A escalada dos juros, o aumento nos custos de logística e a necessidade de as empresas recuperarem alguma rentabilidade vêm levando a uma onda de reajustes nos marketplaces – plataformas de venda de produtos de lojistas. As varejistas, donas desse negócio, cobram pelos serviços que oferecem. Os subsídios atrelados ao frete estão sendo reduzidos e as taxas de comissão sobre as vendas estão subindo.
Os parcelamentos sem juros também vêm encolhendo, e ainda deve começar, nos próximos meses, a cobrança de tarifas até então isentas. Alguns desses anúncios foram feitos aos lojistas nas últimas semanas, e passam a valer neste ano. As medidas variam de empresa a empresa, mas envolve a maioria das grandes plataformas – Mercado Livre, Via e Amazon -, apurou o Valor junto aos vendedores.
Para consultores, pode ser um sinal de uma maior racionalidade na gestão dos negócios, após as empresas perderem muito valor de mercado na bolsa, e depois da forte competição que afetou as margens de algumas companhias.
As mudanças podem encarecer o preço final ao consumidor, num momento em que a inflação do segmento digital já supera a inflação oficial. Lojistas ouvidos afirmam que terão que fazer reajustes. A inflação no on-line foi de 18,8% de janeiro a outubro do ano passado, acima do IPCA e do IGP-M.
Há plataformas que vêm orientando os vendedores a “precificar melhor os seus produtos” para se ajustarem a essas altas, apurou o Valor, que teve acesso a trocas de mensagens entre eles.
A mudança mais importante está partindo do Mercado Livre, que comunicou as alterações a seus parceiros no dia 9 de dezembro. O Valor teve acesso ao texto do comunicado. Procurada, a empresa confirma a decisão. Entre as principais modificações estão a redução nos planos de parcelamentos sem juros, aumento no prazo de recebimento do dinheiro das vendas pelo lojista e redução ou eliminação (a depender do vendedor) do subsídio no valor do frete das entregas feitas pelo Mercado Livre.
No caso do parcelamento, em compras de até R$ 299, após janeiro, passa a valer o parcelamento em até nove vezes sem juros. Entre R$ 300 e R$ 1.499, vale o parcelamento em 10 vezes sem juros. Antes, nas duas situações, não se cobrava taxa em até 12 vezes.
O Mercado Livre passa a ficar mais tempo com os recursos do lojista em caixa. A partir de fevereiro, vendedores com reputação já calculada pela plataforma receberão o valor da venda em 5 a 8 dias úteis após a entrega do produto. O prazo atual é de 48 horas.
Também desde janeiro, houve um aumento, em média, de 3% nos custos de frete que o lojista arca, pelo serviço de frete grátis em produtos de até 30kg. Ainda foram alterados os subsídios: lojistas que vendem para entrega em até 24 horas, e com boa reputação na plataforma, passaram a ter subsídio de 10% da tarifa de envio em 2022 em vez dos 40% praticados em 2021. Essa mudança se aplica a itens novos a partir de R$ 79.
Se a reputação do lojista não for boa, desde janeiro a empresa não concede mais descontos na tarifa do frete grátis. É uma forma de, além de repassar custos, incentivar o vendedor a ter melhores notas.
Por fim, ainda houve modificação na política relativa às aplicações de recursos. Após fevereiro, as contas de pessoas jurídicas deixarão de gerar rendimentos pelo Mercado Pago, o braço de pagamentos do Mercado Livre. Recursos parados em contas rendiam acima da poupança.
Para a varejista, as alterações refletem a piora do quadro econômico no país. “Estamos vivendo um contexto bastante desafiador, com juros e inflação muito fortes, e com aumentos em custos como energia e combustível, que afetam o negócio. Temos a pretensão de continuar investindo, mas não passamos ilesos por tudo isso, por isso fizemos alguns ajustes”, diz Julia Rueff, diretora do marketplace do Mercado Livre no Brasil.
Rueff entende que a empresa continua com um conjunto de condições competitivo frente a seus rivais, e não vê risco de perda de lojistas. Até o momento, só Magazine Luiza e Americanas não relataram mudanças em regras. “São ajustes para preservar a nossa proposta de valor, e tudo o que oferecemos e que viemos aprimorando. Somos uma empresa de tecnologia, que demanda contratações, investimentos”, afirma.
“E se você analisar bem, esse aumento de 3% no custo do frete, por exemplo, para uma inflação do combustível muito maior, nós repassamos bem menos. Então foi algo estudado e passado antecipadamente aos lojistas”. Em 2021, a empresa anunciou R$ 10 bilhões em investimento no país, mais que o dobro de 2020.
Também no fim de 2021, a Via (Casas Bahia e Ponto) informou os lojistas sobre a retirada dos descontos em sua taxa de comissão e também promoveu aumentos neste índice. A empresa isentou, até o ano passado, novos vendedores, para atrair mais lojistas, e para outros, reduziu as taxas.
