O investimento nas soluções de e-commerce, aliado à queda “monótona e constante” dos proveitos do correio tradicional, vão garantir que o negócio de Expresso e Encomendas dos CTT irá representar mais de metade das receitas totais do CTT no cômputo deste ano, dos 40% registados no primeiro semestre, afirmou João Bento, CEO da empresa, no quinto episódio do podcast do ECO ‘À Prova de Futuro’, focado em empresas e tecnologia (com o apoio da Altice).
Na primeira metade de 2024, os rendimentos operacionais do grupo atingiram 524,3 milhões de euros, dos quais 210,4 milhões foram no negócio de Expresso & Encomendas, com um aumento de 48,9% em termos homólogos.
Questionado sobre notícias de que a União Europeia estará a ponderar aplicar um travão a plataformas chinesas como Temu e Shein, cujos produtos os CTT entregam praticamente em exclusivo em Portugal, João Bento reconhece que é um tema importante, mas adianta que vê a “via fiscal” como um tiro ao lado.
O CEO dos CTT salienta por diversas vezes a inovação da empresa com a rede de cacifos Locky e sublinha o investimento em tecnologia – mais de 37 milhões de euros por ano (nos cinco anos desde que chegou ao cargo), cerca do dobro do que pagou em dividendos aos acionistas.
Sabemos que o comércio eletrónico é uma parte importante da estratégia dos CTT e os CTT são uma parte importante do e-commerce em Portugal. Qual é a vossa função? Qual é a importância disto no vosso negócio?
A importância é total e nós queremos afirmar-nos. A nossa equity story [história de bolsa] desenvolve-se em torno do conceito de sermos uma plataforma logística para o comércio eletrónico. Em inglês, quando vamos para o mercado de capitais, dizemos que queremos ser um ‘e-commerce logistics player‘, porventura aquele que mais cresce hoje em dia na Ibéria e na Europa. O e-commerce representa já a maior parte do que fazemos no Expresso e Encomendas, e o Expresso e Encomendas representa já cerca de 40% dos nossos proveitos e é de longe a área área que mais cresce.
Queremos ser um parceiro importante em Portugal e em Espanha. Em Portugal, onde temos uma posição muito relevante, sentimos que somos nós que temos que ajudar o mercado a crescer e em Espanha, em que nos comportamos como um attacker, também estamos a crescer muito. Somos, como disse, de longe, o operador que mais cresceu o ano passado, mas queremos também ganhar escala e continuar a alargar a nossa presença. Porque em Espanha o que fazemos, no essencial, é entregas.
O que é que estamos a fazer em Portugal para ajudar o mercado a crescer? Quisemos posicionar-nos em toda a cadeia de comércio eletrónico. Para alguém que queira estar no comércio eletrónico, fazemos publicidade física ou digital, ajudamos a construir com tecnologia nossa a loja, temos obviamente a nossa área de pagamentos, fazemos tudo o que a logística de e-commerce, portanto armazenagem, preparação, fulfillment e fazemos a parte mais importante das entregas e também ainda as devoluções.
Isso é para empresas desde microempresas a grandes empresas?
Microempresas a grandes empresas. Fazemos isto de forma integrada ou modular. Podemos oferecer cada um destes serviços ou todos eles. E em Portugal cobrimos toda esta cadeia. Em Espanha começámos também a alargar agora a presença na cadeia de valor de forma mais cirúrgica. Temos uma operação já com muito significado de desalfandegamento, porque o comércio eletrónico que mais cresce hoje no mundo é aquele que tem origem na Ásia e em particular na China e, portanto, obviamente requer desalfandegamento para os produtos entregues em Portugal, em Espanha, aliás, na Europa em geral. Começamos por aí e temos também uma operação de devoluções já com muito significado. Temos a maior rede de pontos de presença na Península Ibérica de Pudos (pickup and drop off points, pontos de entrega e levantamento), portanto lojas, sítios onde se pode ir recolher encomendas. São 17.000 postos em Espanha e 3.500 em Portugal.
Temos a maior rede de parcel lockers, de cacifos, em Portugal, com a marca própria Locky, que fizemos de forma, para alguns surpreendente, em rede aberta. Serve não só as nossas entregas mas as entregas de todos os operadores, incluindo os nossos concorrentes. E estamos também, neste momento, já com as primeiras instalações em Espanha. Portanto, indo à sua pergunta de novo, é absolutamente decisivo. É a área que mais cresce, é a área que mais contributo teve para o processo de transformação dos CTT nestes últimos anos.
