Indústria de consumo sobe preços, perde vendas e prevê mais reajustes

Cenário de custos em alta exige gestão mais rápida para não ficar fora do mercado.

“Foi preciso desligar o piloto automático dois anos atrás e ligar a direção manual […]. Você tem que ficar o mais ágil possível porque não sabe o que pode acontecer. É o desconhecido que me mantém mais preocupado, em estar pronto para reagir”, disse Mark Schneider, CEO da Nestlé, ao ser questionado por um analista, dias atrás, o que o afligia antes de dormir, num ambiente de inflação disseminada. “Hoje não é uma discussão simples tratar de preços, em alguns casos é uma discussão dura”, dizia a investidores o CEO da Danone, Antoine de Saint-Affrique, um dia antes da fala de Schneider. “E há uma combinação certa e sofisticada [na definição de reajustes], para que não fiquemos fora do mercado”.
O que se viu nos últimos dias, por horas a fio, em teleconferências de resultados das maiores indústrias de consumo do mundo foi um esforço em tentar mostrar reação ao difícil quadro atual. Os CEOs precisaram se posicionar, em parte, porque analistas colocaram a política de preços e a gestão de custo no centro da discussão.
A crise da pandemia e a guerra no Leste Europeu expuseram a necessidade de as empresas enfrentarem algo que as gestões atuais não haviam encarado até então: uma escalada inflacionária em mercados consumidores muito diferentes, em termos de estruturas de custos, de hábitos, de tolerância a reajustes, e num quadro de estagflação já beirando o risco de recessão. “A inflação não foi um fator complicador em todas as crise recentes. Mas ela é hoje, com tensões convergindo entre o segundo semestre de 2022 e de 2023”, escreveu num artigo na semana passada, Austin Kimson, vice-presidente da consultoria Bain & Company.
Em comum à maioria dos grupos, cujos balanços de abril a junho e do semestre foram publicados em julho, há aumentos de preço nos últimos meses de até dois dígitos (20%), no mundo e na América Latina, para compensar a alta em custos da cadeia de produção – o volume de vendas caiu.
O Brasil foi afetado pelas políticas de reajustes e é citado nas teleconferências pelos executivos de quatro das oito companhias que publicaram resultados. Estão nesse grupo Unilever, P&G, Kimberly-Clark, Nestlé, Danone, Coca-Cola, Whirlpool e Electrolux.

