Quando Fabrício Garcia começou a trabalhar no negócio da família, o Magazine Luiza, em Franca (SP), tinha 13 anos. Nas férias escolares, ao lado do primo Frederico Trajano (atual presidente da varejista), fazia jus à cultura de “barriga no balcão”, uma tradição da família para ensinar às novas gerações da empresa, fundada em 1957, como atender o cliente.
Hoje, aos 44 anos, o atual vice-presidente de operações do Magazine Luiza precisa fazer muito mais pelo consumidor do que mostrar o que tem na loja: 71% de todas as vendas da rede acontecem pela internet.
Levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo aponta que mais da metade das vendas de três grandes varejistas do país é feita online. A despeito das milhares de lojas espalhadas em todo o país, Via (redes Casas Bahia e Ponto), Magazine Luiza e Lojas Americanas têm, respectivamente, 59%, 71% e 76% das vendas realizadas pela internet.
Os números incluem o marketplace, quando vendedores (“sellers”) cadastram seus produtos nos sites das varejistas, que ganham uma comissão sobre a venda.
Uma das medidas tradicionais do varejo –as vendas “mesmas lojas”, do inglês “same store sales” (SSS)– dá um sinal dos novos tempos. O indicador considera só as lojas existentes há um ano ou mais, excluindo as mais recentes, para dar uma amostra do ganho de produtividade e da retenção dos clientes.
Em 2021, a venda nesses pontos físicos cresceu pouco ou caiu nas grandes redes: alta de 0,2% no Magazine Luiza e de 4,6% na Americanas. A Via não divulga o indicador, diz apenas que, nas lojas físicas, a venda caiu 2,3% no ano.
A venda no online, no entanto, saltou em todas as varejistas: 39% tanto na Magalu quanto na Via, e alta de 56% na Americanas.
Isso não significa, porém, que as lojas estejam acabando: nos últimos cinco anos, o número de pontos de venda também aumentou, como aponta levantamento da Folha de S.Paulo. Mas hoje a maior preocupação de Fabricio Garcia, do Magalu, e dos demais grandes varejistas é investir muito mais em tecnologia e logística do que em inauguração de loja, a fim de integrar todas as pontas do varejo e fazer com que qualquer produto chegue ao cliente.
Em 2021, por exemplo, enquanto investiu R$ 222 milhões para abrir 182 pontos de venda, o Magalu aplicou R$ 790,2 milhões em tecnologia e logística. Já a Via destinou R$ 223 milhões para inaugurar 101 lojas no ano passado, período em que reservou R$ 601 milhões para tecnologia e logística.
Agora toda loja precisa contar com um espaço maior para o estoque: é de lá que sai o produto comprado online direto para a casa do cliente (ou será entregue ao próprio consumidor que preferir buscar na loja). No Magalu, esse espaço corresponde, em média, a 25% do tamanho do ponto de venda (era no máximo 15% antes da pandemia). Na Via, um quinto do espaço da loja é para o estoque, ante um décimo de poucos anos atrás.
Com os altos investimentos em tecnologia e logística, o grande objetivo é agilizar a entrega e diminuir os custos: a mercadoria não precisa mais ir para um centro de distribuição (CD) distante.
Quanto menor for o prazo da entrega, maior a chance de ganhar o consumidor, que também está interessado em pagar pouco ou nada pelo frete.
“Desde os anos 2000, muita gente achou que a importância da loja física ia diminuir, uma discussão que ficou ainda maior com a pandemia e a explosão das vendas online”, diz Garcia. “Mas a verdade é que as lojas têm um papel fundamental no ecossistema do varejo, como ponto de apoio à logística, em especial quando se trata da capilaridade do mercado brasileiro.”
Nesse novo contexto, as lojas passaram a contar com um lugar para a retirada rápida de produtos comprados online, com drive-thru, e reservam um espaço para separar e despachar produtos dos “sellers”.
Ao mesmo tempo, os vendedores não ficam só com a barriga no balcão: são treinados para tirar dúvidas de clientes e fechar vendas pelo aplicativo. Também aproveitam a visita à loja para tentar vender produtos dos “sellers” cadastrados no marketplace.
“Já vendemos até trator pela internet”, diz Abel Ornelas, vice-presidente comercial e de operações da Via, citando um negócio feito pelas Casas Bahia de Irecê (BA).
Um dos vendedores da loja, que fica em uma região agrícola, vendeu um microtrator a diesel, no valor de R$ 25,7 mil. O produto é de um dos “sellers” da rede, e toda a negociação com o consumidor foi feita virtualmente.
“Antes o vendedor achava que a internet ia tirar venda dele, mas agora considera o online seu aliado”, afirma Ornelas. “Se antes ele tinha 3.000 ou 4.000 SKUs [itens] para vender em loja, agora, com os ‘sellers’, tem 41 milhões”, diz, destacando que metade das vendas digitais da Via passa pelas lojas físicas.
“Vai ficar cada vez mais difícil saber o que é venda online ou o que é venda física daqui para a frente.”
Uma das novidades que surgiram com as lojas fechadas durante a pandemia, a função “Me chama no Zap”, instalada no app das Casas Bahia, continua sendo muito usada.
“O consumidor pesquisa a compra de uma TV de 80 polegadas na internet, por exemplo. Mas ele tem dúvidas e pode entrar no app para falar direto com o vendedor, que tem a chance de fechar a compra ali mesmo ou na loja”, diz.
Por isso, Ornelas defende manter uma relação próxima com o cliente, algo que só a loja física dá.
O avanço das vendas online também ajudou a reconfigurar a escolha dos pontos das lojas físicas. Para as varejistas, vale a pena marcar presença em todos os estados do país, mas não é preciso estar em todos os bairros das capitais.
“Na época do carnê, chegamos a ter seis lojas em uma mesma rua em Osasco”, diz Ornelas. “Era muita gente para pagar a prestação e não cabia todo o mundo dentro da loja. Hoje o pagamento é pelo BanQi, nossa conta digital.”
Para o consultor Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail, a loja física tem um papel fundamental em meio à transformação digital do varejo. “A loja contribui para captar e cativar os clientes”, diz ele. “Tanto que operações que nasceram no varejo online, como a Amaro [moda] ou a Westwing [decoração], acabaram abrindo lojas físicas.”
Na opinião de Eugênio Foganholo, da consultoria Mixxer, a expansão do varejo deixou de depender essencialmente da loja física –o que no passado levou a um movimento de grandes aquisições.
Nas praças onde a Via abriu lojas novas, as vendas digitais triplicaram, diz Abel Ornelas. “Muitos clientes se sentem mais seguros de fazer uma compra online se têm a loja física perto”, diz.
O Magazine Luiza, que chegou na metade de 2021 ao Rio de Janeiro, viu as vendas online no estado aumentarem depois da estreia, diz Danniela Eiger, analista de varejo da XP.
“A diferença é que antes a expansão das redes se dava só pelas lojas físicas, agora está mais vinculada ao marketplace.”
No Magazine Luiza, por exemplo, os próprios vendedores saem em busca de novos “sellers” para integrar o marketplace, entrando em contato com pequenos varejistas no entorno da loja, diz Garcia.
Fonte : https://cidadeverde.com/noticias/366527/redes-varejistas-ja-faturam-mais-na-internet-do-que-na-rua-no-brasil