Mais vendedores recorrem à Justiça contra marketplaces

Processos discutem eventuais abusos das plataformas no bloqueio de contas e retenção de valores das vendas dos lojistas.

Foco principal de atuação das varejistas on-line no país, o marketplace tem sido alvo de processos judiciais de lojistas no Brasil.

Levantamento do Valor nas páginas dos tribunais na capital e interior de São Paulo, principal praça de consumo no país, mostra que houve um aumento de 69 para 105 no número de ações de vendedores contra grandes plataformas entre janeiro e outubro frente ao acumulado de 2022.

Esse crescimento de 52% se refere, especificamente, a processos em que se discute eventuais abusos das empresas no bloqueio de contas e retenção de valores das vendas dos lojistas. Nos autos, para justificar a suspensão ou o cancelamento, os marketplaces alegam violação à propriedade intelectual, por conta da venda de itens falsificados, clonagem de contas ou atividades suspeitas.

A expansão maior está no número de ações cujos os réus são Mercado Livre e Amazon. No Mercado Livre e na sua controlada Ebazar, somados, são 59 ações até outubro, com foco em bloqueio de conta e retenção do dinheiro dos lojistas, versus 30 casos em todo o ano passado, ou seja, volume quase duas vezes maior.

Na Amazon, existem 43 ações em andamento, versus 37 em 2022. Americanas e Magazine Luiza tiveram números menos relevantes e estáveis ou em queda.

Proporcionalmente, porém, a Amazon tem números mais expressivos. Na base do Mercado Livre, existiriam cerca de 6 milhões de vendedores no Brasil (pessoas físicas e jurídicas), segundo cálculos de consultores, e na Amazon são apenas 50 mil lojistas.

A postura mais rígida das plataformas, especialmente após 2020, quando aumentou a pressão do varejo local e do governo contra o “camelódromo digital”, tem peso nessa judicialização. Na visão de lojistas, também há efeito de algoritmos pouco precisos para a identificação dos vendedores que burlam as regras, o que acaba ampliando a base de lojistas afetados.

“O algoritmo até andou melhorando, mas ainda não está redondo e peca pelo excesso. Na Amazon, se há sinal de dúvida sobre origem de um produto, eles bloqueiam e você fica com a conta suspensa 90 dias, sem muito espaço para diálogo. Como o contrato de marketplace é um contrato privado entre parceiros, não regulado pelo Código de Defesa do Consumidor, não há muito o que fazer, a não ser questionar na Justiça”, diz um ex-diretor de uma plataforma.

“Lojistas maiores conseguem acionar as plataformas mais rapidamente”

— Gabriel Lima

Advogados têm identificado, nos últimos meses, uma demanda maior de lojistas que avaliam acionar a Justiça, e há uma análise geral de que o recuo de anos consecutivos nas vendas on-line no Brasil, em 2022 e 2023 – algo inédito na história do segmento – ajudam a explicar essa ida aos tribunais.

No segundo trimestre, o setor encolheu 15% e no primeiro, quase 14% – em 2022, o recuo foi de 3%, segundo dados da Neotrust.

“Vendedores de menor porte não podem ficar com a conta bloqueada muito tempo num momento com venda mais difícil. Lojistas maiores são tratados como ‘key accounts’ [contas-chave], e conseguem acionar as plataformas mais rapidamente quando há algum problema”, diz Gabriel Lima, CEO da Enext, consultoria voltada para marketplaces.

Nas 105 ações analisadas pelo Valor, a maioria pede antecipação de tutela, para liberação das contas antes do julgamento do mérito. A maior parte é concedida. O entendimento é que o bloqueio tem efeito econômico nocivo aos lojistas.

“A procura dos ‘sellers’ aumentou muito neste ano. Hoje mesmo tivemos a entrada de outra ação para ajuizar em Presidente Prudente”, diz Renato Banheti, advogado da Pacianotto, Chelli & Lotfi, que representa a loja de telefonia e informática D. Hanemann, em ação contra o Mercado Livre.