No mundo, cinco das oito companhias subiram preços e venderam quantidades menores de abril a junho, o que tende a reduzir alavancagem operacional e eficiência – apenas Coca-Cola, Nestlé e Danone reajustaram sem perder volume. Em junho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a pedir que comércio e indústria dessem “um freio na alta de preços” e sugeriu atualizar as tabelas só em 2023. Na época, em conversas reservadas, executivos da indústria e do varejo descartaram a hipótese – é preciso recompor venda líquida e margem de lucro.
Analistas, ao comentar a dose dos reajustes, observam que as empresas estão dentro de um cálculo de perda “aceitável” de volume. E reconhecem que a inflação avançou mais do que previam. Ações comerciais têm sido revisitadas em espaço mais curto de tempo, inclusive com mudanças de rotas. Há um visível esforço por parte das indústrias de se agarrarem ao “valor” de suas marcas para sustentar suas estratégias.
Para Marcos Gouvêa, diretor-geral da consultoria Gouvêa Ecosystem, “empresas brasileiras navegam bem por esse cenário, porque é um ambiente que conhecem, mas não é regra”. Observa que “os CEOs, pelo mundo, estão tendo que avaliar mais, testar mais, rever rápido o que não funciona, num ambiente em que consumidor de várias partes do mundo está muito ressabiado e buscando o essencial pelo menor valor possível. E com muito mais opções de marcas”.
A expectativa é que os custos continuem pressionados e os repasses se estendendo pelo restante do ano, de forma disseminada no mundo. O Brasil que chega a representar metade das vendas dos grandes grupos, não deve ficar fora desse cenário.
Na Unilever, por exemplo, o CEO Alan Jope disse a investidores, no fim de julho, que a companhia repassou, até agora, 70% dos aumentos de custos sentidos na América Latina após a pandemia.
Houve aumento de 21,7% nos preços nos países latinos e o volume caiu 4%, com vendas crescendo 17%. Foi o maior reajuste para um trimestre desde 2017 na região. De janeiro a março, os preços já haviam subido 16,4% e o volume encolheu 5,7%. Jope diz que a perda em volume está “muito em linha com as expectativas” e ainda conta que foi preciso fazer esses reajustes na região “para proteger a capacidade de investir nas marcas” – o que também pode ser interpretado como forma de evitar baque maior em rentabilidade, que caiu no trimestre na América Latina.
A decisão de reajustar preços, em um cenário com risco de recessão, também foi citada pelo comando da Coca-Cola a analistas no fim de julho. James Quincey, seu CEO, diz que no mundo a empresa vem tentando não perder o “timing” dos repasses. No Brasil, dados do IPCA/IBGE mostram que refrigerantes e águas subiram quase 11% em 12 meses, até junho. Só em abril, subiram 2%.
“Nós temos hedge [proteção] para as commodities, mas temos visto inflação bem mais ampla no restante. E assim que eles repassam, nós passamos. E já repassamos um bocado. E continuaremos passando em cada país, porque eles são muito diferentes entre si”, disse o CEO da Coca.
É um ajuste fino, cujo risco maior é errar a mão e acabar perdendo mercado. “A maior dificuldade hoje é decidir quando e quanto aumentar preço porque há risco de repassar muito rápido e perder ‘share’ ”, disse Richard Pelz, sócio da Bain na Alemanha, numa apresentação na semana passada sobre os desafios da indústria.
Nos países latinos, de abril a junho houve alta de 12% nos preços do portfólio da Coca-Cola e no valor do “mix” vendido (com efeito da hiperinflação da Argentina), e o volume cresceu 9%. De janeiro a março, já haviam repassado 19%.
Quincey disse que nos países latinos decidiu “alavancar campanhas de marketing atraentes”, depois da companhia ter perdido participação de mercado no início do ano. Após as ações, “as perdas melhoraram”.

