Como o Mercado Livre quer se manter líder do e-commerce nacional

Mercado Livre vai investir R$ 10 bi com um simples objetivo: fidelizar consumidores e vendedores.

Maior companhia de e-commerce do Brasil vê demanda crescer em 2020 por conta da pandemia, mas entende que há espaço para mais.

Assim como muitos de nós, Stelleo Tolda, presidente de commerce do Mercado Livre para a América Latina, viu sua rotina mudar radicalmente durante a pandemia.

Ele também foi obrigado a trabalhar de casa, depois que as autoridades sanitárias recomendaram que as pessoas evitassem de sair, a não ser para questões essenciais. E para ter uma estrutura mínima, também teve que turbinar seu home-office, comprando teclado, mouse e uma segunda tela.

Mas diferente da maioria, ele teve que comandar, de sua residência, uma companhia presente em 18 países da América Latina e que foi intensamente testada no ano passado, experimentando uma aceleração significativa da demanda por seus serviços.

Como sabemos, a pandemia transformou profundamente a economia no ano passado, em especial o segmento em que Tolda atua. Enquanto a maioria dos setores da economia sofreu, o e-commerce floresceu no período, uma vez que as pessoas não podiam mais recorrer ao varejo físico para adquirir qualquer coisa, de comida e álcool em gel, até brinquedos e materiais de escritório.

As compras pela internet aceleraram significativamente no ano passado. Até então, o brasileiro era pouco habituado ao varejo eletrônico – o e-commerce tinha uma penetração relativamente baixa no varejo nacional, respondendo por cerca de 6% do total de vendas. O número também era baixo nos outros países da América Latina.

A impossibilidade de ir ao mercado ou shopping center, porém, fez as pessoas migrarem à internet. E para atender o aumento e o surgimento de novas demandas, Tolda viu a necessidade de acelerar planos e investimentos do Mercado Livre no Brasil para dar conta do recado.

“A gente cumpriu o plano de investimento do ano, de R$ 4 bilhões, no Brasil, mas o que a gente fez foi antecipar alguns lançamentos, como a categoria de supermercados, e também a nossa maré logística, que envolve, além de centros de distribuição, postos avançados, que ficam mais perto dos consumidores”, disse ele em entrevista exclusiva ao Seu Dinheiro.

Poderia ter dado errado. Não faltam histórias de empresas que enfrentaram dificuldades quando tiveram que antecipar o cronograma de investimentos. Mas para o Mercado Livre deu certo.

A companhia conseguiu consolidar sua posição de maior nome do e-commerce do Brasil, com a operação tupiniquim ganhando destaque nos resultados consolidados – ela respondeu por 54% da receita líquida total no quarto trimestre, somando US$ 720,5 milhões, um crescimento de 68% em dólar e 120% em real, na comparação com o mesmo período de 2019.

O bom momento também pode ser sentido nos recibos de ações negociados na B3 (MELI34), que valorizaram mais de 215% no ano passado – as ações da empresa são listadas na Nasdaq desde 2007 e em 2020 elas avançaram 179,5%.

A adoção do e-commerce pode ter sido acelerada pela pandemia, mas as pessoas já estavam experimentando fazer compras pela internet, por aplicativos, nos últimos anos. É um caminho sem volta. A primeira fase, a de aceitação, já passou. Agora vem um novo momento, que pode ser chamado de seleção natural do setor, em que será definido quem vai triunfar, quem vai fracassar e quem vai virar referência do varejo eletrônico no Brasil.

Tolda está atento a isso e sabe o que precisa fazer para vencer essa batalha. E a estratégia passa por uma única palavra: fidelização.

Pandemia aceleradora

Lançado em 1999, na Argentina, e presente no Brasil há 21 anos, o Mercado Livre acompanhou o surgimento do e-commerce nacional, primeiro no formato de negociações em leilões on-line, evoluindo posteriormente para um site em que as pessoas poderiam vender produtos novos ou usados, com forte inspiração na americana eBay.

De lá para cá, foi expandindo suas operações e ganhando tamanho, mas sempre tendo que lidar com a baixa penetração da modalidade, provocada por uma série de motivos – baixos índices de acesso à internet, bancarização e questões com a logística.

“A gente via uma penetração relativamente baixa do e-commerce no varejo brasileiro, da ordem de 6% antes da pandemia. Depois de tanto tempo, ter só 6%, na nossa opinião, era um indicativo de que apenas uma parcela da população realmente tinha acessado o e-commerce”

A pandemia, embora indesejada, acabou sendo um catalisador para o segmento avançar. Primeiramente servindo de canal para compra de bens essenciais para lidar com os efeitos do novo coronavírus, como máscaras e álcool em gel.

Diante das restrições à circulação, e com muita gente com medo de sair, o e-commerce viu um crescimento muito forte de um segmento que o próprio Mercado Livre tinha pouca atuação, a venda de alimentos. “O Mercado Livre acelerou os planos (em alimentação). A gente tinha planos de lançar essa categoria no Brasil, já havíamos lançado antes da pandemia no México, mas a pandemia nos fez acelerar os planos”, disse Tolda.

