A regulamentação da IA busca garantir a proteção dos dados dos cidadãos e promover um ambiente de inovação responsável.
A Inteligência Artificial (IA) está nos holofotes do governo federal. Prova disso é que Fernando Haddad (Ministério Fazenda) apresentou uma lista com 25 objetivos sobre o que será considerado prioridade no segundo biênio do governo. O material foi apresentado no dia 20 de janeiro ao Executivo Nacional.
Entre as novidades, destaque para o Marco Legal da Inteligência Artificial – IA e a regulamentação econômica das big techs. Vale destacar que, no fim de 2024, o Senado Federal aprovou o PL que regulamenta a IA no Brasil. Agora, a Câmara dos Deputados analisará o texto.
A versão aprovada é um substitutivo do senador Eduardo Gomes (PL-TO), originado do PL 2.338/23, que foi apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O material tem como base um anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas. Ele também inclui dispositivos de outros projetos de lei, como o PL 21/20, já aprovado pela Câmara dos Deputados, e emendas de diversos senadores.
As mudanças que virão com a IA regulamentada
Mas, o que a IA regulamentada muda, na prática, para as empresas; e para os consumidores? Isso é o que veremos hoje.
A regulamentação da IA traz mudanças significativas tanto para as empresas quanto para os consumidores. Para as empresas, a criação de um marco legal proporciona um ambiente de maior previsibilidade e segurança jurídica. Isso significa que as organizações terão diretrizes claras sobre como desenvolver e implementar tecnologias de IA, o que pode facilitar investimentos e inovações. Além disso, a regulamentação pode impulsionar a competitividade, pois empresas que adotam práticas éticas e transparentes na utilização de IA poderão se destacar no mercado.
As normas também podem incluir responsabilidade e obrigações em relação à proteção de dados e privacidade. O propósito é assegurar que as empresas tratem as informações dos usuários de maneira segura e ética. Isso pode resultar em maior confiança dos consumidores na utilização de serviços que envolvam IA.
Assim, empresas que adotam uma abordagem responsável em relação à IA sejam mais valorizadas pelos consumidores.
IA para consumidores
Para os consumidores, a regulamentação da IA oferece uma proteção adicional. Eles poderão contar com garantias de que as ferramentas baseadas em IA operam de forma justa e transparente. Além disso, a regulamentação pode fomentar o direito à explicação. Em outras palavras, os consumidores poderão entender como decisões automatizadas são tomadas, especialmente em áreas sensíveis, como crédito e emprego.
A regulamentação também pode promover a inclusão digital, garantindo que grupos minoritários e desfavorecidos tenham acesso igual às tecnologias de IA. Isso porque o projeto estabelece que as iniciativas visem reduzir a discriminação algorítmica, assegurando que os sistemas de IA não perpetuem preconceitos existentes.
IA da América ou da Europa?
De acordo com Juliana Abrusio, sócia do escritório de advocacia Machado Meyer e membro do Comitê Nacional de Cibersegurança (CNCiber), o Projeto de Lei 2.338/2023 tem grande inspiração no modelo europeu. A respeito da efetiva regulamentação, ela acredita que ainda há muito a acontecer. Isso porque o Senado acabou de aprovar o PL de IA e a Câmara dos Deputados ainda irá tramitar o projeto. “Pode levar meses e a redação ainda não está definida”.
Juliana Abrusio é enfática ao afirmar que, pelas discussões de parlamentares e especialistas, não parece que o Brasil seguirá o caminho norte-americano. Ao contrário, o país deve aproveitar essa janela de oportunidade para viabilizar condições de investimento de tecnologia estrangeira no Brasil. Isso não significa abrir mão da segurança e ética em IA, pois esses princípios são conciliáveis.
Dependência de tecnologia estrangeira
Já Chiara Battalhia, também especializada em Direito Digital no Machado Meyer, ainda comenta que, diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil ainda é muito dependente de tecnologia estrangeira. Ademais, o país sofre com o fenômeno de “fugas de cérebros”. Em outras palavras, exímios alunos e pesquisadores brasileiros que vão para o exterior, por mercados mais atrativos. Esse panorama, em sua visão, não favorece em nada o horizonte social e econômico do país.
