Análise: Shopee sai da Índia, mas isso não torna o Brasil a ‘bola da vez’

Não é difícil imaginar que, após a decisão da Shopee de deixar o mercado indiano, como anunciado hoje pela companhia, o Brasil poderia ser visto como foco central dos investimentos da Sea Limited entre os mercados emergentes. Especialistas hoje correram para analisar este como um dos principais impactos da decisão anunciada.

É fato que a aceleração no Brasil passou a ser citada pelo comando da Sea em teleconferências recentes, e o grupo já deixou claro que quer crescer mais rápido por aqui.

Mas o que é lógico não é necessariamente o caminho adequado em determinado momento, ou tem fundamento considerando o cenário global das empresas — especialmente num negócio complexo como os “megamarketplaces” (plataformas globais de venda de itens de terceiros).

A Sea Limited passa por uma fase de maiores pressões do mercado, que busca sinais de mais racionalidade no negócio. E investir numa operação on-line no Brasil agora (e terá que ser por um bom tempo) é queimar dinheiro, como já ocorreu em outros negócios por aqui (não custa lembrar que Amazon e Aliexpress, há bem mais tempo no Brasil, não seriam lucrativas até hoje).

Analistas estrangeiros da Sea e investidores vêm levantando a questão do aumento da queima de caixa no grupo e o risco para resultados mais fracos na operação de “games” da Sea (a Garena é a operação da empresa nessa área, dona do “Free Fire”). O alerta começou a tocar neste mês, depois que o cofundador e CEO da Sea, Forrest Li, citou “ventos contrários” em seus negócios de jogos, e necessidade de equilibrar os números com a operação da Shopee e da SeaMoney (divisão de serviços financeiros).

Desde o início de março, quando a empresa publicou seus números do quarto trimestre, e após a sinalização do CEO, a ação da empresa caiu 21% — é um terço da queda acumulada desde outubro (em seis meses, o recuo é de 62%).

Em recente relatório, a equipe do Goldman Sachs chegou a chamar atenção para essa fase mais dura na Sea, e o impacto na Shopee no Brasil. Dizem que o capital ficando mais caro no mundo e a reação dos papéis na bolsa americana Nyse podem levar a gestão a ter que mostrar maior disciplina na alocação de capital. E aí, em relação a Brasil, há algumas formas de se ver esse posicionamento.

A perda da Shopee no Brasil por pedido (em termos de resultado antes de juros, impostos, amortização e depreciação) está na faixa de R$ 10 (e no mundo a média é de R$ 2,25), então gastar mais por aqui implica em aumento de despesas, margens comprimidas e desembolsos maiores — apesar de isso se traduzir em ganho de mercado. “A maioria olha Shopee como se fosse um negócio isolado, mas ele sempre foi sustentado pelo Free Fire, só que o negócio de ‘game’ foi banido em algumas regiões e a concorrência apertou em outros mercados. A vida deles ficou mais difícil”, diz um competidor direto da Shopee no país, dias depois da teleconferência do quarto trimestre.

É fato que a Shopee já reviu condições comerciais junto a seus lojistas no país, aumentando as taxas de comissão no ano passado (era de um dígito em 2020, mas já está num patamar dentro da média de mercado, na faixa de 18% por venda), num sinal de que os gastos precisam ser melhor divididos com seus parceiros.

Ainda entra nessa conta a série de reações organizadas, de concorrentes, contra marketplaces estrangeiros no país. Esse cerco vem crescendo e há executivos do setor que acreditam em maiores ações de fiscalização de governos estaduais e municipais às plataformas internacionais.

O Valor noticiou na semana passada que pode ser elaborada uma medida provisória que deve endurecer a legislação tributária no on-line, após empresários brasileiros terem reforçado críticas à certos marketplaces junto à ministérios e autarquias, em relação à importação de itens falsificados ou sem devido pagamento de impostos.