Falou de crescimento e de como o Expresso & Encomendas, do qual o e-commerce faz uma grande parte, já representa 40%. Isso é uma transformação nos CTT nos últimos anos, de simples operador postal para para ecommerce logistics player. Qual é o outlook? Quando é que poderemos para ver esses 40% passarem para mais de metade?
Vai passar certamente este ano, em 2024. O ritmo de crescimento é muito elevado. Esta dinâmica depende também do comportamento das outras áreas de negócio, sendo que a mais importante é, obviamente, o correio. E nós continuamos a assistir a uma queda de correio muito significativa. Ela é monótona e constante. É assim no mundo inteiro, à medida que, no caso português, o modelo de financiamento do serviço público de correio, que ainda é uma parte importante do que fazemos em correio, é apenas pelo preço. Portanto, para os portugueses, os nossos impostos não contribuem para o serviço público, ele é pago diretamente pelos utilizadores.
Temos agora um contrato de concessão com um mecanismo de preço que permite equilibrar automaticamente a queda de volumes e a inflação, o que significa que temos aumentos de preço maiores e esses aumentos de preços maiores servem para estabilizar a receita, mas servem também para dinamizar ainda mais a passagem para meios digitais e, portanto, acelera.
Dá alguma margem de manobra.
Dá uma margem de manobra, mas não resolve o problema principal, o problema principal é estrutural e o correio perdeu importância no funcionamento da sociedade e da economia. Portanto, vai depender muito da queda de correio, mas passar os 50% passará já certamente este ano.
“Todas as áreas de retalho e que se dirigem ao mercado de consumo, tudo que é B2C (business to consumer, das empresas para o consumidor) não vai sobreviver sem uma presença significativa no comércio eletrónico. E há setores em que isso é mais evidente. O setor do vestuário, o setor da eletrónica, por exemplo.” – João Bento.
Quais são as áreas de crescimento? Estamos a falar de vários aspetos, de vários segmentos na cadeia de e-commerce, desde alguém ir buscar o produto até entregarem em casa, o processo todo. Quais são as áreas em que veem as empresas a precisarem mais?
Eu acho que todas as áreas de retalho e que se dirigem ao mercado de consumo, tudo que é B2C (business to consumer, das empresas para o consumidor) não vai sobreviver sem uma presença significativa no comércio eletrónico. E há setores em que isso é mais evidente. O setor do vestuário, o setor da eletrónica. Só para dar um exemplo, hoje damos a um dos nossos grandes clientes, a Amazon Espanha, horas de corte muito tarde. É frequente acontecer, ainda há dias acontecia-me fazer uma encomenda às nove e meia da noite e recebê-la na manhã seguinte. Ora, com este tipo de conforto, com este tipo de agilidade, o apelo do comércio eletrónico é de facto muito grande. Há depois setores que estão também a começar a emergir. Ainda há pouco, antes de começarmos esta conversa, falávamos do setor da farmácia, mas tudo o que tem como destino final clientes B2C não vai resistir a ter uma presença muito forte no comércio eletrónico.
Mas, no entanto, há outros segmentos também a crescer no e-commerce, o B2B (business to business) e o C2C (consumer to consumer), com o mercado de pessoas a fazerem produtos eles próprios ou de consumo, mas para passarem diretamente através de algumas plataformas de revenda pessoal para os consumidores.
E é por isso que estamos absolutamente apostados em oferecer soluções também para C2C. Temos alguns casos já muitos de marcas bem conhecidas e ofertas bem conhecidas, de natureza global algumas delas, que são nossos clientes e para isso é muito importante o que estamos a fazer em termos de desenvolvimento de tecnologia, de inovação, justamente com a nossa rede de lockers. Há bocado referi um aspeto que pareceu surpreendente para alguns, que foi fazermos uma rede aberta, pareceu também muito surpreendente nós queremos ter tecnologia própria. Os nossos lockers são fabricados em Portugal. O hardware, o software, a eletrónica, as partes metálicas, é tudo feito em Portugal. Uma fábrica virtual, a fábrica não é nossa, é um conjunto de sítios onde funciona, porque nós sentimos que precisávamos de ter total agilidade para fazer o que quisermos com os nossos lockers.
