O mercado de delivery brasileiro está povoado de concorrentes capitalizados que, cada vez mais, disputam as mesmas verticais (e clientes)
São Paulo – Nas grandes metrópoles, há a sensação de que surge um motoboy de aspecto diferente a cada virada de esquina. Eles ostentam nas caixas de entrega ou nas roupas as cores vermelho, verde, laranja, amarelo e azul. Cada uma delas é uma startup de pedidos e/ou entregas diferente: iFood, Uber Eats, Rappi, Glovo e Loggi.
A dominação recente não é coincidência, mas sim o resultado de uma série de injeções de capital. Três desses players – a espanhola Glovo, a colombiana Rappi e a brasileira Loggi – protagonizaram megarounds nos últimos meses, ou captações de investimentos de mais de 100 milhões de dólares.
O objetivo é aproveitar o quente mercado de entregas curtas. Apenas o conhecido delivery de alimentos faturou mais de 10 bilhões de reais no ano passado. No mesmo período, o comércio eletrônico faturou 59,9 bilhões de reais e enviou 203 milhões de pacotes.
Conquista pelo estômago
O iFood, empresa da Movile criada há sete anos, nadava sozinho no oceano azul de delivery de restaurantes. Em 2016, presenciou o surgimento de players como Uber Eats e a entrada da empresa de entregas Loggi nos alimentos. Mas foi a chegada da colombiana Rappi no ano passado, com uma tática agressiva inspirada nas gigantes chinesas, que sacudiu as entregas de comida por aqui. Diante da repercussão do serviço, com motoboys com caixas e roupas laranjas para todos os lados da cidade de São Paulo, nos últimos seis meses parecia que todos os outros players estavam patinando.
O sentimento só aumentou com a alçada da Rappi ao status de unicórnio – startup avaliada em um bilhão de dólares ou mais – no mês passado, com um investimento de 826 milhões de reais. A Rappi possui hoje 3,6 milhões de usuários (800 mil no Brasil), “milhares” de estabelecimentos e dois mil funcionários. No próximo mês, o negócio espera chegar a 11 mil pedidos por hora. Também projeta chegar a 80 milhões de usuários nos próximos três anos.
A ascensão da Rappi fez até o líder do delivery de comidas mexer-se. EXAMEapurou que o iFood, cujo faturamento anual é estimado em 370 milhões de reais, vai investir 100 milhões de reais para turbinar a operação. Uma das linhas de investimento será a compra de 20.000 uniformes e mochilas vermelhos para motoqueiros, algo que a Rappi fez bem com o laranja. O dinheiro, que viria do próprio caixa da companhia, servirá também para expandir a equipe e melhorar a logística para reduzir o tempo de entrega.
O iFood possui mais de 8,7 milhões de pedidos mensais e mais de 6 milhões de usuários ativos, com presença no Brasil, na Colômbia e no México. E, segundo a empresa, registra um crescimento de três dígitos por ano desde sua criação.
Depois, a entrega de tudo
Apesar de ter o delivery de restaurantes como maior vertical, a Rappi quer ser um aplicativo para “entregar de tudo”. Dá para pedir frutas e verduras, produtos de limpeza, remédios e até dinheiro. Mas a statup colombiana não está sozinha nessa tentativa.
A espanhola Glovo atua em 17 países e anunciou em agosto deste ano um aporte de 115 milhões de euros (ou 500 milhões de reais), dos quais “dezenas de milhares” serão colocados no mercado brasileiro, onde a startup atua desde fevereiro. A Glovo tem uma atuação similar à do Rappi, com um aplicativo para comida, supermercado, farmácia, lojas de conveniência, floriculturas, pet shops, lojas de presentes e lojas de eletroeletrônicos. A startup espanhola está em 17 cidades brasileiras hoje e pretende dobrar o número até o fim de 2019. A Glovo não divulga número de entregas e usuários.
Outra concorrente de peso é a Loggi. A startup levantou nesta semana um aporte de mais de 400 milhões de reais, liderado pelo fundo Vision, do SoftBank (Japão), e acompanhado pelo KaszeK Ventures (Brasil). A aposta em aplicativos de entrega não é novidade para o fundo do bilionário Masayoshi Son. No início deste ano, o Vision Fund liderou um investimento de US$ 535 milhões na DoorDash, um aplicativo de entrega de alimentos com sede em São Francisco. Também comprou 15% da gigante Uber, dona do spin-off Uber Eats.
Segundo Fabien Mendez, cofundador e CEO da Loggi, o aporte reflete o interesse do SoftBank em mobilidade urbana, comércio e logística, além de demonstrar um melhor humor dos investidores do que o visto em 2015, quando a startup captou um aporte bem menor, de cerca de 50 milhões de reais.
“Eles acreditam que o pior da crise já passou e que movimentos interessantes do Brasil, como uma população jovem, conectada e com acesso à crédito, não dependem de decisões do Congresso. Além disso, a Loggi cresceu nos últimos anos e atingimos nosso ponto de equilíbrio no final do ano passado, e crescimento com disciplina é um atrativo.”
O novo investimento será usado para quadruplicar a equipe de tecnologia e entrar de cabeça na tendência do “novo varejo” – a tendência de unir o online com o offline, mais vista em gigantes chinesas como o Alibaba e experimentada por brasileiras como Magazine Luiza. Hoje, a Loggi faz 3 milhões de entregas em 30 cidades, com 10 mil motofretistas e motoristas de vans. A expectativa é atingir 5 milhões de entregas por mês nos próximos três anos.
Para Mendez, os principais concorrentes da Loggi são as transportadoras tradicionais. Players como Rappi e Mercado Livre são vistos como complementares: enquanto eles são especializados em fazer os consumidores pedirem, a Loggi atua na logística. Há entregadores da Loggi que, inclusive, fazem entregas para a Rappi.
Mas tais fronteiras cada vez mais se diluem, na visão do investidor Paulo Humberg. “Estaríamos nos vinte minutos do primeiro tempo, se isso fosse um jogo de futebol. Não sabemos ainda o que vai acontecer, mas, no fundo, daqui a pouco todo mundo concorre. Haverá um amadurecimento desse mercado e começaremos a olhar quem sobrevive após as grandes captações”, afirma o investidor do fundo A5 Capital Partners.
Humberg vê com bons olhos a captação da Loggi, que poderá fazer mais frente à expansão da Rappi. Ele ressalta que aquisições entre gigantes e startups podem ocorrer, já que o mercado de delivery é alvo de negócios de diversos setores – mobilidade urbana, tecnologia e varejo físico e online, por exemplo. No final do ano passado, a rede americana Target comprou a startup de delivery Shipt. Mais recentemente, no mês passado, o Walmart adquiriu a startup mexicana de entregas para supermercados Cornershop.
No Brasil, porém, o mercado ainda está “tranquilo demais” para esse movimento. As gigantes fazem tanto parcerias com pequenas quanto desenvolvimentos próprios. O Mercado Livre fechou uma parceria com a startup EuEntrego e já faz algumas entregas de seus vendedores. A gigante Amazon ensaia uma operação 100% própria e ensaia um piloto com a startup de logística por caminhões CargoX. “Não acho que vivemos em um mundo binário. Vejo espaço para transportadoras independentes como forma de complementar as entregas. A chinesa JD.com possui tanto logística própria quanto parceiros”, afirma Mendez, da Loggi.
A guerra nas entregas incorpora cada vez mais combatentes e recursos – e não tem data para terminar.
Fonte: exame.abril.com.br