Isso, naturalmente, gera ruído maior para as marcas, e tem que entrar no desenho do plano de expansão dos marketplaces estrangeiros, no mínimo, como aspecto concorrencial. É sabido que mercados fechados ou de legislações menos abertas às plataformas não são preferência dessas empresas — mesmo que sejam países com milhões de consumidores ávidos por produtos que custam alguns dólares.

Apesar desse ambiente com novas tensões, grande parte dos analistas setoriais no Brasil não espera que a Shopee vá acenar com menor vigor por aqui — talvez adote uma estratégia mais racional por determinado período. As projeções animadoras de analistas de expansão da Shopee no país acabam sustentando a lógica de alguns consultores que esperam que a Sea volte boa parte de seu arsenal de investimentos para cá, mesmo com mercado mais atento aos números do grupo.

 

Fonte : https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/03/28/analise-shopee-sai-da-india-mas-isso-nao-torna-o-brasil-a-bola-da-vez.ghtml

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Shopee pode ter alcançado R$ 16 bilhões em vendas ao fim de 2021 no Brasil

A operação da Shopee no Brasil, do grupo Sea Limited, de Cingapura, atingiu 5% do mercado brasileiro de comércio eletrônico cerca de dois anos após a sua entrada, nas estimativas da equipe de análise do Goldman Sachs, e terminou o ano já no patamar de um dígito alto. O Goldman já mencionou em outro relatório que projeta “share” de 20% da Shopee no Brasil até 2025.

Com base nessa taxa de 5%, a Shopee teria alcançado R$ 9 bilhões em vendas pela plataforma (chamado GMV). Se tiver alcançado um dígito alto, o valor passa para R$ 16 bilhões.

Essa conta, feita pelo Valor, considera vendas totais do comércio eletrônico de R$ 182,7 bilhões em 2021, como informado ontem pela NielsenIQ/Ebit (que inclui a venda on-line de produtos entre países).

Consultorias já ouvidas pelo Valor estimam montante entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões.

“Acreditamos que a concorrência com novos participantes disruptivos continuará sendo um tema para 2022”, escreveu a equipe em relatório hoje.

Embora o Goldman reconheça que certas preocupações específicas da empresa poderiam levar a gestão do grupo Sea a mostrar maior disciplina na alocação de capital, o banco acredita que seu compromisso em tornar o Brasil um mercado “core” é “inabalável”, diz a equipe. O comando da companhia vem ressaltando o interesse em expandir o negócio local nas teleconferências e conversas com analistas e investidores globais.

De qualquer forma, entre essas preocupações que vêm pressionando o grupo estão o aumento da queima de caixa, as projeções de analistas de uma operação mais fraca para o negócio de “games” — outro braço de operação do grupo Sea —, o custo de capital crescente e o desempenho recente do preço das ações (as ações SE estão em queda 66% nos últimos seis meses), diz o Goldman.

Segundo o relatório, o analista internacional da Sea prevê que o Shopee invista cerca de US$ 1,5 bilhão no Brasil/América Latina neste ano, num cenário de perda de lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação do grupo Shopee no mundo de US$ 3,5 bilhões em 2022. Conta ainda que o grupo controlador já disse que levantou no mercado quase US$ 7 bilhões em 2021 e pretende destinar parte disso para investimento no comércio eletrônico Brasil/América Latina e no braço de fintechs.

Na recente teleconferência de resultados do quarto trimestre da Sea, a administração reiterou o Brasil como prioridade, observando que o total de pedidos brutos no país atingiu 140 milhões no quarto trimestre. Isso se compara aos 145 milhões de itens vendidos por Mercado Livre — apesar de os dois números não serem diretamente comparáveis, ressaltam.

A equipe revisou a sua análise para Shopee no Brasil (publicada pela primeira vez em julho de 2021) para tentar avaliar como estão os números agora e como ele se compara ao Mercado Livre, reforçando que são para “fins ilustrativos”.

