Polarização no varejo revista e ampliada

A visão histórica da polarização no varejo, que considerava os dois polos extremos valor e emoção, deve ser revista e repensada para destacar o terceiro e cada vez mais relevante polo da conveniência, que cresceu de importância no período recente de restrições de deslocamento e uso mais intenso dos canais e opções digitais.

No cenário histórico, os dois polos dominantes sempre foram o valor, aquele focado em oferecer mais por menos, e o da emoção, aquele que privilegiava a experiência e as gratificações emocionais.

Os sucessivos períodos de crises e a expansão da vertente racional do comportamento dos consumidores faziam crescer aquelas alternativas que eram focadas em racionalizar, simplificar, atingir maiores volumes, despojar a loja ou o canal, incorporar alternativas para embarcar mais tecnologia e substituir mão de obra, aumentar a participação das marcas próprias e tudo o que fosse viável para reduzir investimentos e custos operacionais e, com isso, poder vender por menores preços.

No mercado internacional e no brasileiro, os formatos e canais que foram beneficiados foram os wharehouse clubs (Costco, BJ’s, Leader Price, Sam’s Club, Atacadão, Assaí, Roldão, etc.), os hard discounters (Aldi, Lidl, Trader Joe’s, etc.), os supercenters e hipermercados (Walmart, E.Leclerc, Mercadorama), os category killers, os especialistas de valor (Uniqlo, Paragon, Primark, etc.), as lojas de saldos de marcas (Nike, Puma, Adidas e muitas mais) e outras opções.

Desenvolveram-se inclusive centros comerciais planejados para atender a esse segmento, como os outlet centers e power centers.

Nesse polo, o modelo de negócio é reduzir investimentos, alcançar grande escala de compra e limitar de forma dramática o custo operacional para poder operar com margens brutas menores e mais agressivas.

Antes da pandemia, já era o polo que mais crescia por conta do aumento da competitividade e o apelo do preço baixo num cenário de menor expansão do emprego e baixo crescimento da renda, em particular no Brasil. No período mais dramático da pandemia, com a exacerbação do comportamento racional de consumo, o atacarejo foi o formato que melhor desempenho teve, com crescimento superior a 20% em relação ao ano anterior, seguido dos hipermercados, home centers e farmácias.

No polo da emoção, no qual o varejo tradicional sofre a concorrência das marcas operando canais diretos, como Gucci, Louis Vuitton e Ralph Lauren, dominado pelas marcas de luxo e propostas que privilegiam a experiência e elementos de gratificação emocional, as margens brutas são significativamente maiores, mas os investimentos e custos operacionais podem reduzir a margem líquida final.

O terceiro polo que já vinha crescendo de importância e deu um salto quântico é o da conveniência. Das redes de lojas de conveniência que se multiplicam, buscando estar cada vez mais próximas do consumidor, às lojas autônomas e até ao e-commerce com entregas em horas, como se tornou o novo patamar de competição no mundo mais maduro e inclusive no Brasil.

Tudo indica que, na disputa acirrada pelo protagonismo dos maiores jogadores do competitivo canal de e-commerce, será oferecido cada vez mais em termos de serviços e conveniência para conquistar a preferência dos consumidores. Mesmo que com sacrifício de margens e rentabilidade e reeducando consumidores com respeito ao que têm direito.

A pandemia só acelerou a percepção dos benefícios e diferenciais dessas alternativas, seja pelas questões que envolvem limitações de deslocamento, seja porque o consumidor tem cada vez menos tempo e tem sido “educado” para comparar as ofertas e propostas que a concorrência crescente desenvolveu.

É a mesma lógica pela qual as drugstores nos Estados Unidos se converteram em lojas de conveniência que até vendem remédios, estratégia que alguns players no Brasil, como Drogarias Araújo, a partir de Minas Gerais, ou Pague Menos, no Nordeste, têm adotado.

O segmento de foodservice pode ser analisado na mesma perspectiva de conveniência, ao combinar serviço e conveniência com produtos para entregar solução. Esse setor antes da pandemia já crescia muito mais em relação à compra de alimentos para preparo em casa e aproximava o Brasil dos patamares de países mais desenvolvidos, nos quais chegava a representar próximo de 50% dos dispêndios com alimentos.

Na fase mais aguda da pandemia, o delivery, expressão maior da conveniência no foodservice, foi o segmento que maior crescimento apresentou. E a expansão quase que contingencial da demanda combinada com a ampliação e melhoria da oferta de opções assegurou um outro patamar de participação no negócio de alimentos e reconfigurou de forma marcante o setor, porém, com super e hipermercados demorando para se reposicionarem para não perderem participação no todo dos negócios de alimentos.

