Shopping Center: A prosperidade baseada na experiência

Imagine o seguinte cenário: é sábado, hora do almoço, verão no Brasil. Para os entusiastas, existem as praias, os parques e os dias de descanso em casa. Mas você está com calor demais para isso, não está no clima para fazer comida e precisa comprar um presente para aquele amigo que faz aniversário amanhã. É uma opção pedir algo para comer pelo aplicativo ou aproveitar a entrega rápida daquele seu marketplace favorito para o presente, mas hoje o dia pede algo a mais: uma experiência. Afinal, é para isso que existem os shoppings centers.

Claro que você vai de carro e lembra que tem desconto no estacionamento ao fazer as compras de mercado e – por que não? Já estamos aqui mesmo – lembra que precisa de algumas coisas para passar a semana. Dentro do shopping está fresco, o verão tórrido ficou lá fora, a praça oferece uma cartela variada para a alimentação e, depois de achar o presente ideal para o seu amigo, ainda dá tempo de pegar um cineminha.

Este é o cenário pintado por Leonardo Cid Ferreira, Chief Strategy & Technology Officer da brMalls. O executivo foi convidado para a entrevista desta edição da revista E-Commerce Brasil para falar sobre a crescente integração entre o universo dos shoppings centers com o comércio eletrônico e foi categórico a respeito do elemento principal: o que importa é a experiência.

Um estudo realizado pela Canuma Capital mostrou que as vendas online no Brasil superaram as vendas realizadas em shoppings centers em 2021. Os e-commerces atingiram faturamento de R$ 260 bilhões no período, enquanto os shoppings registraram cerca de R$ 190 bilhões. É uma ultrapassagem histórica, mas…

De acordo com esse mesmo estudo, os shoppings perderam aproximadamente R$ 35 bilhões de vendas para o e-commerce, além de outros R$ 15 bilhões de serviços devido à menor circulação de pessoas. Isso não parece ser um problema para Ferreira, que vê uma retomada na circulação dos shoppings e uma interligação cada vez maior entre as vendas que são feitas no digital, mas saem de uma loja dentro do shopping até o consumidor, por exemplo.

Ele defende que as vendas físicas continuam tendo o seu valor e consegue ver a tecnologia unindo o melhor dos dois mundos.

E-Commerce Brasil: Como funciona hoje a integração dos shoppings centers com o universo de compras online?
Leonardo Cid Ferreira: Do ponto de vista do consumidor, eu entendo que o shopping tem um papel de entretenimento barra consumo. É muito claro que a partir do momento que o shopping tem esse papel, ele tem uma tendência de ter uma venda maior do que o digital naquilo que são produtos baseados na experiência. Já o digital vai sempre ganhar do shopping nos produtos que são de comodidade.

Eu não vou sair da minha casa para comprar uma trena ou uma caneta, por exemplo. Vou para o shopping para pesquisar e me divertir, porque o consumo tem a ver com entretenimento. Então eu acho que essa jornada do consumidor oscila muito e em algumas horas ele vai preferir fazer a compra no shopping e em outras horas no digital.

Dependendo do momento da jornada do consumidor, o shopping é mais importante que o digital e vice-versa. É por isso que investimos, com sucesso, nessa integração, de juntar o play do digital com o físico para alavancar o shopping.

O que tem funcionado muito são os programas de fidelidade, porque a gente sabe que o consumidor é mais fiel ao shopping do que a uma loja específica. Então, se conseguirmos servi-lo tanto nesse momento de comodidade, quando ele está em casa, quanto nesse momento de entretenimento, o shopping se fortalecerá.

ECBR: Você acredita que de alguma forma a existência dos shoppings centers pavimentou o caminho para os e-commerces ou os ajudou de alguma forma a serem o que são hoje?
LCF: Acho que não, o shopping não teve um papel relevante para o comércio eletrônico até então. Isso começa a acontecer a partir de agora, com o consumidor mais conectado com as lojas, com novas ferramentas de comunicação entre os dois lados, avanço da tecnologia, o poder de comprar e retirar na loja.

Há 15 anos, para você falar com uma loja, era necessário ir até lá ou ligar. Hoje você tem o WhatsApp do vendedor, então a jornada está mais integrada e mais livre. Agora, com o compre online e retire na loja, o shopping está começando a ter uma participação maior dentro do comércio eletrônico. O shopping ganha relevância quanto mais integração tiver nesses dois mundos.