E o C2C é um exemplo. Hoje temos uma oferta em que, em boa verdade, conseguiríamos ter uma oferta postal, de correio, de encomendas, do que fosse, apenas com lockers e sem lojas, na medida em que nos nossos lockers é possível deixar e levantar qualquer objeto que cabe. E portanto, essa é uma tendência muito grande. Não é necessariamente bom para o que se passa em termos desenvolvimento social, mas gosto de citar este exemplo. Um dos nossos grandes clientes internacionais fez um estudo no Reino Unido sobre as preferências das pessoas para receber encomendas fora de casa. E hoje em dia, nas camadas mais jovens, a preferência é de longe receberem em parcel lockers, mais do que em Pudos ou do que em lojas.
Não há filas.
Não há filas, mas o que eu ia dizer é que para os jovens, nesse estudo, o argumento mais importante para preferirem lockers era para evitar contacto social. Não é uma boa notícia para a sociedade em que estamos empenhados e envolvidos. Mas, em todo o caso, seja por que razões for, sobretudo de conveniência, é evidente que o mercado C2C vai também crescer muito por esta via.
Falou em gerações e isso é sempre interessante numa sociedade como a portuguesa, que tem uma demografia europeia e uma pirâmide relativamente específica. Como é que como é que os CTT participam em trazer as gerações mais velhas para o e-commerce? Há alguma relutância ainda ou estão a ver alguma transformação?
Estamos a ver alguma transformação na medida em que, quanto mais convenientes forem as soluções, maior adesão vai haver. Mas a demografia e o tempo vão resolver isso porque, em boa verdade, são, creio eu, no seio das famílias, justamente os mais jovens que acabam por pilotar, digitalizar e depois converter os ecossistemas e as suas próprias famílias. Portanto, é um processo que não para. E só para voltar ao tema dos lockers, é muito interessante, nós começamos este exercício há relativamente pouco tempo, o do Locky em Portugal, e cada vez que instalamos novos lockers — e instalamos vários lockers por semana — era natural que o uso médio por semana baixasse, porque temos mais, as encomendas não crescem ao mesmo ritmo. O que nós verificamos é que há um uso que é monótono e parece uma válvula.
Cada vez que alguém usa um locker para receber uma encomenda, nunca mais deixa de usar. Portanto, há toda uma alteração de hábitos que são muito assentes na conveniência. Por exemplo, estamos equipar as nossas lojas todas com um locker que esteja disponível 24 horas por dia, ou através da janela ou num espaço próprio. Porquê? Porque, no fundo, a loja pode continuar a funcionar para todos os serviços de logística, tanto de correio e de expresso, ao longo das 24 horas do dia, quer haja pessoas, quer não haja, independentemente do seu horário. Portanto, essa conveniência é imbatível e portanto até os mais velhos vão também aderir.
Falámos há pouco de tecnologia. Que tecnologias novas é que os CTT têm que usar nesta operação crescente? Estamos a falar de inteligência artificial (IA), machine learning, toda uma série de ferramentas das quais falamos quase todos os dias. Como é que estas ferramentas são utilizadas para melhorar o serviço e avançar o negócio?
A nossa inovação com base em tecnologia é muito significativa. Temos investido neste período em que estou nos CTT, há cinco anos, cerca de 37 milhões de euros por ano, cerca do dobro do que pagamos em dividendos, só para dar uma ideia do esforço. Grande parte deste esforço de investimento tem que ver com equipamentos e sistemas, obviamente não necessariamente tudo, mas o grosso em equipamentos e sistemas. Portanto, estamos muito empenhados em trazer tecnologia e trazer eficiência com base em tecnologia.
Nalgumas dessas situações, o que a tecnologia traz são também alguma inovação de formas novas ou de oferecer produtos ou de suportar operações. A IA é, obviamente, hoje em dia, incontornável. Só para dar uma ideia a quem nos ouve, nós entregamos cerca de 600.000 encomendas. Varia muito, no fim do peak season bastante mais, tem vindo a crescer muito. Crescemos em volume na Ibéria este ano 54%. Entregamos no primeiro semestre mais 54% de encomendas do que no primeiro semestre anterior. Para este crescimento ser exportado, ele é muito assente em tecnologia. No caso da IA, temos tido um conjunto muito interessante de iniciativas em parceria ou internamente. Temos uma agenda de inovação estruturada, que foi construída há muito tempo, que está permanentemente em gestão, em atualização. O que fazemos é identificar tendências e oportunidades futuras. Tínhamos identificado a IA como uma das tendências, quando iniciamos esse esforço há uns anos. Temos cerca de 85 iniciativas em curso no quadro desta agenda e que envolve projetos com startups, com universidades.
