Venda de TV já sobe 59%, mas desempenho desigual em categorias e redes puxa para baixo expansão geral.
A Black Friday de 2022 entra na sua semana decisiva com ritmo de crescimento um pouco acima do ano passado, porém com resultados desiguais entre produtos e entre os próprios grupos de varejo – grandes plataformas on-line que já vinham se descolando da média crescem mais. Ações comerciais mais agressivas, previstas para os próximos dias, foram antecipadas para acelerar mais a demanda.
Será a primeira vez na história do setor com Black Friday, Copa e Natal num espaço de menos de 40 dias, tornando o cenário mais intenso em campanhas e lançamentos daqui para frente. A Via (dona de Casas Bahia e Ponto) já se movimentou nessa direção. “Antecipamos algumas ações da semana da Black para o fim da semana [passado] para fazer a venda e a entrega da TV, por exemplo, até o jogo do Brasil. E também porque vimos que há um ritmo de venda mais forte nos últimos dias, e queremos aproveitar essa curva de crescimento”, diz Abel Ornelas, vice-presidente comercial da Via.
Para Roberto Wajnsztok, CEO da Origin Consultoria e ex-Walmart.com, fatores como o ambiente de deterioração macro e de incerteza política vêm afetando o nível de confiança do consumidor neste fim de ano. “Era esperado que esse clima ainda tenso no país se reduzisse após as eleições, mas isso não diminuiu tanto. Minha orientação a meus clientes é venderem o que puder agora, pelos riscos desse cenário incerto, e porque ainda há o impacto do desempenho do país na Copa”, diz.
Taxa de juros em alta fez varejistas adotarem mais cautela na hora de formar estoques para esta edição do evento
“Mas não acontecerão loucuras nas lojas, mesmo que a venda seja tímida, na faixa de um dígito de alta. É bom o consumidor não esperar grandes vantagens porque os estoque caíram muito nos últimos meses, após a alta no custo do capital neste ano”, acrescenta.
No mercado, as projeções para a Black Friday, em sua maioria, variam de aumento de 3% a 9% nas vendas, em valor (sem descontar a inflação), considerando as análises de empresas e entidades ouvidas, entre elas, Confederação Nacional do Comércio e Turismo (estimativa de 7,6%), empresa de pesquisas GfK Brasil (entre 8% e 9%) e a ABComm (3,5%), associação do comércio on-line. Na edição de 2021 do evento, a expansão foi de 8%, segundo dados do IBGE.
A data promocional ocorre sempre na última sexta-feira de novembro – este ano cai no dia 25 -, mas o varejo costuma oferecer descontos e fazer campanhas de marketing durante todo mês. Este ano, segundo a GfK, as vendas totais de bens duráveis subiram 7% em valor (4,5% em volume) na semana de 7 a 13 de novembro versus a mesma semana de 2021. O ritmo supera o de um ano atrás, quando as vendas subiam um dígito baixo, na faixa de 3%, segundo pesquisas da época.
O avanço nas vendas foi mais expressivo de 7 a 13 de novembro este no para TVs, com alta de 59%; fritadeiras sem óleo, com aumento de 46%; e máquinas de café (24%). Sons portáteis (que podem ser conectados às TVs) crescem 40%. Smartphones têm recuo de 10%, um provável reflexo da busca maior pelas TVs, impulsionada pela Copa, mas há expectativa de melhora nas vendas entre a terceira e quarta semanas de novembro.
“Tudo indica que será uma Black Friday mais forte que a de 2021, quando a data ficou abaixo do previsto, então trata-se de uma base fraca. É a Black dos televisores, alvo central das ofertas, algumas delas bem agressivas, e dos portáteis para casa”, diz Felipe Mendes, diretor geral da GfK Brasil, que recebe dados de forma contínua das redes.
Na visão de Paulina Dias, da área de inteligência da Neotrust, é esperada alta nominal abaixo da inflação acumulada (em torno de 6%, pelo IPCA). “É algo positivo se lembrarmos que há queda [3,6% até setembro] no faturamento no comércio on-line no país ”, diz ela.
