Clientes reclamam de sumiço de encomendas enviadas por app de transporte

Relatos expõem extravio de produtos enviados para entrega por meio de aplicativos de transporte de passageiros; cliente teve óculos extraviado em BH.

De livro a convites, clientes denunciam o extravio de produtos durante serviço de entrega intermediado por aplicativos de transporte de passageiros. Nas redes sociais, há uma série de relatos de problemas com mercadorias recebidas pelos motoristas parceiros das plataformas, mas que nunca chegaram ao endereço. Uma cliente pediu o serviço para buscar um óculos de grau na quarta-feira (19/7), na Região Leste de BH, a corrida durou sete horas e o pedido não foi entregue.

Ao Estado de Minas, a jornalista Raquel Santiago, de 43 anos, relata ter deixado seu óculos para reparo em uma ótica da qual já é cliente há anos, na terça-feira (18/7). O serviço só ficaria pronto no dia seguinte, e para facilitar a rotina de trabalho e cuidado dos filhos ela decidiu pedir a entrega por aplicativo. “Além do dinheiro, iria economizar um tempo que eu não tinha disponível”, disse.

Ela, então, pediu um Uber Flash para buscar o acessório no bairro Santa Efigênia, na Região Leste de Belo Horizonte, e levar até sua casa no Minaslândia, na Região Norte. O pedido foi aceito às 12:23, o motociclista foi até a ótica, pegou o óculos e levaria cerca de 20 minutos para chegar ao destino. A corrida, no entanto, só foi encerrada sete horas depois, às 19:28, sem que a encomenda fosse entregue.

“O tempo foi aumentando. Isso durou a tarde inteira. Aquilo foi me causando um estresse. A vontade que eu tinha era chorar, você se sente impotente”, relata. Com a corrida finalmente encerrada, o valor de apenas R$12 passou para R$89,69. Durante todo período, o motorista não respondeu as mensagens e ligações de Raquel. “Sumiu, não me atendeu. Cheguei a ficar preocupada que tivesse acontecido alguma coisa, que ele estivesse passando mal”, conta.

Sem conseguir contato com o motorista, Raquel procurou a Uber. A empresa foi categórica em dizer que os itens não são assegurados, portanto “nem os parceiros, nem a Uber, são responsáveis pelos artigos ou seus conteúdos; ou por qualquer perda, ou dano que possam sofrer”, conforme mensagem enviada à cliente. Ela reclama não ter recebido o suporte necessário da empresa. “Fiquei refém do péssimo atendimento. Falta de estrutura da empresa, que não consegue monitorar, não consegue fazer absolutamente nada”, reclama.

Com 7 graus de miopia e astigmatismo, Raquel amarga o prejuízo. “Tive que gastar dinheiro com um par de lentes, porque sem os óculos não consigo fazer nada. É algo de saúde, fundamental, uso óculos há 20 anos. Se esse não aparecer, ainda vou ter que comprar outro. Não sei o que um par de óculos de 7 graus vai fazer de bem pra alguém. Estou me sentindo lesada”, afirma. Até a manhã desta quinta-feira (20/7), ainda não havia nenhuma atualização sobre o paradeiro do motorista.

Ela afirma que a empresa ainda realizou normalmente a cobrança pela corrida. “Me cobraram a passagem, primeiro os 90. Imediatamente eu reclamei e voltaram para 12, que eu também não vou pagar. Esse valor não vai me fazer mais rica ou mais pobre, mas onde fica meu direito como consumidora? Meu pedido não foi entregue, e eles ainda vão me cobrar?”, questiona. Após o caso, Raquel registrou um boletim de ocorrência e pretende abrir uma reclamação no Procon.

Reclamações e falta de retorno

O caso de Raquel não é isolado. Nas redes sociais, há inúmeros relatos de clientes sobre produtos extraviados no caminho. O site Reclame Aqui, plataforma em que os consumidores denunciam empresas que não cumprem suas obrigações, acumula uma série de registros do tipo. Nessa quinta-feira (20/7), o Estado de Minas contabilizou mais de 30 reclamações, só no último mês, sobre encomendas perdidas na modalidade de entregas em todo Brasil.

No dia 6 de junho, a manicure Caroline Andrade Medeiros, de 28 anos, solicitou uma moto pelo aplicativo de transporte para fazer a troca de uma roupa em uma loja na Região Centro-Sul de BH. O motociclista passou na casa dela, na Região Oeste de BH, pegou a peça e deveria levar o produto até a loja, depois retornar com a nova mercadoria até sua casa. A corrida, no entanto, foi finalizada pouco tempo depois do início do percurso.