“Para Shopee, estimamos que cerca de 30% do custo de envio seja arcado pelo cliente. Analisamos que uma perda de Ebitda de pouco menos de US$ 2 por pedido [informação já publicada pela Sea] pode implicar em termos de custos de envio divididos entre a empresa e os clientes.” Ainda projetam um lucro unitário de R$ 1,5 a R$ 2 por pedido no Mercado Livre, que se compara a uma perda de R$ 10 (US$ 2) por pedido da Shopee.

O Goldman cita no relatório informações antecipadas pelo Valor sobre a Shopee. Diz que a empresa passa por gargalos logísticos, segundo conta a imprensa local, “apontando períodos de envio prolongados e alguns desafios no rastreamento de pedidos”.

“Mas, embora haja provavelmente uma curva de aprendizado que a Shopee precisará avançar, acreditamos que investimentos de parceiros [em logística] abordarão gradualmente esses pontos problemáticos”, afirma.

O Goldman ainda cita a notícia do Valor de que a J&T Express, prestadora de serviço da Shopee no mundo, está agora trabalhando para a empresa no país.

“Observe que a J&T Express trabalha com o Shopee há mais de cinco anos no Sudeste Asiático. Nossas verificações (de mais de 220 vagas de emprego no país, muitas das quais em localidades regionais) indicam que a J&T Express poderia eventualmente construir um modelo de serviço completo em todas as regiões do Brasil.”

Vencedores do digital

A equipe de análise ainda diz que os “vencedores” em termos de participação de mercado em 2021 foram Mercado Livre e Americanas, ganhando respectivamente 0,7 ponto e 0,9 ponto de fatia nas vendas. “Isso coloca a Americanas de volta à segunda posição do comércio eletrônico do Brasil, com 18,8% de participação, à frente de Magazine [Luiza], com 18,1% e da Via, com 10,7%, mas abaixo de Mercado Livre, com 31,2%”, disse.

“Para 2023, esperamos que Magalu e Americanas fiquem empatados em 20% de [participação de] mercado”, afirma.

Segundo a equipe de analistas, Magazine e Via “deram os passos mais notáveis” para aumentar a monetização” de seu marketplace e melhorando a lucratividade. Esse movimento se deu por mudanças recentes nas condições comerciais fechadas junto aos lojistas das plataformas, como o Valor já noticiou semanas atrás.

Ainda sobre esse tema, o Goldman diz que acredita que um fator chave para o baixo desempenho de Magazine e Via na segunda metade de 2021 foi a “alta exposição à categoria de duráveis, que teve desempenho inferior ao do varejo geral dado o agravamento do cenário macro”. Essas varejistas tem maior dependência, no on-line e no físico, da venda de bens duráveis de seu estoque próprio.

Apesar disso, o banco faz uma ressalva, e diz que, no Magazine, incluindo o dado anualizado de venda de KaBuM!, o marketplace já chegaria a 45% das vendas na plataforma.

Além desse fator da dependência, o banco cita como “lacuna” o nível de serviço prestado por essas cadeias no braço de logística do marketplace, em relação ao que oferecem em sua própria operação digital. A diferença na qualidade do serviço prestado (na entrega de produtos aos consumidores, por exemplo) ainda impediria um avanço maior desse marketplace.

“A velocidade de envio é uma das variáveis mais importantes para conversão (juntamente com custo de envio e preço do produto), por isso, acreditamos que longos períodos de entrega podem ter prejudicado o crescimento [do markeplace] ou exigiria uma compensação de descontos de preços/outras promoções.”

O banco reconhece que Magazine Luiza avançou em termos de nível de serviço e operação logística, mas a diferença para o Mercado Livre “continua importante”.

Fonte : https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/03/23/shopee-pode-ter-alcancado-r-16-bilhoes-em-vendas-ao-fim-de-2021-no-brasil.ghtml