Um dos discursos mais usados no varejo nos últimos anos dá conta de que o e-commerce está acabando com as lojas físicas, sejam as de rua, sejam as que estão localizadas em shoppings. Bom, em parte isso pode ser verdade. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 100 shoppings chegaram a fechar no período de um ano. Para completar um cenário nada animador, um relatório de 2017 do banco Credit Suisse previu que um quarto deste tipo de estabelecimento fechará em 2022. Isso significaria io encerramento das atividades de 240 a 300 dos cerca de 1.200 shoppings existentes no país. E para corroborar com esse “apocalipse varejista”, o site Business Insider ainda fez uma espécie de ensaio, mostrando uma série de shoppings já abandonados.
E se na terra do Tio Sam a coisa anda feia para o lado dos “malls” (como os americanos chamam os shoppings por lá), no Brasil o cenário é diferente. Isso porque as grandes redes varejistas e os maiores administradores de shoppings centers do país estão buscando reinventar a utilidade deste tipo de estabelecimento por aqui. E a estratégia vem dando certo.
Uma pesquisa divulgada pela Cushman & Wakefield, empresa especializada em serviços imobiliários corporativos, mostra que tanto as lojas físicas de grandes redes varejistas, quanto shopping centers de cidades de grande e médio porte estão sendo utilizados como minicentros de distribuição para o chamado last mile (última milha, em português), que é o o transporte e entrega de produtos comprados online do CDs até o destino final, como uma casa ou empresa.
O e-commerce garante a existência do varejo físico
E por mais paradoxal que possa parecer, no Brasil, é o e-commerce que pode garantir a continuidade das lojas físicas nos próximos anos. “Segundo dados do E-Bit, o e-commerce no Brasil vem crescendo 16% ao ano. E isso obriga as grandes redes varejistas, que atuam tanto no e-commerce, quanto nas ruas, a usar a sua estrutura de lojas físicas como centros de distribuição para uma entrega mais rápida”, afirmou Jadson Andrade, head de Pesquisa de Mercado da Cushman & Wakefield. “E isso vale não apenas para a entrega na casa do consumidor a partir da loja, como também o caminho inverso. Ou seja, o cliente pode se dirigir ao estabelecimento para a retira o produto adquirido”.
Com o nome de “E-commerce – da ameaça à oportunidade“, o levantamento aponta que empresas como Via Varejo, Magazine Luiza e Carrefour vem usando parte dos seus estoques em algumas de suas lojas como pontos de partida para vendas realizadas no e-commerce. A seleção dos produtos da Magazine Luiza, por exemplo, é feita de por meio de softwares de logística. “A Magazine Luiza vem aumentando a área de estoque em suas lojas físicas justamente para agilizar a entrega das compras online”, disse Andrade. “Além disso, no caso dos shoppings, eles ainda têm uma vantagem adicional: os caminhões podem recolher os produtos das lojas na parte da noite e realizar as entregas logo nas primeiras horas da manhã”.
O objetivo é organizar o destino das mercadorias de acordo com a demanda, ou seja, os produtos podem ser direcionados para as vendas no e-commerce ou vendas físicas sem aviso prévio. Dessa maneira, a empresa utiliza a sua estratégia de multicanalidade e adota a ideia da dupla funcionalidade das lojas no Brasil.
O potencial do delivery
Além disso, o mercado de delivery tem sido relevante para Brasil, players como iFood, Rappi e Loggi são grandes facilitadores para os varejistas que atuam no e-commerce. Esse tipo de negócio está associado ao conceito de Last Mile, que se refere a etapa final do transporte de mercadorias, saindo de um centro de distribuição e chegando ao consumidor final. O sucesso desse mercado incentivou a entrada de novos players, como por exemplo a empresa Delivery Center.