“Quando percebi, chamei o motociclista e ele disse que estava com problemas na moto, e pediu suporte do aplicativo. Depois, não tive mais retorno dele, não respondia as mensagens ou atendia ligação. Procurei a empresa do aplicativo e eles basicamente disseram que não poderiam fazer nada”, contou a reportagem do Estado de Minas. O valor da corrida foi estornado, no entanto, nada foi feito em relação ao produto extraviado. No fim, Caroline saiu com um prejuízo de mais de R$80. Sem saber a quem recorrer, ela preferiu “deixar pra lá” e não registrou boletim de ocorrência.

Raquel conta que depois de publicar o caso em suas redes sociais recebeu diversos relatos de pessoas que também passaram pela mesma situação. “Já aconteceu de várias maneiras. O aplicativo nunca fez nada. Quando postei, uma amiga contou de um par de convites que não chegou, outra pessoa também fala a mesma coisa”, descreve ao Estado de Minas.

No ano passado, um motorista da Uber sumiu com os doces e salgados de um casamento e deixou um prejuízo de R$2 mil. A proprietária de um hotel fazenda de Confins, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, solicitou a entrega por meio do aplicativo Uber Flash, mas o motorista não apareceu com a encomenda. Assim como Caroline, a cliente recebeu o estorno da corrida, mas ficou no prejuízo pela perda do produto. O motorista alegou que a cliente não estava no local, e disse ter sido orientado pela própria Uber a descartar o material.

O que diz a defesa do consumidor?

Advogados ouvidos pelo Estado de Minas afirmam que os danos causados pelo extravio de produtos durante o serviço de entrega são de responsabilidade da empresa, ainda que não haja uma cláusula específica sobre o serviço de transporte por aplicativo no Código de Defesa do Consumidor. “A falha na prestação de serviço é prevista no código. Aquele que falha na prestação de serviço, tem que reparar”, explica Lilian Salgado, especialista em direito do consumidor.

No caso de Raquel e Caroline, a empresa ofereceu um serviço de entrega de mercadoria. Uma vez que a entrega não foi efetivada, a advogada entende que ocorreu falha. “A prestadora de serviço tem o dever de conservar o produto transportado e entregá-lo no destino final”, afirma.

Além de registrar o boletim de ocorrência, ele recomenda a busca por órgãos de defesa do consumidor, como o Procon. Também sugere registrar uma reclamação pelo site do Governo Federal. “Primeiro passo é tentar resolver com a empresa, deixar tudo registrado. Se não houver solução, pode procurar a via judicial”, ressalta.

O desgaste de se envolver uma ação na Justiça, no entanto, é um fator de desânimo para as vítimas. “Ia me dar muito trabalho, deixei pra lá. Não é pouco dinheiro que eu perdi, mas arrumar mais uma dor de cabeça, mais um problema para resolver, não ia ser fácil”, relata a manicure Caroline.

Para a jornalista que teve o óculos extraviado, as empresas de transporte por aplicativo se aproveitam dessa brecha para se isentar da responsabilidade. “Chegaram a sugerir para eu marcar um encontro com o motorista para recuperar meu pertence. Não tenho segurança nenhuma para fazer isso. Eles é quem deveriam se preocupar em me entregar. Saem completamente impunes disso”, afirma Raquel.

O que diz a Uber?

Em nota, a Uber informou que “caso um item tenha sido extraviado e o usuário acredite que foi objeto de furto ou apropriação indébita pelo parceiro, a Uber encoraja que, além da denúncia no aplicativo, seja feito um boletim de ocorrência para que as autoridades competentes possam investigar o ocorrido. A Uber está à disposição para colaborar fornecendo os dados necessários, nos termos da lei.”

A nota prossegue: “É importante ressaltar que, no Uber Flash, usuários podem solicitar a motoristas parceiros viagens para o transporte de objetos como pacotes, presentes, documentos e outros artigos pessoais, de porte médio ou pequeno, que possam ser acomodados com segurança no porta-malas do veículo. Não é permitido enviar itens de valor ou cujo transporte seja proibido por lei ou pelas regras da categoria. Itens essenciais e/ou com valor superior a R$ 500 não podem ser transportados, de acordo com os termos de uso da modalidade de serviço. Antes de cada solicitação, as regras do Uber Flash são exibidas no aplicativo para que o usuário possa verificar e concordar antes de seguir com o pedido.”

‘https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2023/07/20/interna_gerais,1522739/clientes-reclamam-de-sumico-de-encomendas-enviadas-por-app-de-transporte.shtml

 

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