Na busca por soluções de efeito rápido, a estratégia de investir mais em marketing vem sendo repetida por outras companhias, como a P&G, dona de marcas como Ariel e Pantene. Sua direção falou recentemente a analistas sobre ventos contrários “significativos” ao longo do ano, mas também citou a “superioridade irresistível” de seus produtos para mostrar “valor” aos compradores. A P&G aumentou preços no mundo em 8% de abril a junho e perdeu 1% em volume de vendas.
“Explorar a marca é uma forma de driblar a desconfiança, criar uma conexão com o consumidor. Mas é difícil saber se isso será bem-vindo num mercado tão pragmático e com marcas próprias mais maduras”, diz Gouvêa. “Uma das questões agora é como proteger o valor da marca e mostrar realmente diferenciação para as marcas de menor preço”, afirma Pelz.
Sobre isso, Schneider, da Nestlé, fez uma ressalva em sua conversa com analistas. Disse que “as cadeias de suprimentos de marca própria também estão sentindo o aperto e alguns deles ainda estão enfrentando problemas para se recuperar”. Para Schneider, tudo “está se movendo muito rapidamente” em relação a preços, hábitos, seguido dos problemas de inflação e da crise da cadeia de suprimentos – ou seja, muitas variáveis juntas ao mesmo tempo. “Geralmente os sistemas de uma grande empresa não estão prontos para isso”.
“Quero dizer, estávamos preparados como todo mundo para uma evolução mais suave”, ressaltando que outros reajustes devem ser feitos no segundo semestre.
Dentro dessa necessidade de saber a hora certa de se movimentar, a Kimberly-Clark, dona das marcas Neve e Intimus, fez ajustes na rota. A investidores, dias atrás, o comando disse que busca trabalhar a questão de forma “ponderada”, mas conta que houve “alguns atrasos dos concorrentes [no repasse] de preço nos países em desenvolvimento e nos emergentes, e com isso a participação de mercado enfraqueceu um pouco”. Isso foi feito com a intenção de priorizar a recuperação de margens de lucro.
“Reconhecemos que avançamos mais rápido do que alguns concorrentes […] E nossas diferenças de preços para eles estão aumentando um pouco”, disse o CEO Mike Hsu. “Estamos mantendo muita atenção a isso agora”. Nos países emergentes e em desenvolvimento, os preços subiram 12% de abril a junho (acima dos 9% geral), enquanto os volumes caíram 6%.
Saint-Affrique, da Danone, disse a analistas que em países como Rússia e Brasil há uma “enorme” elasticidade de volume e preços. Nesses casos, aumentos podem levar uma marca a perder vendas facilmente. “Lugares como EUA ou França há limitada a nenhuma elasticidade […]. Para ser honesto, é um pouco desconhecido o espectro dessa reação”, disse o CEO. A Danone diz que se “prepara para o pior”, olhando a força da marca, do portfólio e a sensibilidade dos clientes. “Isso é para ter certeza de que temos um portfólio pronto caso as coisas fiquem mais difíceis”.
Procuradas pelo Valor para falar dos resultados no Brasil, Danone, Nestlé, P&G, Unilever e Coca, não se pronunciaram. A Kimberly-Clark diz que não comenta dados segmentados e que os resultados do segundo trimestre refletem “os esforços de suas equipes em um ambiente desafiador e dinâmico”.

Fonte : https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/08/08/industria-de-consumo-sobe-precos-perde-vendas-e-preve-mais-reajustes.ghtml

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China indica expansão abaixo da meta, o que afeta demanda global

Os governantes chineses praticamente admitiram que o país não cumprirá sua meta de crescimento de 5,5% neste ano e sinalizaram que manterão as medidas de tolerância zero de sua política de combate à covid-19 e adotarão passos cautelosos para apoiar o mercado imobiliário, que está em dificuldades.

O Politburo da China, principal órgão de formulação de políticas do Partido Comunista, informou em comunicado divulgado em 28 de julho, depois de sua reunião econômica trimestral, que pretende manter a economia em funcionamento dentro de “uma margem razoável” no segundo semestre. Também pediu às províncias mais fortes que se empenhem para atingir suas metas anuais de crescimento – um reconhecimento implícito de que as outras não conseguirão fazê-lo.
Poucos economistas esperam que a China cumpra sua meta oficial deste ano de expansão de 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB), especialmente depois que Pequim anunciou um crescimento de apenas 0,4% no segundo trimestre, em comparação com o ano anterior.

Embora a meta de 5,5% já seja a mais baixa da China em um quarto de século de planejamento econômico, uma taxa de crescimento ainda menor teria implicações para a enfraquecida economia mundial, que nos últimos anos passou a depender da China como um vasto mercado e um elo vital das cadeias de fornecimento.
Nos últimos meses, a economia chinesa foi atingida por uma série de problemas, como os distúrbios no comércio por causa da guerra na Ucrânia, a rápida disseminação da variante ômicron do coronavírus por todo o país e uma forte desaceleração do setor imobiliário, um pilar da economia chinesa que, segundo alguns especialistas, responde por até um terço do crescimento do país como um todo.

Ao contrário da reunião econômica anterior, em abril, desta vez o Politburo não mencionou explicitamente a meta de crescimento de 5,5%. Limitou-se a declarar que os líderes “se esforçariam para alcançar os melhores resultados possíveis” e manter a economia dentro de “uma margem razoável”.
“A meta de crescimento de 5,5% não é mais um imperativo”, disse ontem Iris Pang, economista-chefe para a China do ING Bank. Ela classificou as medidas de combate à covid do país como o maior desafio à economia no restante do ano. Pang elogiou a decisão de Pequim de engavetar na prática meta de crescimento e disse que é uma atitude inteligente, que evitará o desperdício e a ineficiência de um grande pacote de estímulo fiscal.