O modelo de negócios da startup se difere um pouco das demais, uma vez que a empresa atua nos PDVs (Pontos de venda) ociosos dos shoppings centers, onde recolhe os produtos e realiza as entregas. Algumas empresas do setor, como BRMalls, Multiplan e CCP já adquiriram participação da Delivery Center, confirmando assim que de fato essa é uma grande aposta para o futuro do varejo.
A BRMalls possui participação da Delivery Center, uma parceria que se iniciou com shoppings apenas no Rio de Janeiro, mas que hoje abrange também alguns shoppings da cidade de São Paulo. Já a CCP proporcionará algumas exclusividades em seus edifícios corporativos, desenvolvendo hubs exclusivos para entregas rápidas.
A fatia do bolo das vendas
Nesse cenário, além de participar do processo de delivery, as administradoras de shoppings center também querem a sua fatia na venda de produtos pela internet usado, claro, as lojas dos espaços que elas gerenciam como os mini CDs.
A JHSF, proprietária e gestora do Shopping Cidade Jardim, lançou uma plataforma própria para venda online dos produtos de seus lojistas, cobrando assim um fee (honorários previamente estipulados) de acordo com o serviço contratado. As taxas variam conforme a exigência do lojista, ou seja, é cobrado um fee maior quando é demandado o serviço de fotografia e embalagem dos produtos. Porém, quando a ideia é ape- nas divulgar as mercadorias na plataforma, é cobrada uma taxa menor.
Em ambos os casos o shopping se responsabiliza pela entrega. Conforme mencionado anteriormente, o aluguel variável tende a crescer com as vendas online, entretanto o faturamento obtido através das vendas na plataforma CJFashion ainda não foi significativo. Segundo a JHSF, apesar das ven- das online estarem em crescimento, grande parte da população ainda prefere utilizar o varejo físico.
Aliado ao CJFashion houve o lançamento do CJExpress, que permite a compra remota de produtos que não estão presentes na plataforma online, funciona como um “Personal Shopper”. Se o pedido for feito antes das 14:00 a entrega será feita no mesmo dia.
Assim como a JHSF, a antiga Sonae Sierra, agora Aliansce Sonae, lançou uma plataforma de e-commerce para seu maior ativo em ABL, o Shopping Parque Dom Pedro. A plataforma oferece, além da facilidade de compra, um portfólio com mais de 100.000 produtos. Com planos de estender o e-commerce para todos os shoppings do portfólio, a Aliansce Sonae pretende unir o varejo físico ao online. Quanto ao delivery, o cliente poderá escolher entre receber em casa a mercadoria vinda de um centro de distribuição ou retirar no próprio shopping.
Outra abordagem feita é a personalização de atendimento, de acordo com o histórico de compras e pesquisa de cada clien te criando promoções e programas de vantagens.
Já a BRMalls anunciou uma parceria com a gigante Mercado Livre com o objetivo de proporcionar aos usuários uma experiência de compra online. Os produtos das lojas presentes nos shoppings serão comercializados pela plataforma, iniciando o protótipo no ShoppingVilla Lobos. Já a Multiplan lançou recentemente um novo app para celular, que permite aos usuários obter informações de alguns dos shoppings do seu portfólio. Algumas das funcionalidades do app incluem a compra de ingressos de cinema, ofertasem tempo real de produtos com desconto e até mesmo agendamento de consul-
tas médicas nas clínicas presentes em alguns shoppings. Em breve o pagamento de estacionamento também será possível através da plataforma.
Por sua vez, o grupo Iguatemi recentemente anunciou uma parceria com o IFood, visando um aumento no faturamen-
to das operações de food service. De acordo com Iguatemi, a parceria torna o processo de entrega mais prático e rápido. Com isso, os shoppings da empresa podem apresentar uma área exclusiva para expedição de pedidos de entrega
feitos para os restaurantes. Além disso, o Iguatemi lançou recentemente a sua própria operação de e-commerce para vender os produtos dos shoppings, o nome destinado para a plataforma foi Iguatemi 365.
