritivas, 47% dos entregadores recebiam até R$ 520 por semana, mas com a pandemia o percentual saltou para 72%. Isso aconteceu, segundo o grupo, por conta da redução do valor da hora de trabalho e bonificação durante a pandemia.
Um dos fatores que explicam esse cenário, para Paula, é o modelo de negócio aplicado por essas empresas, que utiliza inteligência artificial para criar algoritmos que ditam o ritmo de trabalho, ao mesmo tempo em que utilizam desses artifícios para se eximir da responsabilidade social e do vínculo empregatício.
“São pessoas que rodam mais de nove horas diárias, sete dias da semana, sem folga semanal e ainda assim há grandes indícios de queda na remuneração. Essa empresas usam tecnologias para realizar ponderações que indicam o cenário de menor custo para realização da entrega. E, sem alternativas, os entregadores continuam rodando para ganhar um valor suficiente para manter seu custo de vida”, explica a pesquisadora.
Contas a pagar
Júnior Henrique é entregador e conta que os pagamentos durante a pandemia estão ainda mais baixos. “Hoje, na média, recebemos R$ 1 por quilômetro rodado. Precisa trabalhar muito. Antes, esse valor era de R$ 3 mais ou menos. Mas com a pandemia as coisas ficaram ainda piores. É praticamente trabalho escravo”, diz.
Ele ganha cerca de R$ 2.400 bruto por mês, trabalhando, em média, dez horas por dia, de segunda a domingo. “Desse valor ainda tiro gastos com a moto, gasolina, almoço…Não sobra muito”.
Apesar da insatisfação, Henrique disse que não vai participar da paralisação porque uma mensagem em nome do iFood informou que, especialmente nesta quarta-feira, entre 10h e 21h todas as corridas terão um valor extra de R$ 30.
“Eu preciso do dinheiro, não posso parar e é uma oportunidade de ganhar um pouco mais. Os aplicativos vêm cortando benefícios há algum tempo. Não tem mais plano de saúde, seguro, parceria para alugar bicicletas mais baratas”, explica. Ele trabalha com iFood, Rappi e Uber Eats.
Fonte : infomoney.com.br