Documento visa nortear ações para o desenvolvimento da tecnologia no país; especialistas ouvidos pela Consumidor Moderno avaliam o documento como um bom ponto de partida, mas criticam falta de profundidade.
No início de abril, o governo federal lançou uma norma que prevê a primeira política pública orientada ao uso da inteligência artificial no Brasil. Trata-se da Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA), instituída pela Portaria 4.617, do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações. O EBIA pode ser o ponto de partida para a regulação de algoritmos no País.
A EBIA possui 6 objetivos estratégicos:
- Contribuir para a elaboração de princípios éticos para o desenvolvimento e uso de IA responsáveis;
- Promover investimentos sustentados em pesquisa e desenvolvimento em IA;
- Remover barreiras à inovação em IA;
- Capacitar e formar profissionais para o ecossistema da IA;
- Estimular a inovação e o desenvolvimento da IA brasileira em ambiente internacional;
- Promover ambiente de cooperação entre os entes públicos e privados, a indústria e os centros de pesquisas para o desenvolvimento da Inteligência Artificial.
O estabelecimento desses pilares vai servir de parâmetros para a criação de leis que envolvam inteligência artificial. Um dos assuntos é a possibilidade de regulação de algoritmos, evitando assim que façam escolhas consideradas machistas e preconceituosas de uma maneira geral.
Segundo Aline Trivino, professora e advogada especialista em Direito Penal, Processo Penal e Direito Digital, o que muda para o cidadão é que a estratégia busca trazer um maior controle sobre o uso da IA. “Ela visa não só a manipulação de dados em massa, mas também (quem exerce a) influência dessa manipulação. Um maior controle de como essa utilização é feita pode nos ajudar no desenvolvimento de negócios”, avalia.
Um bom ponto de partida
Para Luiz Augusto D’Urso, advogado especialista em Direito Digital, professor no MBA da FGV e presidente da Comissão Nacional de Cibercrimes da ABRACRIM (Associados Brasileira dos Advogados Criminalistas), toda e qualquer iniciativa nacional de fomento à tecnologia e inovação é positiva. “A preocupação do poder público em relação à evolução da IA é importantíssima; por meio de uma estratégia será possível fomentar o avanço tecnológico e, também, controlar a situação da substituição do homem pela máquina. ”
O especialista diz que o impacto da tecnologia nas relações de consumo é muito grande e, portanto, o controle da Inteligência Artificial para o entendimento humano deverá ser regulamentado. Ele pondera, no entanto, que a EBIA é apenas um ponto de partida em um debate que deve ser continuado e aprofundado.
“É claro que a Inteligência Artificial é muito maior do que a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial. Ela muda e altera todo um cenário na sociedade, então nunca devemos nos dar por satisfeitos com uma estratégia inicial. Os estudos utilizados pela EBIA devem servir também de reflexão e aprimoramento de uma estratégia mais completa, e, claro, trazendo também o viés político que deve acompanhar a importância dessa evolução, trazendo questões legislativas sem dificultar o avanço da tecnologia. ”
“Um documento desprovido de espírito”
O Brasil não é o primeiro país a aprovar uma diretiva com os princípios do uso da inteligência artificial. Especialistas ouvidos pela Consumidor Moderno apontam para mais de 20 países que já possuem uma norma similar. E esse é justamente o ponto de partida das críticas direcionadas a EBIA.
A principal crítica é de que a EBIA seria apenas um “pontapé inicial” na discussão sobre o assunto, capaz apenas de trazer discussões genéricas. “É um documento desprovido de espírito. Sócrates provavelmente classificaria o documento como sendo de autoria dos Sofistas”, diz Marcelo Chiavassa de Mello Paula Lima, professor de Direito Civil, Digital e Inovação do Mackenzie.
Segundo Chiavassa, a EBIA peca em adequar as diretrizes à realidade brasileira, sendo uma espécie de “compilado” de estudos e medidas de diferentes instituições e países, boa parte deles relativamente antigos, realizados em 2018 e 2019.
“Apesar de identificar muito bem os problemas existentes no mundo atual, a propositura de soluções é pouco – ou quase nada – concreta. A EBIA se limita a dizer que precisa incentivar, precisa financiar, precisa fazer, mas não esclarece como fazer, quem irá financiar e nem o que precisa fazer. Ela parece mais um draft, ou seja, uma iniciativa ainda não finalizada, do que propriamente um trabalho sólido e que tenha como ambição ser o pontapé inicial no projeto brasileiro de regulação dos diferentes impactos da Inteligência Artificial. ”
O especialista lista algumas questões que explicitam a falta de concretude dessa Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial, especialmente na seção destinada à Educação Digital.
“O documento fala em instituir programas de formação tecnológica para professores e educadores, ampliar a oferta de cursos de graduação e pós-graduação ligados à inteligência artificial, e uma série de outras medidas. Questiona-se: quando isso vai ser feito? Quem será o responsável por coordenar essas iniciativas? Como se dará a ampliação da oferta de cursos? Essas medidas abrangem educação pública e privada? Haverá incentivo financeiro? Qual a meta a ser cumprida (10 novos cursos? 20? 50?)? Em quanto tempo essa meta deverá ser atingida? Quantos anos mais teremos que esperar para que essas ações estratégicas ganhem concretude? ”, conclui Chiavassa.
Fonte : consumidormoderno.com.br