Vendo que comprar pela internet não era tão complicado assim – pelo contrário, até mais cômodo – e percebendo que a pandemia não iria passar tão cedo, as pessoas passaram a buscar outros produtos. Com a casa virando sala de aula, escritório e lugar de entretenimento, aumentou a demanda por produtos destas categorias. E tivemos ainda as famigeradas obras, com todo mundo encontrando algo para reparar, reformar ou decorar.

O resultado de tudo isso, segundo presidente de commerce do Mercado Livre, foi um desempenho muito acima do que era esperado para 2020, uma alta de 60% do volume de vendas total, considerando as vendas próprias e de terceiros. “A gente tinha uma ideia de que, sim, iríamos crescer, mas talvez mais perto de 30% a 40%, então a gente teve um ganho, uma aceleração do crescimento, por conta dessa demanda maior”, disse.

Para Tolda, o que ocorreu em 2020 foi uma mudança de paradigma, mesmo que infelizmente impulsionada pela pandemia. Ele acredita que daqui para frente o e-commerce brasileiro deve ultrapassar a barreira dos 6%, respondendo por mais 10% de tudo que é vendido no varejo e com espaço para crescer ainda mais esse número.

“A gente ainda percebe que uma parcela da população não comprou on-line ainda, e entendo que é uma questão de tempo. E mais do que a gente fazer publicidade para atrair novos consumidores, coisa que a gente faz, o boca-a-boca, a experiência positiva dos que compraram, é o que tem atraído novos entrantes”, disse.

E é justamente este movimento orgânico que o Mercado Livre quer fortalecer, ao entender que para vencer num mercado cada dia mais concorrido é preciso oferecer o melhor serviço, a melhor experiência. Não apenas para o consumidor, mas para os vendedores também.

Fidelização, palavra de ordem

Tolda explicou que existe no segmento de e-commerce uma questão chamada efeito de rede. Trata-se de um ciclo virtuoso. Basicamente, ele pressupõe que o site que tem mais vendedores e mais produtos consequentemente atrai mais compradores. E o marketplace que tem mais produtos, tem mais liquidez, mais consumidores e acaba atraindo mais vendedores.

Manter esse efeito funcionando é o que faz um e-commerce crescer, fidelizando consumidores e vendedores à plataforma. “É ele que faz os marketplaces em países mais desenvolvidos, como na China, nos EUA, terem um líder claro”, disse.

Para garantir que essa roda continue girando, é preciso investir constantemente na melhoria dos serviços. Recentemente, o Mercado Livre anunciou que vai aportar R$ 10 bilhões apenas no Brasil em 2021, dobrando o número de funcionários dos atuais 5 mil para mais de 10 mil.

A maior parte dos recursos (Tolda não precisou quanto) irá para itens de logística, um velho gargalo nacional e que representa um ponto sensível para consumidores e vendedores. Os planos incluem dobrar o número de centros de distribuição, para oito, e ampliar a quantidade de postos avançados, para onde a companhia leva o produto para fazer a chamada “última milha”, o trecho final da entrega das mercadorias ao cliente, etapa crucial e sensível do processo de logística.

“Temos investido na questão do transporte, em parceria com muitas transportadoras, mas a gente também tem investido em veículos próprios, inclusive elétricos, aviões, como a gente anunciou no ano passado, tudo com o objetivo de melhorar nosso nível de serviços na entrega”

Dentro dos investimentos em logística, o Mercado Livre também deve se concentrar no serviço de armazenagem de produtos de seus vendedores, ficando responsável por todo o processo de manuseio, preparação das encomendas e a entrega, uma estratégia a mais de fidelização.

Mas os recursos não vão ficar concentrados apenas na parte de logística, segundo Tolda. A ideia é também expandir o segmento de supermercados, que teve boa receptividade no ano passado, e aumentar a quantidade de produtos próprios, não concorrendo com os vendedores do marketplace, mas complementando a oferta, garantindo que o consumidor encontre tudo aquilo que procura no Mercado Livre.

“A gente quer suprir melhor os nossos consumidores e entende que, em alguns casos, falta oferta de determinado modelo, de determinado produto, porque os nossos vendedores não têm acesso a isso. Em outros casos é uma questão de profundidade de oferta. Nossos vendedores podem até ter acesso a determinada marca, modelo, mas não em quantidade suficiente que a gente tem, principalmente em datas comemorativas, momentos de maior consumo”, afirmou.

E uma terceira parte dos R$ 10 bilhões vai para fortalecer um segmento que pouco foi comentado aqui, o financeiro. O Mercado Pago também é outra maneira de trazer mais gente para a plataforma, seja clientes, ao oferecer carteira digital com rendimento superior ao da poupança, seja para vendedores, com linhas de crédito e meios de pagamento.

De tão complementar que ele é para o segmento de varejo, as chances de uma cisão do Mercado Pago são praticamente zero, segundo Tolda. “Entendemos que mercado pago é um dos pilares do nosso negócio de e-commerce, com um colaborando muito com o outro”, afirmou.

Fonte : seudinheiro.com

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