“O obstáculo é criar uma regulação que resguarde os direitos fundamentais, sem perder de vista a promoção de desenvolvimento tecnológico interno. O Brasil é um dos países com mais condições, no mundo, para construção de data centers para treinamento de modelos sofisticados de IA. Isso se dá em razão da quantidade de áreas disponíveis. Sem contar a sua matriz energética limpa e à capacidade de resfriamento dos servidores, por dispor da maior bacia hídrica do globo”, explica Chiara.
PBIA
Ademais, tanto Juliana quanto Chiara consideram que as iniciativas sobre IA no Brasil buscam posicionar o país como um ambiente favorável ao desenvolvimento de IA, a exemplo do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) 2024-2028. Dentre seus objetivos, o intuito é destacar e reforçar a atratividade do Brasil para investimento no ecossistema que sustenta a IA, por exemplo data centers, em razão da sua capacidade de produção de energia limpa.
Assim, o Plano representa uma relevante mensagem aos agentes nacionais e investidores estrangeiros de incentivo à inovação, que os marcos regulatórios em desenvolvimento corroboram; a título exemplificativo, a proposta prevê a definição de regimes simplificados para promover o desenvolvimento tecnológico nacional, inclusive mediante flexibilização de obrigações regulatórias para incentivar a inovação e a pesquisa científica e tecnológica (art. 1º, § 2º, II do Projeto de Lei n. 2.338/2023).
Consumidores brasileiros
Thais Matallo é sócia do Machado Meyer e especialista em assuntos jurídicos estratégicos de relações de consumo para todos os segmentos de mercado. Ela lembra que os principais Procons dos Estados brasileiros já trazem o tema da tecnologia e da IA como um dos principais a ser tratado ao longo de 2025.
Por consequência, ela pontua que a defesa e a proteção do consumidor constituem, no Brasil, direito fundamental e princípio da ordem econômica previstos na Constituição Federal, cabendo ao Poder Judiciário assegurar a observância de tais preceitos.
Nesse ínterim, Danielle Iglesias, advogada do Machado Meyer também especializada em relações de consumo, pontua que a soberania brasileira é assegurada pela competência da justiça brasileira para julgar demandas envolvendo consumidores residentes no Brasil, assegurando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC)à maioria expressiva dos casos recebidos pelos Tribunais.
“Diante disso, o que se nota, portanto, é que instituições sólidas protegem os direitos do consumidor brasileiro, mesmo no contexto do avanço da tecnologia e da corrida internacional para o desenvolvimento de sistemas cada vez mais completos”, finaliza Thais.
Relação entre IA e consumo
A relação entre tecnologia e consumo tradicionalmente é marcada por desafios. Especialmente em um cenário onde as ferramentas digitais estão em constante evolução. O aumento do uso de IA nas plataformas de atendimento ao cliente, por exemplo, traz à tona questões sobre a eficácia desse atendimento e a necessidade de supervisão humana para garantir a satisfação do consumidor.
As futuras regulamentações que emergirem a partir dos debates em torno da tecnologia e da IA deverão considerar esses aspectos, visando equilibrar inovação e proteção ao consumidor. Em conclusão, da parte das empresas, é necessário que elas se preparem para as mudanças que estão por vir. Primordialmente, isso demanda investimento em compliance e capacitação de seus colaboradores para que as novas regras sejam devidamente respeitadas.
Analogamente, a interação entre o avanço tecnológico e a proteção ao consumidor será um dos pilares centrais das discussões nos próximos anos. Com efeito, a legislação e a jurisprudência brasileira precisam se adaptar a esse novo cenário, garantindo que os direitos dos consumidores sejam sempre prioridade, independentemente da evolução das ferramentas disponíveis no mercado.
Fonte: “Marco Legal da IA: uma prioridade para 2025 – Consumidor Moderno“