ECBR: Como os shoppings planejam se modernizar para atender consumidores cada vez mais digitais e omnichannel?
LCF: Essa é a grande pergunta. Eu brinco que não existe mídia digital e varejo digital. Existe mídia e varejo para o mundo que é digital e para um consumidor que é digital. É difícil hoje ir a um shopping e não pesquisar produtos e preços alternativos ao fazer uma compra, a não ser que você já vá com a intenção de comprar algo específico e que já saiba o preço.

Na jornada do consumidor, o shopping tem um papel de entretenimento muito grande e agora assume esse papel de se digitalizar para atender o consumidor onde quer que ele esteja.

Para mim, não faz o menor sentido que um consumidor que está na Bahia compre algo que será despachado de São Paulo sendo que este mesmo produto está disponível no shopping mais próximo da casa dele, que é frequentado com frequência. O certo é o produto sair deste shopping perto dele ou que seja retirado da próxima vez que ele for lá para passear.

O que nós temos feito na brMalls é criar a tecnologia e os serviços que são necessários para atingir o objetivo de expedir o produto para o consumidor mais próximo quando ele decidir realizar uma compra nesta região. Isso é uma obrigação, uma meta nossa.

Isso tudo entregando de forma mais rápida, com um custo melhor e com menos desperdício. No exemplo da caneta ou da trena, ao comprá-las online, muita coisa vai acontecer no meio do caminho: alguém vai separar esses materiais, vai embalá-los com plástico ou papel e em uma caixa. Depois isso será colocado em um caminhão ou até mesmo em um avião e isso tudo gera um desperdício de tempo, dinheiro e recursos naturais. Essa mesma trena ou essa mesma caneta enviadas de alguém que está a dois quilômetros de distância tem menos desperdício e pode envolver a comunidade, o que barateia para o consumidor, melhora o mundo – do ponto de vista de recursos naturais – e beneficia o lojista local, que está no shopping e não se beneficia ainda desse ecossistema tão bem como ele deveria.

ECBR: Nesse assunto ainda, você acredita que áreas instagramáveis para que as pessoas postem sobre o shopping nas redes sociais, pontos de coleta ou uso do espaço dos estacionamentos para outras atividades pode ser interessante para juntar varejo físico e eletrônico?
LCF: Não sei se para juntar o físico e o eletrônico, mas a gente usa os nossos estacionamentos para entretenimento, usamos clique e retire e a compra pelo WhatsApp já está em todos os nossos shoppings administrados e isso, sim, ajuda na venda digital.

O que acreditamos que seja importante é também o shopping não perder a essência dele, porque o shopping center no Brasil engloba temas importantes de segurança, conveniência e climatização. É um lugar de convívio para a família, independente da faixa etária: entretenimento para as crianças, restaurantes para os adultos, o próprio passeio pelo shopping, as lojas que estão lá… então essa experiência de ir até o shopping não é replicável para o digital.

[O shopping] consegue apoiar as jornadas digitais, mas isso tem um limite, pois existem certas coisas que vão acontecer puramente no digital e outras que vão acontecer puramente no físico.

Os espaços instagramáveis, as promoções e os programas de fidelidade vão ajudar os shoppings a reter clientes, a terem mais tráfego e fluxo de pessoas lá dentro, enquanto o digital retém os consumidores de conveniência ou de produtos que não estão disponíveis na região do consumidor.

No final das contas, é uma combinação de coisas e o nosso objetivo não é que as pessoas só comprem online ou só comprem no físico, mas sim que tenham a melhor experiência e sejam bem-servidas, com o melhor custo possível e gerando benefício e relevância para os consumidores.

ECBR: Ainda existe rixa entre o comércio físico e o eletrônico?
LCF: Eu sou de um tempo em que os gerentes de loja escondiam o estoque do e-commerce. Em uma loja, você precisa ter estoque para vender e você é comissionado por aquilo. Se você sabia que ia vender no físico no fim de semana e entrava uma venda no e-commerce e “roubava” o produto, era um dinheiro que, potencialmente, o gerente de loja poderia perder.

Mas evoluímos muito nos últimos anos e isso já não é mais assim. Alguns players, como a Reserva e a Arezzo, impulsionam os vendedores para incentivar a venda online da marca através das lojas físicas. Isso é um tema de investimento a longo prazo e muitas lojas não fizeram esses investimentos, então não conseguem ainda usar essas estratégias.