No comunicado, o Politburo pediu que governos locais apliquem todos os recursos levantados neste ano com a emissão de bônus especiais, mas não anunciou nenhuma cota nova de bônus nem um adiantamento das cotas de bônus previstas para o ano que vem, como muitos economistas esperavam. Isso sugere que Pequim não está em busca de estimular o crescimento de forma drástica. Segundo o Ministério das Finanças chinês, até agora os governos locais já emitiram 93% da cota de bônus especiais prevista para este ano.
Ainda assim, o Politburo anunciou que adotará políticas para expandir a demanda interna e conceder mais empréstimos às empresas que tiveram de suspender a produção devido à covid-19.

O Politburo ainda abordou diretamente dois desafios interligados: a boicote de compradores de imóveis que pararam de pagar o financiamento – o que agravou as preocupações com o setor imobiliário – e o sistema bancário rural, que depende da venda de imóveis.
Como reação, os líderes chineses disseram que trabalharão para resolver o risco no sistema bancário rural e prometeram estabilizar o mercado imobiliário chinês. O Politburo avisou que os governos locais devem assumir diretamente a responsabilidade por garantir a entrega dos imóveis residenciais inacabados e por proteger os meios de sustento das pessoas, ao mesmo tempo em que dão apoio à demanda orgânica por moradia.

Mas os governantes chineses indicaram que não haverá nenhum desvio de seu objetivo mais geral de controlar o setor imobiliário, com a eliminação da atividade especulativa e restrições ao crescimento alimentado por dívida.
Ao reafirmar que “casas são para morar, não para especulação”, o Politburo contrariou a expectativa de alguns economistas de que Pequim adotaria uma abordagem mais proativa para apoiar as vendas e os preços dos imóveis.

O jornal britânico “Financial Times” informou ontem, porém, que Pequim está preparando um programa 1 trilhão de yuans (cerca de US$ 148,2 bilhões) em empréstimos para socorrer o setor imobiliário do país. O plano visaria estabilizar o setor de construção residencial, que está altamente endividado. O banco central chinês, disse o FT, citando fontes envolvidas nas negociações, emprestaria inicialmente US$ 29.64 bilhões a juros baixos para os principais bancos chineses, que canalizariam os recursos para as incorporadoras.
O Politburo também sinalizou que amenizará a campanha regulatória que lançou contra o Ant Group e outras grandes plataformas de internet há quase dois anos, ao anunciar que aprovará um lote de investimentos feitos por empresas de internet.

Desde que os problemas econômicos se agravaram na China, líderes chineses vêm minimizando a meta de crescimento. O fraco desempenho do PIB no segundo trimestre significa que a China precisaria elevar o crescimento econômico para cerca de 8% no segundo semestre para atingir a meta – um resultado implausível na falta de alterações significativas na política de covid-zero Pequim.

No fim de junho, numa visita à cidade de Wuhan, onde a covid-19 irrompeu pela primeira vez, no início de 2020, o presidente Xi Jinping disse que preferia que a China aguentasse um sofrimento econômico temporário do que permitir que a covid comprometesse a saúde pública. Disse ainda que o governo “se esforçaria para alcançar um desenvolvimento econômico relativamente bom neste ano”.

O premiê Li Keqiang, também mudou o tom na semana passada, dando menos ênfase à meta. Ele disse que Pequim não recorreria a medidas maciças de estímulo para cumprir “uma meta de crescimento excessivamente alta”. E acrescentou que a prioridade é manter os empregos e os preços estáveis.

Fonte : https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/07/29/china-indica-expansao-abaixo-da-meta-o-que-afeta-demanda-global.ghtml

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