O comércio eletrônico precisa ser inclusivo também para comerciantes menores e consumidores de todas as rendas.
Há alguns meses, anos de mudança aconteceram em semanas. Por conta da pandemia, diferentes faixas econômicas e de idade agora vivem diante de imperativos em comum. Um deles é o consumo on-line.
O e-commerce é uma das grandes promessas do silencioso milagre do desenvolvimento humano. Uma invenção de futuro que chegou ao presente quase sem avisar. Suas tecnologias agora dão corpo a complexos modelos de negócios em rede.
No Brasil, de acordo com o indicador de vendas no varejo SpendingPulse, da Mastercard, divulgado em fevereiro, o e‑commerce apresentou um crescimento de 75% em 2020. Foi preciso investimento, agilidade e sobretudo coragem para possibilitar serviços cada vez mais rápidos, baratos e sustentáveis.
No entanto, uma espécie de fosso digital pode ter se aberto no varejo. Este é um ponto de perguntas ainda sem respostas ou de respostas incompletas. Como o comércio eletrônico pode ser inclusivo a comerciantes menores em desvantagens profissionais e se fortalecer com eles? Sabendo algumas das regras do jogo, como o e‑commerce brasileiro vai superar as diferenças continentais e econômicas de seu território e suprir a demanda de seus mais diversos consumidores?
e‑commerce: uma invenção de futuro
Para 2021, a tendência é de mais investimentos em logística, mais rigor na entrega e mais tecnologia.
“Lançamos esta frente para fomentar micro e pequenos empresários que tiveram de fechar as portas de suas lojas na pandemia.” Leandro Soares, diretor-executivo de marketplace do Magalu
Horizontes
As pessoas querem e continuarão a comprar pela internet. Consultorias de mercado como a Statista reforçam essa impressão, prevendo que, enquanto a média global de crescimento do e‑commerce deve ser de 8,1% até 2024, o avanço das vendas no varejo on-line brasileiro deva ficar em 9,1% ao ano durante o período. Conforme mostra a tabela ao lado, a previsão para o avanço do e‑commerce brasileiro é mais otimista que em países como a China (8,6%) e os Estados Unidos (6,2%).
Investigar a jornada de compra de e‑commerces maiores e menores do Brasil pode revelar modelos gerais de comportamentos dos clientes, bem como entraves e desafios em comum aos players do ramo. Dentre design das ofertas, processos para entrega e formas de pagamento e benefícios, as parcerias com os sellers aparecem como pontos focais no desenvolvimento do e‑commerce em 2021. “A facilitação dos nossos sellers passa pela implementação de um processo de onboarding mais rápido. Tal processo inclui uma plataforma mais avançada para os integradores de lojas on-line a marketplaces, ferramentas promocionais e um sistema de logística próprio que ajuda no custo competitivo e no nível de serviços”, explica Josiane Terra, diretora de E‑commerce da Via Varejo, que conta com cerca de 8 mil sellers e 85 milhões de clientes.
Já donas de marketplaces de nicho, como a C&A Brasil no ramo de moda, partem para uma escolha de sellers baseada em ofertas que complementem seus produtos. Fernando Guglielmetti, head de E‑commerce da C&A, comenta que, hoje, as prioridades do marketplace são trazer marcas de parceiros que são referência em joias e brinquedos, por exemplo. “Sim, brinquedos. Temos roupas infantis e para elas oferecemos brinquedos – da mesma forma que para nossa marca de esportes, a Ace, ofertamos acessórios esportivos.” Nesta toada, a C&A passou a oferecer produtos para casa em seu marketplace, em parcerias com a Etna e a Casa MinD.
A escalação também é rigorosa em marketplaces de alimentos. Atualmente, com mais de cem vendedores e uma variedade de mais de 30 mil produtos, o marketplace do Grupo Pão de Açúcar (GPA) coloca uma série de critérios a parceiros. Rodrigo Pimentel, diretor de E‑commerce Alimentar do Grupo, explica que sellers precisam ter CNPJ ativo e sem restrições, emitir nota fiscal, possuir a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) de varejista, capital social igual ou superior a R$ 1 mil, ter inscrição no Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços (Sintegra), ter conta-corrente vinculada ao CNPJ de cadastro e reputação no mercado, com bons índices de EBIT. “Isso garante aos nossos consumidores a certeza de que os produtos encontrados nas plataformas digitais do GPA são de qualidade e estão alinhados com as nossas políticas de negócio”, reforça Pimentel. Para 2021, o Grupo visa aumentar a quantidade de seller em dez vezes, com sortimento nas categorias de beleza, auto, móveis e pet.