Mendes ressalta porém, que há sinais claros de aumento dos “gaps”, com diferenças de performance entre as empresas. “Um dos maiores marketplaces do país têm ido muito bem, está muito acima dos restantes, explodindo em vendas, e uma cadeia mais tradicional aparece em seguida, com números menos expressivos, mas positivos. Uma terceira cadeia tem os números piores”.
A GFK não divulga desempenho por marca, e entre as operações que acompanha estão Mercado Livre, Americanas, Magazine Luiza e Casas Bahia.
O Valor apurou que uma marca líder de eletrônicos e celulares ajudou a financiar o varejo na Black deste ano, ampliando mais prazo de pagamento das lojas, mas grandes varejistas não têm sido tão agressivas nas ações ao consumidor, gerando uma saia-justa com a marca. “Isso não pegou muito bem, então a expectativa é que nesta semana o barulho na mídia e a dose de ofertas suba um pouco”, diz uma fonte a par do assunto.
Em termos de descontos, tema polêmico na Black Friday, até o começo de novembro não havia um avanço expressivo sobre 2021. A depender da estratégia das redes, isso pode ser ajustado nos próximos dias.
Segundo dados da GfK, as reduções de preços acima de 10% responderam, no começo de novembro, por 26,3% do volume vendido de eletrônicos, frente a 27,5% um ano atrás. Em TVs, representaram 18,6% do volume vendido no ano em 2021, e 24,1% neste ano. Mendes lembra que há um novo complicador hoje, relativo à quantidade de variáveis nas promoções.
“Há desconto com PIX, desconto com cartão da loja, sem cartão da loja, desconto com cashback, e em compra feita por conta digital, e assim por diante. Ficou tudo mais confuso na visão do consumidor, o que gera ruído e pode frustar o cliente, que muitas vezes não entende se fez boa compra ou não”, diz. Há anos, a visão de “Black Fraude” acabou colando na imagem da data, em parte pela percepção de ofertas sem ganhos reais.
Levantamento do Valor mostra variações pequenas, e até queda, nos estoque das redes de capital aberto de junho para setembro. No fim do terceiro trimestre, as cadeias já teriam que armazenar mais produtos, de olho nos eventos. “A gestão dos estoques hoje passa pelo aumento no custo do dinheiro, após a escalada da taxa Selic, que encarece o estoque parado. Em 2021, as cadeias erraram no estoque porque a venda veio fraca. E errar de novo, com Selic a 14%, pode sair caríssimo. Por isso há muita cautela nessa conta nessa Black”, diz a diretora da empresa Virtual Gate, Heloísa Cranchi.
No Magalu, o estoque (em valor) entre segundo e terceiro trimestres subiu 6,4%, na Via caiu 3,3% e na Americanas, teve queda de 8%. “Reduzimos estoque neste ano porque o risco de desabastecimento caiu. E reforçamos a compra após outubro, como normalmente ocorre. Tenho 80 dias de estoque em novembro. Está abaixo de um ano atrás porque antes estava mais alto que o normal. Não vai faltar produto”, diz Ornelas, da Via. “Estamos crescendo na Black acima dessa taxa inicial [7%] de novembro”, reportada pela GFK.
“O cliente quer comprar a TV acima de 60 polegadas que pode ser parcelada em até 30 vezes [nos cartões da rede]. Isso faz caber no bolso. Negociamos bem o estoque próprio, que é onde somos fortes, e vamos complementar com o marketplace de lojistas. E vamos ver mais ‘barulho’, mais campanhas, nesta semana que entra”.
Consultores têm destacado que o consumidor ainda não “acordou” para a Black e a Copa, por isso se espera mais ações a partir desta segunda-feira. Nas lojas, ainda há estimativa de tráfego maior. “Pelos levantamentos diários de circulação em lojas em novembro, coletados por equipamentos que medem fluxo, projetamos alta de 26% na circulação sobre 2021, mas ainda com queda em relação a 2019. Não normalizamos o fluxo ainda e calculamos que isso levará até cinco anos”, diz Cranchi, da Virtual Gate, referindo-se ao movimento verificado antes da pandemia.