As relações de trabalho estão mudando — e muito — com o avanço das novas tecnologias, mas o investimento na relação humana continua sendo fundamental para a sobrevivência do negócio. Essa é a opinião de Thomas Ogilvie, responsável pela área de recursos humanos e membro do Conselho de Administração do grupo Deutsche Post DHL.
O executivo acredita que o uso de tecnologias digitais, como inteligência artificial (IA) e automação, tornam a área de logística mais produtiva e humanizada. No entanto, Ogilvie, que também é responsável pelo o Corporate Incubations, área de empreendedorismo da DHL, defende que a inovação só acontecerá se vier acompanhada de investimento e capacitação.
Um exemplo que cita é o sistema global de treinamento da DHL, em funcionamento há 10 anos. Cada funcionário tem um “passaporte” da empresa. A cada curso de capacitação que completa, ganha um carimbo. “É uma ferramenta para nos mantermos atualizados como companhia e ao mesmo tempo capacitar e engajar nossos colaboradores”, diz Ogilvie. Pelo programa, funcionários já criaram soluções como o TRAILAR, um caminhão com folhas fotovoltaicas que reduz o uso de gasolina — o veículo irá ajudar a DHL a cumprir a meta global de se tornar totalmente sustentável até 2050.
Em passagem pelo Brasil, Ogilvie conta a como as novas tecnologias estão mudando a gestão de pessoas da empresa e o que o grupo tem feito para sobreviver a esse cenário.
A tecnologia está mudando as relações de trabalho?
Na área operacional, que representa 85% da nossa mão de obra, estamos usando tecnologia para eliminar funções repetitivas, mas sem acabar com o cargo do funcionário. Nós falamos em corobôs em vez de robôs. O ser humano e a máquina devem trabalhar lado a lado. A digitalização abre uma oportunidade de tornar o trabalho mais humano e produtivo.
Como a DHL lida com a transformação digital?
Descobrimos que é impossível ter uma única resposta para a digitalização. Temos mais de 50 mil funcionários ao redor do mundo nas mais diferentes áreas. Para cada uma, é necessário entender como a tecnologia pode tornar o trabalho mais produtivo. Começamos a analisar cada posição para identificar as habilidades que serão necessárias no futuro e como tornar as atividades mais fáceis. Já fizemos algumas mudanças. Um organizador de trajetos, por exemplo, era contratado baseado em sua experiência. Hoje, precisa ser alguém que entenda de algoritmos e ajude no planejamento de rotas. Ao mesmo tempo que precisamos contratar uma mão de obra com habilidades em IA e dados, também precisamos preparar aqueles que já estão na empresa.
Em um ambiente mais digitalizado, como fica a relação entre empresa e funcionário?
Acredito que a capacitação se torna ainda mais importante. O nosso sistema de treinamento é uma forma para o funcionário saber como ele está contribuindo para o sucesso da empresa. Funciona para os dois lados: o colaborador se sente mais à vontade e engajado, e a empresa conquista os resultados que precisa. Além disso, há um elemento de disseminação da cultura da empresa. Nós preparamos todos os níveis, desde o operador até o executivo. É essencial para que continuemos aprendendo e nos atualizando como companhia.
Você sente que há uma diferença entre as gerações que estão hoje no mercado de trabalho?
Sim, e por isso precisamos ser uma empresa adaptável. Têm características que não mudam: as pessoas querem ser reconhecidas pelo seu trabalho e terem oportunidades de fazer algo diferente. Mas a geração mais nova é um pouco mais impaciente. Ela quer crescer mais rapidamente e contribuir.
A tecnologia pode ajudar a recrutar novos talentos?
Sim, mas é preciso haver um trabalho em conjunto. A tecnologia pode ajudar a atrair talentos e gerar interesse ao longo do processo, mas se tivermos apenas um algoritmo para decidir entre o sim e o não, pode ser útil, mas não é suficiente. Por isso, começamos a usar a gamificação. Por exemplo, é crucial para quem organiza pacotes em contêineres de aviação cada centímetro do espaço. Começamos aplicar o jogo Tetris no processo seletivo para prever se a pessoa seria boa em fazer essa atividade no mundo real. Mas é apenas mais um item da avaliação, não é decisório.
Em um cenário de escassez de talentos e mais competitividade, como uma empresa pode se manter atrativa para os jovens talentos?
Nós oferecemos um ambiente com a maior liberdade possível. Se você é um gerente de operações, claro que terá de seguir determinados procedimentos, mas também poderá pensar em como inovar dentro da sua linha de trabalho. Temos um programa global no qual os funcionários podem apresentar suas ideias para os executivos. Se escolhido, atuamos como aceleradores: o negócio ganha investimento para se tornar um MVP. Uma dessas ideias apresentadas foi o sistema de folhas fotovoltaicas instaladas nos nossos caminhões. Ele reduz em 5% o uso de gasolina e diesel dos veículos. Os colaboradores participaram do nosso programa de treinamento para soluções sustentáveis e criaram o projeto. Ele já está sendo aplicado no Reino Unido e temos planos de expandi-lo.
Essa área de empreendedorismo da empresa, o Corporate Incubations, também é de sua responsabilidade. Como ela se relaciona com a sua função de RH?
As pessoas são o motor para a inovação. Para inovar, é necessário uma cultura aberta. A empresa precisa recrutar e identificar os profissionais que pensam à frente de seu tempo e criar espaço interno para desenvolver novas ideias. Acredito que, se quisermos continuar nos desenvolvendo e aprendendo como organização, precisamos atuar junto ao ecossistema de empreendedorismo. Não só ter talento interno, mas trabalhar com pessoas de fora. Em São Paulo, por exemplo, temos uma parceria com o Cubo [espaço de fomento ao empreendedorismo criado pelo Itaú Unibanco] para identificar atores nesse cenário.
Fonte: epocanegocios.globo.com