Queda no varejo reflete crédito apertado e dívidas; programa Desenrola pode ajudar, dizem analistas

Vendas varejistas em maio mostraram valores negativos tanto para os segmentos de renda (-4,3%) quanto para as atividades de crédito (-3,8%).

O desempenho fraco das vendas no varejo em maio – o IBGE divulgou hoje uma queda mensal de 1,0% no conceito restrito e de 1,1% no comércio ampliado – reflete, segundo analistas, o momento de alto endividamento das famílias e as condições apertadas de crédito. Há uma expectativa de uma recuperação nos próximos meses, devido ao impacto das vendas de veículos motivada pelos estímulos ao setor dados pelo governo e pelo Desenrola, o programa federal de renegociação de dívidas que começa na próxima segunda-feira.

O Santander Brasil, destaca em sua análise da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) que, em termos gerais, os números de maio mostraram valores negativos tanto para os segmentos de renda, que caíram 4,3%, quanto para as atividades de crédito, que recuaram 3,8%.

“Foi um desempenho negativo para o varejo em maio. O índice amplo teve a segunda queda importante consecutiva, que compensou parte de seus ganhos recentes, seguindo um desempenho fraco de materiais de construção”, diz o analista Gabriel Couto.

Ele cita que o detalhamento do indicador mostrou um comportamento misto, uma vez que cinco em cada dez atividades varejistas caíram na margem. Vestuário (-3,3%) supermercados (-3,2%) e outros itens pessoais (-2,3%) foram os destaques no núcleo do índice. Móveis (-0,7%) também contribuíram negativamente.

Por outro lado, apresentaram alta os Farmacêuticos (+2,3%), livros (+1,7%), combustíveis (+1,4%) e material de escritório (+1,1%) contribuíram positivamente.

No índice amplo, os veículos tiveram um aumento de 2,1% no mês, compensando parcialmente a queda de 5,6% de abril, enquanto os materiais de construção caíram 0,9%.

Couto prevê que a atividade de varejo deve ter uma tendência de desempenho morno à frente. Com o resultado de hoje, o Santander mantém sua projeção de queda mensal de 0,4% para o IBC-Br, a “prévia” do PIB que o Banco Centra divulgará na semana que vem.

“Continuamos vendo sinais de desaceleração para a atividade ampla à frente, já que segmentos mais cíclicos indicam uma tendência contínua de desaceleração devido a condições financeiras altamente restritivas. Além disso, esperamos que o impacto positivo da safra recorde de verão se limite ao 1º trimestre e o início do 2º trimestre”, diz o analista do banco..

O economista da CM Capital, Matheus Pizzani, afirma que, apesar de ter surpreendido negativamente o mercado em termos de magnitude, o dado do IBGE divulgado hoje ficou em linha com as expectativas para o indicador em termos qualitativos.

“Isso porque, quando analisado o comportamento dos principais grupos de sua composição, é possível ver que a retração de maio foi causada por quedas em grupos como móveis e eletrodomésticos e até mesmo tecidos, vestiário e calçados, componentes sensíveis ao ciclo econômico e consequentemente aos efeitos da política monetária do país”, explica

A queda no grupo de hiper e supermercados, que possui elevada participação na composição do resultado do varejo, pode ser uma correção do forte crescimento registrado em abril, diz Pizzani, já que este grupo não sofre necessariamente com os efeitos da política monetária.

Estímulos

O economista espera uma recuperação nas vendas do varejo ao menos nas duas próximas divulgações, uma vez que o indicador de maio ainda não contemplou os efeitos da política de estímulo para a compra de automóveis. “Considerando o ano de 2023, a perspectiva já não é tão positiva, com os efeitos da desaceleração econômica, aumento do desemprego e crédito ainda

Para ele, existe uma possibilidade de amenização ou até de reversão de queda do comércio a depender do sucesso do programa Desenrola. A eficácia da implementação e o montante de recursos que conseguir efetivamente direcionar para o consumo das famílias é que vão ditar o ritmo de retomada do consumo, diz Pizzani.

Os economistas Marco Caruso e Igor Cadilhac, do PicPay, também acreditam que o volume de vendas do varejo doméstico deve ser impulsionado pelo do programa de incentivo aos carros populares. “Ainda assim, olhando à frente, o cenário é desafiador para o comércio, que enfrenta um crédito caro e o alto comprometimento da renda das famílias”, comentam.

“Por outro lado, precisamos analisar quais serão as consequências do Desenrola e o possível estímulo sobre os produtos eletrodomésticos. Para 2023, projetamos uma alta de 1,1% no comércio restrito e de 0,9% no comércio ampliado”, preveem.

Os especialistas do PicPay dizem esperar um IBC-Br de -0,2% no mês.

Claudia Moreno, economista do C6 Bank, destaca que o setor de varejo surpreendeu para cima no início do ano, mostrando uma devolução parcial dessa expansão nos últimos meses. “Nossa visão para o comércio é a de que os juros elevados e a desaceleração da economia global devem seguir pressionando o setor à frente, especialmente em segmentos sensíveis a crédito”, alerta. “O setor deve andar de lado até o final do ano”, completa.