Segundo lojistas, a Via elevou essa taxa em até cinco pontos em relação a 2020. “Eles reduziram [os índices] em parte de 2021 para 2%, 3% a até 5%, e isso chegava a 14% anteriormente. Mas a partir deste ano, a taxa geral [para todos os segmentos] foi a 21%. Para as nossas linhas, a comissão subiu de 14%, em média, para 18%”, disse Jefferson Oliveira, diretor da Viabem, loja de produtos para saúde.
Outra alteração foi na redução do parcelamento sem juros. “Um produto de R$ 100, eles faziam em 10 vezes de R$ 10, sem juros. Agora, dependendo do preço do produto, eles fazem só até três vezes sem juros. Em seis parcelas, estão cobrando 0,99% ao mês, uma taxa que não tinha no ano passado”, afirma o executivo.
“A comissão que a Via trabalhava antes durou muito tempo. Não é sustentável, por isso subiram uns cinco pontos agora”, diz Roberto Wajnsztok, consultor da Origin5, que presta serviços aos lojistas. “Há cobranças de investidores por uma melhora nos números e nas margens das empresas. Além disso, os investimentos dispararam entre 2020 e 2021, isso num setor com vendas mais fracas e consumo incerto em ano eleitoral. É preciso dar uma resposta ao mercado nos próximos balanços, o que explica esse repasses aos ‘sellers’”.
A Amazon começa, em março, a cobrar tarifa de coleta do produto retirado junto ao lojista. E em junho, passa a cobrar também tarifas de armazenamento de produtos nas suas centrais e de remoção de estoques (quando o vendedor pega de volta os seus produtos nas centrais da Amazon). As informações vêm sendo repassadas aos vendedores desde setembro. A empresa mantém suas taxas de comissão, de 8% a 16%.
Procurada, a Amazon se pronunciou sobre o assunto. Disse que comunicou os lojistas sobre a gratuidade temporária desses serviços, com prazo de término da isenção destas tarifas. Porém ressaltou que a taxa de comissão cobrada pelos serviços de logística (taxa do “fulfilment”) continua a mesma e que fez algumas revisões nas comissões de quatro segmentos em setembro. São eles: produtos para bebês (12% para 10%), saúde e cuidados pessoais (14% para 10%), beleza (13% para 12%) e produtos para petz (12% para 10%). A empresa atua em mais de 30 categorias.
“A Amazon oferece diversas opções [de taxas e serviços logísticos] que permitem com que os vendedores parceiros encontrem a melhor combinação” para seu negócios, disse na nota. Perguntada sobre a razão da cobrança de novas tarifas, a Amazon não se manifestou sobre esse assunto.
Na avaliação de Gabriel Lima, presidente da consultoria Enext, grandes grupos com maior fôlego financeiro, como Amazon e Mercado Livre, têm mais condições de suportar certas pressões em custos e eles “até poderiam repassar de forma mais forte esses aumentos inflacionários e de juros”, disse. “Aí que mora a questão. Pode ser que eles ainda venham com mais ajustes caso percebam que isso seja necessário, e a depender de como o mercado se comporta depois que eles fizeram esses movimentos”, afirmou o executivo. A Enext atua junto a lojistas de diferentes categorias e marketplaces.
“Como os vendedores veem valor no serviço que essas duas empresas oferecem, há um certo entendimento pelos sellers desses ajustes. Mas isso não deve mudar o cenário de competição. Temos contatos com o Mercado Livre e eles querem que dobremos nossa meta de vendas [dos clientes da Enext] em 2022 versus 2021. É bem agressivo”, afirmou. “Não há sinal de retomada mais forte no consumo, e as empresas devem ter que administrar essas metas com a realidade do mercado”, disse.
Para Oliveira, da Viabem, será preciso repassar parte desses aumentos ao cliente. “Nossos custos internos também subiram, e que se somam a essas mudanças nas regras”, diz.
O Magazine Luiza afirma que não alterou suas condições de contrato, com taxa de comissão em 12,8%, podendo chegar a 16% quando há pedido de antecipação do pagamento. Mas vê um processo de normalização no mercado, após a fase de taxas mais “promocionais”. A empresa não informa se fará ajustes no curto prazo.
“O que se vê é uma normalização nas condições frente a um mercado mais pressionado por inflação e juros. A plataforma precisa ser sustentável e o ‘seller’ ter condições de gerir esses custos e ter as suas margens positivas. Tem que funcionar para os dois lados”, diz Leandro Soares, diretor executivo do marketplace do Magazine Luiza.
Fonte : https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/01/13/custo-alto-e-busca-por-margem-mudam-condicoes-no-marketplace.ghtml