Fonte: Statista
Já os marketplaces de produtos duráveis mostram uma crescente atenção com a profissionalização dos vendedores parceiros. Com o propósito de democratizar o comércio, o Mercado Livre, maior marketplace da América Latina, oferece diferentes soluções para crédito aos sellers, tendo em vista o suporte da profissionalização de muitos deles. “Existe uma prática interna para vários tipos de cadastros, acompanhamento de volumes, acompanhamento de crescimento, entre outros fatores”, revela a diretora de Marketplace da marca, Roberta Donato.
O marketplace do Magalu também tem exemplo de esforços no sentido da inclusão. Sua campanha “Parceiro Magalu”, lançada durante a pandemia, visa nada menos que digitalizar o varejo brasileiro. “Lançamos esta frente para fomentar micro e pequenos empresários que tiveram de fechar as portas de suas lojas na pandemia”, relembra o diretor-executivo de Marketplace da marca, Leandro Soares. Na estimativa da empresa, hoje há cerca de 100 mil CNPJs vendendo ativamente no varejo on-line, enquanto o Brasil totaliza quase 6 milhões de CNPJs varejistas com vendas apenas em lojas físicas.
O Magalu oferece também linhas de crédito para capital de giro e opção de antecipar recebíveis. Segundo o executivo, o marketplace da marca dá aos parceiros a opção de receberem pelas compras à vista ou de acordo com o crédito das parcelas das compras.
Jornada do cliente. À espera de sua volta.
Em um negócio focado na experiência do cliente, todas as estradas levam ao mesmo fim. Multicanalidade, entrelaçamento entre virtual e físico, foco no marketing e capacidade de se adaptar às exigências são apenas pontos de partida diferentes de uma mesma questão. Os grandes marketplaces do Brasil têm notado isso, com os executivos das áreas de e‑commerce ainda mais ligados na omnicanalidade, em voga desde a pandemia. É na comunicação de preferência do consumidor que o e‑commerce entende os fatores mais relevantes na jornada dos compradores, o grau de importância da presença física para eles e como manter a satisfação.
A ominicanalidade ganhou crescente importância no e‑commerce desde a pandemia porque a jornada de compra do cliente não tem mais um padrão de ponto de partida. “Ele pode entrar em uma de nossas lojas físicas e comprar on-line com o auxílio do vendedor para receber em sua casa. Ao mesmo tempo, um cliente pode entrar diretamente em nossos apps, comprar e optar por fazer a retirada do seu pedido em uma loja física ou receber em sua residência”, esclarece a diretora da Via Varejo, Josiane Terra.
A busca dos marketplaces de se conectarem ao consumidor em todos os pontos de contato, interligando lojas físicas, passa por um processo de digitalização e preparação dos colaboradores. O WhatsApp tem-se mostrado um benchmark a diversos players do e‑commerce brasileiro desde a pandemia. Além da Via Varejo, a C&A também notou o poder do app como complemento certeiro a seus canais próprios. Atualmente, a marca tem 300 colaboradores vendendo pelo Whats, mas já chegou a ter mais de 600 durante a pandemia. “Hoje, ele é um canal de relacionamento e uma maneira de vender para quem não quer comprar ou vender pelo site ou pela loja. É mais conversacional. A gente o usa de três maneiras: o cliente entra no site e a gente oferece essa ajuda; ou o cliente já está na nossa base; ou o usamos para enviar o link de pagamento direto”, revela o head de E‑commerce da C&A Brasil.
Outro canal de vendas adjacente aos canais próprios da C&A, que tem surtido efeito desde o início da pandemia, são as “vendas sociais” promovidas pelas consultoras de moda comissionadas que revendem nas redes sociais, conta o executivo. “Esse canal só existia na prancheta e, com a pandemia, foi uma nova forma de chegar ao cliente, já que a maneira de acessar o comprador foi totalmente reinventada”, diz Guglielmetti.
O design da navegação e a abordagem pelos canais no e‑commerce têm sido definidos a partir das estratégias de marketing. Com o aumento do tempo de tela, marketplaces e varejistas passaram a dar mais ênfase ao comportamento dos perfis segmentados desde a pandemia, com abordagens diferenciadas para experiências de compra diferenciadas. “A jornada dele começa tipicamente no gatilho do CRM. Vamos montando réguas customizadas a partir do perfil de cada um. Olhamos onde ele abre os touch points e elegemos qual usar na comunicação “, conta Ari Gorenstein, CEO do marketplace de vinhos Evino.
A qualidade no atendimento também tem mudado a cara do e‑commerce com o surgimento da pandemia. Como reflexo do forte crescimento de seu volume de pedidos, empresas entenderam que deveriam desenvolver ferramentas de autosserviço se quisessem retomar ou manter o controle nos chamados. A head de Experiência do Consumidor do iFood conta que o app conseguiu diminuir consideravelmente as fricções após criar um chat para os clientes. “O controle no atendimento também passa por saber a quem ele é feito”, comenta Thais Suzuki.