O franqueado não precisa mais ficar chateado que a matriz venda direto para um consumidor perto do CEP dele, pois a tecnologia hoje resolve esse tipo de situação. Se o consumidor for fiel, ele não vai só no digital, ele vai para o físico também.

Hoje em dia, acho que já vencemos a barreira conceitual da omnicanalidade. O que a gente não venceu ainda é a implementação de processos e de tecnologia que impulsionam isso. Os que já venceram, estão surfando os benefícios disso.

Se eu tenho uma venda no e-commerce, é obrigação da marca orientar a loja mais próxima e passar o meu contato: “Olha, esse aqui é o Leo, ele mora perto de você e ele gosta da nossa marca”. A loja tem mais condição de seguir com esse relacionamento de forma proveitosa do que a matriz.

ECBR: Quais foram as mudanças mais perceptíveis e significativas no comportamento dos consumidores que frequentam shoppings nos últimos anos? E quais seus possíveis motivos?
As mudanças foram grandes, mas menores do que previmos. Lembro que no começo da pandemia a gente tinha a premissa do “low touch economy”, as pessoas ficariam em casa o tempo inteiro, e hoje já estamos voltando em peso para os escritórios e vendo o valor disso. Como construir o valor de uma companhia com todo mundo em home office? É difícil.

As previsões eram de que tudo ia mudar muito e eu não acho que tenha mudado tanto. No tema de shopping, uma das mudanças mais importantes foi a do cinema, pois o conteúdo passa a ser também consumido pelas plataformas digitais – Netflix, Prime Vídeo, HBO, Disney Plus, Globo Play etc – com conteúdo próprio dentro.

Antes o filme do James Bond, por exemplo, saia no cinema e se você não fosse lá assistir, só depois de seis meses poderia ver. E isso acabou, é uma mudança mais estrutural e não quer dizer que o cinema tenha acabado. As pessoas ainda adoram ir para lá, muito mais pelo entretenimento do que pela exclusividade do conteúdo. Certamente isso irá mudar na demanda do cinema e no fluxo de pessoas que visitam o shopping. Mesmo hoje, não estamos ainda em um pós-pandemia, mas já vemos sinais claros de volta com um comportamento diferente.

A alimentação também é um tópico importante. Para certos países, a alimentação é parar e se alimentar. Já nos países latinos a comida é entretenimento: você sai para jantar ou almoçar e o restaurante é um espaço de lazer. Durante a pandemia, houve uma grande digitalização dos restaurantes que antes não entregavam e desenvolveram melhores embalagens e melhores formas de entrega. Não dá para ignorar que isso aconteceu, pois essa é uma realidade que veio para ficar e tem potencial para tirar tráfego dos shoppings.

As pessoas também não vão pagar sempre o preço do restaurante para comer em casa, pois o legal é a experiência de ir até o restaurante.

A pandemia também acelerou a compra de certos itens online, o que também não deverá cair com o tempo, haverá um residual. As pessoas aprenderam a comprar online e viraram usuárias de aplicativos de compras. Isso tudo tem um impacto. A pandemia, no entanto, não acabou. Estamos vivendo um novo pico histórico de contaminação e mesmo assim já vemos a retomada dos shoppings e das vendas a níveis pré-pandemia, pois o shopping não é apenas um objeto de compra. Ele é também um objeto de experiência.

O mix de serviços e produtos dos shoppings, inclusive, tem mudado pensando nesse consumidor que mudou, sim, em diversos aspectos, mas não no nível que muitos acreditavam.

ECBR: O que você espera para o futuro do setor?
LCF: O futuro deste setor é muito focado em entretenimento, experiência e é conectado ao consumidor e ao digital para entregar conveniência dentro da casa das pessoas nas regiões em que eles estão localizados.

A gente vai começar a ter cada vez mais clientes fiéis que usam a multicanalidade a favor deles e por isso criamos programas de fidelidade, para fazer com que os consumidores fiquem nos shoppings.

Eu olho para o futuro do shoppings e os vejo conectados com o digital para entregar conveniência com custo baixo, com menos desperdício e um ótimo nível de serviço. Do lado da experiência, eu vejo que os shoppings são cada vez mais necessários para a família e para o entretenimento, adaptando-se a essa questão da experiência. Os shoppings que são somente várias caixinhas de lojas tendem a perder valor. Os que oferecem algo mais para passeio, diversão e gastronomia ganham valor.

Fonte : https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/shopping-center-a-prosperidade-baseada-na-experiencia

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