Na busca de seu reposicionamento como Ecossistemas de Negócios, as maiores redes de super e hipermercados estão perdendo participação no segmento de alimentos, de um lado por causa do crescimento do varejo de valor dos atacarejos e, de outro, para os operadores novos ou tradicionais de foodservice, com suas mais amplas alternativas, especialmente pela opção do delivery com multiplicação da oferta.

O crescimento da importância do polo da conveniência no mapa da polarização do varejo é mais um dos aspectos acelerados pela pandemia e que reconfigura a realidade de mercado para além do que temos enxergado como processo transitório e circunstancial. E, como sempre, criando novas oportunidades e algumas ameaças sobre as quais vale a pena refletir, projetar e agir.

Nota: Durante o Latam Retail Show virtual, de 14 a 16 de setembro, ocorrerá ampla discussão sobre as transformações que a realidade vivencia pós-pandemia e seus impactos nos negócios, no mercado, no consumo e no varejo potencializadas pelas mudanças que ocorrem no cenário mais amplo que envolve a emergente Sociedade 5.0, macro tema do evento deste ano.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.

Fonte : https://mercadoeconsumo.com.br/2021/08/02/polarizacao-no-varejo-revista-e-ampliada/

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Ecossistemas invadem o varejo tradicional

Conheça o modelo de negócio que já opera em 1,3 milhão de lojas na China.
Muitos ainda se perguntam se as lojas independentes terão espaço entre os gigantes e faz sentido a dúvida, uma vez que esse formato de negócio fica pressionado pelos gigantes do setor com maior poder negociação, musculatura, produtividade e infraestrutura.

Na visão de Ecossistemas de Negócios da gigante Alibaba, essas lojas fazem parte da sua estratégia para ampliação do seu espaço no setor de consumo e varejo. A empresa lançou em 2018 uma iniciativa batizada de Ling Shou Tong (LST, em uma tradução livre “varejo integrado”). Trata-se de um conjunto de soluções desenhado para que varejistas pequenos e independentes – chamados também de lojas Mom & Pop – possam ser rapidamente digitalizados, ganhem infraestrutura dos gigantes varejistas e possam competir de igual para igual com tais empresas.

Nesse primeiro momento, a iniciativa está focada nos mais de 6 milhões de lojas de conveniência independentes espalhados por todo o país. Desde o lançamento do LST, o Alibaba já alcançou a marca de 1,3 milhão de lojas usando seu sistema, o que representa um sexto do mercado, aproximadamente.

O conjunto de soluções, também apelidado de Digitalization in a Box (digitalização em uma caixa), é uma plataforma na nuvem (desenvolvida nos últimos dez anos e testada na sua rede de supermercados Hema) na qual os varejistas tradicionais podem utilizar os sistemas do Alibaba para gerir integral ou parcialmente seus negócios. Dessa forma, eles passam a ter acesso a toda a infraestrutura e podem equiparar forças com os gigantes do varejo.

Ao adotar o LST, essas lojas independentes passam a ter as seguintes competências ao seu dispor:

Dados e inteligência: a plataforma permite que os proprietários de lojas tenham acesso a relatórios completos de gestão, sugestão de ações e retorno esperado por elas. Uma dessas funções é a sugestão de sortimento de acordo com o perfil da loja e da população do seu entorno.
Omnicanalidade: a loja passa a ter integração completa com as soluções digitais do Alibaba, como identificação do consumidor usando o mesmo app e login do Alibaba, acesso aos meios de pagamento e pagamento com um clique, programas de fidelidade, e-commerce, acesso à rede logística para entrega na casa do consumidor, visibilidade na internet, etc.
Experiência do consumidor: o consumidor pode usar a sua conta/app do Alibaba (praticamente todos os chineses com um smartphone no bolso têm uma conta na empresa) para interagir com a loja, podendo receber ofertas customizadas 1:1, cupons e sugestões de compras. A loja, por sua vez, tem acesso a um sistema de CRM para se comunicar com esses consumidores, customizar e fazer o push de ofertas.
Pricing: o sistema também faz uma sugestão de estratégia de preço por categoria e orientações de oportunidades de mudança de preço por SKU para maximizar a maior venda/margem.
Gestão: a plataforma e nuvem oferece um sistema completo de gestão da loja com funções para o back e frontoffice.
Compras: o Alibaba possui um enorme poder de negociação com os fornecedores, não apenas pelo volume de compras que fazem, mas também pelo domínio dos dados e do canal de acesso aos consumidores. Consegue, assim, preços imbatíveis e muito mais competitivos que as lojas independentes, que não têm poder de negociação e precisam se abastecer em distribuidores locais ou em atacados. Em vez de ter de lidar com algumas dezenas de fornecedores, as lojas podem fazer suas compras diretamente na LST e o Alibaba usa toda a sua infraestrutura logística para entregar as mercadorias compradas diretamente nas lojas independentes em D+1 para itens de giro mais rápido e de D+2 para itens de giro menor. Esse acesso de compra de mercadorias a um preço muito mais baixo é um dos principais fatores de atração para converter as lojas independentes.
Abastecimento: a gestão do estoque e abastecimento é uma atividade que toma muito tempo das lojas independentes, portanto a LST oferece um sistema de monitoramento do estoque, sugestão de reabastecimento, opção de abastecimento automático e previsão de sazonalidade futura.