A projeção do C6 Bank é que o varejo ampliado feche o ano com crescimento próximo a 5% em relação ao ano passado. “Apesar de a PMC ter vindo mais fraca, mantemos a previsão de crescimento do PIB para 2023 em 2,5%. Para 2024, nossa estimativa é que o crescimento do PIB seja de 1%”, estima.

Na análise de André Cordeiro, economista-sênior do Banco Inter, atividades mais ligadas ao consumo discricionário têm sofrido sofrendo mais, como vestuário e móveis, que no acumulado dos últimos 12 meses recuam mais de 10%.

“Por outro lado, atividades mais ligadas ao setor de serviços, que avançou 0,9% em maio, mostram bom desempenho, como combustíveis e materiais de escritório. Portanto, nota-se atividades mais ligadas à demanda se enfraquecendo, o que era de se esperar dado o ambiente de crédito escasso e alto nível de endividamento das famílias”, explica

Cordeiro diz que o setor de serviços que ainda se encontra muito acima do nível pré-pandemia, o que tem evitado que algumas das atividades do varejo deteriorem de maneira mais aguda.

Sem pressão sobre o BC

Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest, afirma que é possível observar desde abril um impacto contínuo de desaceleração de fatores vindos do mercado de crédito. Ela explica que, para a análise da PMC, a AZ Quest separa o indicador dois grupos: o dos itens mais sensíveis à renda e os mais afetados pelo crédito. Na média móvel trimestral, esses últimos caem próximo de 1%, quanto os demais estão de mantendo de lado.

“O que esses dados contam é que a parte do mercado de trabalho, que seria mais sensível à rede, ainda encontra alguma resiliência. Mas dentro da composição do número, os mais sensíveis ao crédito já mostram alguma desaceleração”, afirma.

Essa retração, ligada à manutenção de juros em patamares altos, está em linha com as expectativas, sem trazer grandes preocupações em relação à velocidade dessa desaceleração, diz Mirella. OU seja, não devem interferir nas decisões de política monetária. “Não demanda nenhuma urgência do Banco Central em reagir, em linha com uma análise parcimoniosa e cautelosa do BC, sem necessidade de velocidades intempestivas de cortes de juros nas próximas reuniões”, comenta.

Para Leonardo Costa, economista da ASA Investments, os dados de hoje mostram que há uma clara perda de ímpeto no comércio e a esperada desaceleração do consumo vem ganhando mais consistência.

Para o Bradesco, a queda nas vendas varejistas mostra que o comércio começa a perder força na margem, como esperado, após surpresas de alta nas divulgações anteriores. “O dado é compatível com nossa expectativa de acomodação do PIB no segundo trimestre, ainda com crescimento (+0,3%).”

Carlos Lopes, economista no banco BV, afirma que a queda de maio já era esperada (sua projeção era de um recuo de 0,8%) porque está havendo uma espécie de devolução de parte dos ganhos observado nos meses anteriores.

“A gente ainda não tem série longa desse componente, que tem um peso relevante na série. Mas a dica dos últimos números é que esse setor foi muito bem nos últimos meses. Foi quem acabou puxando e dando essa discrepância do varejo nos últimos meses, com ganhos mais expressivos. E agora parece devolver parte dessa alta”, comenta.

A expectativa de Lopes é que o varejo vá continuar desacelerando, em função dos juros ainda bem acima de um nível neutro, que têm servido de freio para a economia. Mas ele considera que atividade está num nível bom, exatamente quando isso é colocado num contexto de juros altos.

Claudio Felisoni, presidente do IBevar e professor da FIA Business School, afirma que, observando as linhas de tendência das vendas dessazonalizadas, tanto no conceito restrito como no ampliado das vendas, existe praticamente uma situação de estabilidade desde o início de 2022, estendendo-se também no exercício de 2023.

“Obviamente, há movimentos para cima e para baixo no entorno dessa tendência, porém não são alterações significativas do perfil de evolução das vendas. Esse quadro é compatível com a evolução das variáveis condicionantes do consumo”, comenta

Ele lembra que tem havido uma retomada do emprego e uma melhora da renda real disponível com o arrefecimento do ritmo inflacionário. E que isso corrobora essa análise o resultado em doze meses de apenas 0,08%, em que pesem os quatro últimos resultados positivos.

Felisoni diz que na análise das disposições de compra dos indivíduos captada por levantamentos nas redes sociais com algoritmos de inteligência artificial utilizados pelo Ibevar, de 22 segmentos do varejo (de bens e serviços) examinados algoritmos, apenas 5 registram retração.

“O longo período de estabilidade do consumo, a queda da inflação, a esperada redução da taxa básica (Selic), com seus reflexos, ainda que demorados na ponta, e o impulsionamento do emprego, justificam visão mais auspiciosa para o consumo nos próximos meses.”

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