Têm também um fundo de startups.
Temos também um fundo, a que chamamos o fundo 1520 Innovation Fund, porque é o ano da fundação do correio em Portugal. Está dotado com oito milhões de euros. Já investimos quatro milhões, em oito startups. A ideia do fundo é investir em startups que possam estar a fazer coisas que estão na franja do que nós fazemos ou que possam estar no core do que nós fazemos ou queremos fazer. É o caso e tem muito que ver com inteligência artificial, com machine learning, com realidade aumentada, algumas coisas com pagamentos.
Voltando a um tema que falou há uns minutos, o e-commerce é um negócio internacional. Os CTT aproveitaram algumas parcerias com a Ásia como já mencionou, por exemplo, as retalhistas chineses, já conhecidas por quase todos os portugueses, a Temu, a Shein e a AliExpress. Recentemente, surgiram notícias de que a Comissão Europeia quer eliminar a isenção de taxas alfandegárias até 150 euros por encomenda para combater o crescimento de importações de artigos de baixo valor a partir destas plataformas. Isto ameaça o vosso crescimento? Segunda pergunta, qual é a importância mais geral da geopolítica neste negócio?
É enorme. O comércio eletrónico hoje em dia é sobretudo transfronteiriço. Portanto, em qualquer geografia do mundo, em qualquer grande plataforma, com a exceção da China, em que o comércio eletrónico é sobretudo interno, ele é internacional. Não é só na Europa que há essa tendência, nos Estados Unidos a ameaça para ser ainda maior. Para nós, o assunto é importante, damos muita atenção e achamos que envolve ameaças e oportunidades. Em primeiro lugar, não querendo parecer irresponsável, dou um exemplo, que gosto muito de dar que é o desta pulseira do meu relógio. Comprei esta pulseira num desses marketplaces chineses, custou-me talvez a vigésima parte do que custa se eu for comprar aqui uma loja onde se vendem pulseiras desta marca deste relógio. E a via fiscal vai ser absolutamente ineficaz para o comércio eletrónico deste género.
É um tiro ao lado?
É um tiro ao lado, na medida em que se esta pulseira, em vez de me ter custado dois euros, contra os cerca de 100 euros que custará numa loja aqui ao lado, seja qual for o imposto, ela vai continuar a ser ridiculamente mais barata. Há um tema de ineficiência, que é um drama para a Europa, que o Covid mostrou ser muito sério, que tem que ver com toda uma trajetória de desindustrialização e de aposta numa economia de serviços, contra a qual não tem nada, mas tornou-se realidade. A globalização trouxe-nos isto. Estamos obviamente numa agenda mais fraturante, em que a globalização vai desaparecer, mas é um processo que vai demorar muito tempo.
Portanto, do ponto de vista da eficiência, da elasticidade introduzida por meios fiscais, acho que não há grande risco, mas temos que estar atentos. Do ponto de vista das oportunidades, vai haver certamente uma maior oportunidade para intervir, por exemplo, em processos desalfandegamento, que é justamente uma das áreas em que nós somos pioneiros. Hoje desalfandegamos 100% do tráfego da Temu em Portugal, quase tudo da Shein, a maior parte também da AliExpress, em Espanha, também com grandes quotas, mas desalfandegamos isso num quadro usando tecnologia operacional em que integramos a operação de desalfandegamento com operação de sorting e de entrega. No fundo há aqui outras oportunidades que resultam daí e, portanto, estamos obviamente atentos. Também direi que o nosso maior cliente nesta fase para entrega de comércio eletrónico nos últimos cinco anos foi sempre diferente. Começou por ser a Amazon e depois outros.
Portanto é um mercado dinâmico?
É um mercado dinâmico e há outros mercados a surgir. Há, neste momento, operadores muito relevantes também a partir da Índia, há também operadores europeus que se estão a desenvolver e nós o que temos é continuar a ter as melhores ofertas para sermos capazes de, num mercado que é muito competitivo, um mercado de entregas com grandes operadoras globais, sermos capazes de continuar a crescer. Para isso também nos interessa acelerar o crescimento e estamos atentos para tentar crescer e acelerarmos o crescimento na Ibéria.
Fonte: “https://eco.sapo.pt/entrevista/negocio-de-encomendas-dos-ctt-vai-superar-correio-certamente-este-ano/”