O acesso e uso da plataforma é gratuito para as lojas e o Alibaba usa uma estrutura de parceiros regionais que cuidam da captação de novas lojas clientes, da instalação, treinamento e manutenção dos sistemas, em contrapartida esses parceiros recebem uma comissão das compras que as lojas realizarem dento da LST. O Alibaba alega que em média o aumento de vendas das lojas é de 30%.

As indústrias também veem valor nessa operação, uma vez que agora podem estar conectadas com essas lojas antes inacessíveis e que não eram atendidas diretamente por elas nem por seus distribuidores diretos por causa do seu baixo volume de vendas. Com o LST, a indústria passa a ter um canal de comunicação direto com elas, o que possibilita o desenvolvimento de campanhas coordenadas e pulverizadas em todo o país. Além disso, o LST permite que a indústria identifique pontos de venda que tenham sinergia com suas marcas e produtos, mas que ainda não os vendem ou que têm venda inferior ao esperado. Já são mais de 3.500 fornecedores integrados no LST.

É uma estratégia ambiciosa e ousada do Alibaba que permite aumentar o volume de negócios dentro da sua plataforma, impulsiona a venda dos inúmeros serviços do seu ecossistema (serviços financeiros, por exemplo), garante presença da empresa no varejo físico e em regiões/cidades que estavam fora do seu alcance. Além disso, é existe o volume enorme de dados que passam a ser de propriedade da empresa e que permitem entender e rastrear o comportamento do consumidor online e agora também off-line, assim como a massa de novos clientes que passam a usar a plataforma.

E no Brasil?
A Nestlé é uma das indústrias que usa o LST na estratégia de comunicação e distribuição.
Os principais Ecossistemas de Negócios em operação no mercado brasileiro já caminham com iniciativas convergentes com o tema deste artigo, ou seja, estão desenvolvendo uma robusta estrutura de tecnologia, know-how e infraestrutura que possibilita a conexão de outros varejistas no seu ecossistema.

O Magalu, por exemplo, anunciou há pouco tempo que ambiciona ser o “sistema operacional do varejo brasileiro”, ou seja, a visão é não ser apenas um varejista ou um marketplace, mas sim atuar provendo soluções digitais e físicas para todo e qualquer varejista no Brasil. A empresa investiu pesado nos últimos cinco a dez anos estruturando sua tecnologia, desenvolvendo sua infraestrutura, sua logística, digitalizando seus processos, estruturando seus dados, construindo APIs para poder se abrir ao mercado e aos demais varejistas.

A Via (antes Via Varejo) também segue na mesma linha e recentemente anunciou que irá oferecer/vender serviços de logística para empresas concorrentes. O Mercado Livre, por sua vez, também se abre cada vez mais para parceiros de varejo se conectarem no seu ecossistema e anunciou, em junho, a parceria logística com o GPA.

Outro exemplo marcante é o da Amazon Brasil e Global, que se destaca por investir mais em tecnologia do que todos os seus concorrentes diretos somados. A empresa passou a disponibilizar e vender parte da sua infraestrutura para o mercado e para concorrentes. O serviço de processamento em nuvem que foi criado para suportar o marketplace da empresa, por exemplo, se abriu para o mercado e hoje a internet global roda dentro da Amazon e serviços como Netflix rodam inteiramente na AWS, que globalmente representa algo como 15% das receitas da empresa (mas já contribui com mais de 60% do lucro da companhia).

Impactos nas dinâmicas de consumo e varejo
É indiscutível que o mercado está passando por profundas transformações com a rápida mudança de hábitos dos consumidores e o aumento exponencial da concorrência em um mercado onde não existem mais barreiras da competição e todos competem com todos. Os gigantes claramente travam uma guerra pelo primeiro lugar e para garantir seu protagonismo em uma nova corrida do ouro digital. Já os independentes nunca estiveram tão pressionados pelo contexto e mercado e pela crescente concorrência. Por outro lado, o acesso a ferramentas de gestão está mais acessível do que nunca. Suportada pelos movimentos recentes no Brasil e no mundo, nossa visão é que é inexorável que os ecossistemas no Brasil também irão acelerar a integração do varejo independente em seus negócios, agregando e recebendo valor desses players, na visão de que o real poder não está em se fechar, mas sim em se abrir ao mercado.

Fonte : mercadoeconsumo.com.br

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