A complexa jornada do produto
A logística é reconhecidamente um dos gargalos a qualquer serviço que dependa do transporte em distâncias mais longas no Brasil. As proporções continentais do País tornam-se ainda maiores com a disponibilidade de estradas precárias e estrutura limitada em modais, vias fluviais e ferroviárias. O boom do e‑commerce brasileiro teve tudo para encontrar buracos em seus caminhos. E pode ser que tenha encontrado, mas a preparação de certas empresas com planejamentos de investimentos em tecnologia e infraestrutura, antes da pandemia, foi fundamental para passar pela turbulência. Por isso, para 2021, a tendência é de mais investimentos em logística, mais rigor na entrega e mais tecnologia.
Desde o ano passado, camadas de tecnologia e uso de inteligência artificial vão sendo agregadas à logística do e‑commerce. Com uma melhor gestão e análise baseada em dados, as empresas conseguem tomar melhores decisões de direcionamento dos produtos a locais mais próximos dos clientes, otimizando custos de operações. Assim, o conceito de dark store, no qual marketplaces despacham produtos a partir da loja mais próxima ao cliente, e a implementação de etiquetas RFID devem se acomodar como processos logísticos e selar um sistema de agilidade e eficiência.
O ship from store tornou-se uma normalidade no e‑commerce, com varejistas como Via Varejo, Pão de Açúcar e C&A aproveitando a capilaridade de seus mini-hubs. Com 290 lojas espalhadas pelo País, a C&A, por exemplo, entregou via ship from store metade de seus pedidos durante os meses mais graves da pandemia no ano passado, e hoje utiliza o recurso em torno de 30% deles. Além de aproveitar o estoque ao passo que reduz distâncias, a empresa consegue atender consumidores que estão mais afastados dos centros com igual rapidez. “Este conceito de dark store foi difícil no começo porque as lojas não estavam habituadas. Tivemos treinamento para mais de 12 mil funcionários, além de ter que encontrar transportador para fazer as coletas”, relembra o head de E‑commerce da C&A Brasil.
Fernando Guglielmetti conta que outros investimentos feitos pela marca ao longo da pandemia foram o Order Management System (OMS), para orquestrar pedidos phygital de “clique e retire” e o Warehouse Management System (WMS), um software de estoques que se interconecta ao OMS. “Entram agora diversos elementos tecnológicos no processo, como as etiquetas eletrônicas RFID, que são acessadas por ondas eletromagnéticas. Por meio delas, é possível identificar e contabilizar as peças e roupas com muito mais precisão em comparação ao processo manual”, revela o executivo. Com a tecnologia, a C&A conseguirá contabilizar, em média, 250 peças por minuto e, ainda, obter dimensão precisa de todo o estoque.
Já nos marketplaces de refeições, a guinada tecnológica na busca do tempo zero de entrega demanda inteligência tanto humana quanto artificial. O desafio operacional de lidar com os picos dos horários da fome exige que algoritmos, engenheiros e entregadores equilibrem o balanço entre pedidos, entregadores disponíveis no momento e a dispersão geográfica pelas cidades.
No iFood, mais de mil engenheiros pensam dia e noite como aprimorar o funcionamento das entregas, o que tem colaborado para que o app tenha hoje o melhor NPS do mercado. Por meio de cálculos algorítmicos, a empresa conseguiu elevar seu o SLA (acordo de nível de serviço) de entregas de 80% para 95%, ao passo que, em conjunto com novos formatos de parcerias, conseguiu reduzir em 12% a distância percorrida pelos entregadores com otimizações das rotas.
A promessa de entrega dentro do tempo estabelecido é sagrada no e‑commerce, tendo em vista que é a chance de conquistar a fidelidade do cliente. “O que nós queremos é oferecer ao cliente uma promessa de entrega confiável. Nossos esforços são para que, quando dissermos que o produto será entregue em um determinado período, o cliente possa ter plena confiança de que aquela promessa será cumprida”, reforça Ricardo Garrido, diretor de Marketplace da Amazon no Brasil.
A jornada de compra do cliente não tem
mais um padrão de ponto de partida
Pagamentos e fidelidade
A logística é reconhecidamente um dos gargalos a qualquer serviço que dependa do transporte em distâncias mais longas no Brasil. As proporções continentais do País tornam-se ainda maiores com a disponibilidade de estradas precárias e estrutura limitada em modais, vias fluviais e ferroviárias. O boom do e‑commerce brasileiro teve tudo para encontrar buracos em seus caminhos. E pode ser que tenha encontrado, mas a preparação de certas empresas com planejamentos de investimentos em tecnologia e infraestrutura, antes da pandemia, foi fundamental para passar pela turbulência. Por isso, para 2021, a tendência é de mais investimentos em logística, mais rigor na entrega e mais tecnologia.