Segundo ele, a principal queixa é que as empresas não dão prazo para ter acesso aos recursos após o bloqueio nem à manifestação dos vendedores por meio do sistema da plataforma. “E o motivo nunca tem uma resposta efetiva. Alegam um alto cancelamento de vendas, suspeita de conta clonada, ou algum outro problema, sem retorno após as explicações dos lojistas.”

Esse movimento neste ano chama a atenção porque não é comum vendedores de pequeno porte entrarem na Justiça contra as grandes plataformas, pelo alto custo envolvido no serviço de advogados (em valores de ação relativamente baixos) e pelo desgaste gerado com o parceiro.

De acordo com Caio Giacaglia, sócio na Giacaglia Advogados, as suspensões acontecem por uma má avaliação do sistema das empresas. “Há, por exemplo, problemas em cadastros de produtos, que comumente são interpretados como violação à propriedade”.

Plataformas afirmam que seus controles avançaram e que termos dos contratos são claros.

O advogado afirma que, até 2021, o Mercado Livre estava no topo da lista de busca por auxílio jurídico e que, em 2022, a Shopee assumiu a liderança. Neste ano, a Amazon está entre aquelas com maior números de ações no escritório.

Numa das ações deste ano, no valor de R$ 320 mil, na 19ª Vara Civil de São Paulo, a Head Informática, representada por Giacaglia, alega que foi bloqueada pela Amazon sem aviso prévio e sem retorno após sua manifestação. E diz que os recursos da conta ficaram inacessíveis. A Amazon afirma que houve violação ao contrato ao qual o varejista aderiu.

Fontes próximas às plataformas afirmam que o aumento de ações reflete o avanço nos controles e melhorias nos programas de proteção à propriedade das marcas. E que os contratos apresentam termos claros, que os lojistas podem ou não aderir, como parceiros.

Apesar do maior número de ações, fontes próximas às empresas afirmam que são números pequenos de processos versus o volume de lojistas na plataformas de Mercado Livre e de Amazon,

Como as plataformas não são as donas das marcas vendidas, mas atuam como espécies de intermediárias na venda, elas não podem abrir processos criminais em caso de comprovação de fraude ou falsificações.

O caminho é o cancelamento das contas.

Procurado, o Mercado Livre afirma que mantém uma relação transparente e próxima com seus vendedores para a tratativa de demandas de qualquer usuário, privilegiando a resolução rápida e consensual de conflitos e sem que haja a necessidade de recorrer às esferas judiciais. Diz que a sua estrutura interna permite a resolução de 99,99% dos casos. E que dá prazo de quatro dias para que o vendedor se posicione, com abertura das razões para o bloqueio. Afirma que bloqueia quando a irregularidade é comprovada.

A Amazon diz que seus vendedores são “extremamente importantes” e trabalha para protegê-los e ajudá-los a expandir seus negócios. Afirma ainda que suas políticas estão alinhadas ao compromisso de oferecer uma compra segura e de qualidade, e que não comenta ações em andamento.

O Magalu afirma, em nota, que a comercialização de produtos em situação irregular é questão “inegociável” e tem atuação preventiva, com mecanismos de controle. E por serem pequenos lojistas, busca orientá-los. E se há inconsistências ou não há esclarecimentos devidos, pode haver de advertência a descredenciamento. Em 2023, há três ações de lojistas contra o Magalu sobre o tema dos bloqueios, segundo o levantamento.

A Americanas diz que tem um time dedicado para análise de lojistas e no combate à desconformidade e conta com canal dedicado à proteção à propriedade, o que auxilia na conciliação e minimiza ações na Justiça. Em 2023, não houve ação de lojistas com a rede.

‘https://valor.globo.com/empresas/noticia/2023/10/06/mais-vendedores-recorrem-a-justica-contra-marketplaces.ghtml

 

 

 

 

 

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