Os desafios
Mas se shoppings e lojas de rua se encontram em um processo de reinvenção, nem tudo são flores nessa caminhada. Afinal, efetuar esse tipo de mudança também passa por diversos desafios. Um deles é a tecnologia para unificar esses canais de vendas. “As redes varejistas precisam de softwares eficientes para modular a logística de suas lojas e ter um controle eficiente de estoque. Afinal, uma tecnologia que deixe a desejar nesse quesito pode comprometer a experiência do cliente, caso ele não tenha um acesso rápido ao produto que comprou” declarou Jadson. “E desenvolver uma plataforma dessas exige tempo de implementação, mão de obra qualificada e investimento. E em tempos de transformação digital esse setor ainda precisa entender como atingir essa meta de forma rápida e equilibrada”.
E para além da tecnologia, existe uma limitação na estratégia de transformar as lojas físicas em mini CDs. Atualmente, esse processo só funciona nas grandes capitais e cidades médias bem adensadas. “Todo esse processo de transformação depende de uma logística eficiente e isso só é encontrado atualmente nos grandes centros”, acrescenta Andrade. “As pequenas cidades ainda dependerão do formato de entrega mais tradicional, a partir dos grandes centros de distribuição. O que acarreta em uma demora maior na entrega”, completa.
O consumidor no centro de tudo
E para consolidar de vez a estratégia de reinvenção dos shoppings, há de se prestar atenção em um setor aparentemente prosaico, mas que é essencial para confirmar essa transformação: o de estacionamentos. Dados de algumas empresas setor mostram que, de fato, a receita de estacionamento se estagnou, principalmente quando comparado ao crescimento do IPCA. Mesmo assim, o crescente aumento do fluxo de pessoas nos shoppings demonstra a resiliência do setor.
Em 2015 e 2016 o Brasil vivenciou uma grave crise econômica, o que refletiu em uma queda do fluxo de pessoas nos shoppings. Mas, tendo em vista que a receita de estacionamento se manteve estagnada nas últimos anos, mas o fluxo de pessoas voltou a crescer, podemos considerar que os visitantes têm optado por opções de transporte oferecidos pelas empresas de tecnologia como Uber, 99 e Cabify.
De acordo com o gerente de inovação aberta e transformação digital da BRMalls, Gustavo Queiroz, a localização ajuda os shoppings brasileiros, facilitando a logística de entregas e proporcionando mais conveniência aos visitantes. Ele ainda argumentou que os shoppings fazem parte da cultura nacional, pois não são apenas centros de varejo e sim um local de lazer e entretenimento, além de oferecer mais conforto e segurança aos consumidores. Portanto, passear no shopping faz parte da vida do brasileiro, e por isso ele afirma que: “O shopping sobrevive e ganha o jogo”. Para o executivo, o cliente é omnicanal, ou seja, ele tende a optar por diferentes canais de compra. Por esse motivo, ele acredita que o online e o offline andam juntos e que um potencializa o outro.
Em outras palavras, o cliente brasileiro é multicanal, ou seja, ele gosta de ter várias opções de compra. As medidas tomadas pelas empresas de shopping referente ao lançamento de suas plataformas mostram uma pré-disposição a essa adaptação ligada ao omnichannel. O aumento das vendas, sendo online ou físicas, gera um impacto direto no preço do aluguel variável e, consequentemente, na receita do shopping. Portanto, ao longo do tempo a tendência é que o varejo físico e digital não sejam concorrentes, mas complementares.
Esses e outros motivos nos levam a crer que, mesmo com o grande desenvolvimento de e-commerce, os shopping centers e lojas de rua não deixarão de existir, pois, como citado anteriormente, faz parte do perfil do consumidor brasileiro utilizá-los para outros fins. Sendo assim, os shoppings precisarão se reinventar para oferecer uma experiência cada vez mais única e completa, de maneira com que os consumidores optem por continuar a frequentá-los.
Fonte : https://canaltech.com.br