Desde o ano passado, camadas de tecnologia e uso de inteligência artificial vão sendo agregadas à logística do e‑commerce. Com uma melhor gestão e análise baseada em dados, as empresas conseguem tomar melhores decisões de direcionamento dos produtos a locais mais próximos dos clientes, otimizando custos de operações. Assim, o conceito de dark store, no qual marketplaces despacham produtos a partir da loja mais próxima ao cliente, e a implementação de etiquetas RFID devem se acomodar como processos logísticos e selar um sistema de agilidade e eficiência.A mudança de compras físicas para o digital naturalmente levou ao aumento de compras com cartão. Diante da oportunidade – e necessidade – de se ajustarem às rotinas e aos desejos dos consumidores, varejistas do e‑commerce tiveram a chance de evoluir suas opções de pagamento e turbinar programas de fidelidade. No período de pandemia, o universo de pagamentos passou por muitas transformações também por conta da chegada de clientes que nunca tinham comprado antes no e‑commerce. E mais: as mudanças acontecem em um momento no qual o sistema financeiro do País passa por reformas estruturais, o Open Banking, na expectativa de facilitação, inclusão e educação financeira com contas digitais gratuitas.
Nesse cenário, a estratégia do GPA tem sido o incentivo ao uso de seus cartões próprios. Àqueles que usam os cartões exclusivos das marcas Extra e Pão de Açúcar, o Grupo oferece pacotes de benefícios como até 40 dias para o pagamento da fatura, descontos em produtos da marca dos mercados e descontos em drogarias da rede. Aos consumidores do Pão de Açúcar, o GPA oferece, ainda, descontos em produtos. Rodrigo Pimentel, diretor de E‑commerce do Grupo, confia que vantagens como essas, atreladas à mudança no perfil do consumidor, garantem a fidelização do cliente.
Já marketplaces de bens duráveis se veem diante de uma grande transformação. Ao proporcionar contas digitais gratuitas e se adequar aos produtos e serviços financeiros dos clientes, eles colaboram para a expansão da atividade econômica do País.
A diretora de E‑commerce da Via Varejo conta que, com a pandemia, a chegada do cliente que fez sua primeira compra on-line se deu juntamente com a abertura de incentivos do governo, como o cartão Virtual da Caixa. A ocasião fez com que a empresa focasse os cartões de débitos, que antes tinham pouca aderência pelos consumidores. “Investimos, então, em não apenas aceitar o cartão Virtual Caixa, mas em conceder a experiência do 3DS 2.0 (protocolo de autenticação do e‑commerce) para os clientes e com baixo risco de fraude, uma vez que essa experiência possui mecanismos de autenticação tanto transparente para o cliente quanto desafiador para os casos de maior risco”, explica Josiane Terra, ao reforçar que o Grupo foi o primeiro varejista a lançar tal experiência.
Outro serviço do Grupo que chama a atenção é o banQi, no qual clientes podem ter uma conta digital, serviços financeiros e soluções de meios de pagamento. Com a solução, a Via Varejo se alinha à Agenda+ do Banco Central e se prepara para seguir as pautas inerentes ao Open Banking, como o estímulo do uso do Pix, por exemplo. Terra ressalta o foco do Grupo na promoção da diversidade, democratização e criação de novas oportunidades para consumidores de diferentes realidades.
Uma certeza palpável
O varejo on-line tem-se organizado e sublimado as movimentações não vingadas nas lojas físicas no mundo todo. No Brasil, ao passo que mais de 75 mil lojas fecharam em 2020, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, o e‑commerce nacional avançou quase 70% em vendas no mesmo ano muito por conta das 150 mil lojas que venderam no comércio eletrônico, conforme a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico. Como consequência, a participação do e‑commerce no faturamento total do varejo passou de 5% no fim de 2019 para mais de 10% em alguns meses do ano passado.
Para 2021, a consolidação da experiência do consumidor no centro dos modelos de negócios se cristaliza ainda mais com os novos papéis e a importância das experiências digitais. O consumidor espera experiências digitais intuitivas e fáceis de usar em canais e dispositivos à sua escolha. Varejistas que conseguem atender a tais expectativas verão melhor retornos. Para se equilibrar entre o digital e o físico – talvez esta seja a única certeza palpável nestes tempos de incerteza –, sustentabilidade das parcerias e tecnologia para logística e entendimento do cliente são pontos-chave que os varejistas devem considerar no comércio on-line em 2021.
Fonte : consumidormoderno.com.br
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