Guerra e petróleo caro criam nova pressão sobre varejistas

Depois de um 2021 carregado de volatilidade e incertezas, o varejo não terá vida fácil em 2022. O discurso do comando das grandes varejistas do país, em teleconferências de resultados nos últimos dias, mostra que o setor já vinha administrando pressões maiores em despesas, como aluguéis e mão de obra, além da escalada dos custos dos seus produtos nos últimos meses. E o avanço da guerra no leste europeu volta a aumentar o nível de preocupação dos executivos com os números no curto prazo.

Levantamento do Valor Data com base em dados de 18 varejistas de capital aberto mostra que as vendas avançaram menos que custos e despesas no fim de 2021, e o lucro líquido e a rentabilidade caíram. A receita líquida subiu 5,3% no quarto trimestre de 2021, em termos nominais, para R$ 97,3 bilhões, versus o ano anterior, sendo que o custo de venda das mercadorias subiu um pouco mais, 6%.

Quando isso acontece, o lucro bruto perde força e a margem bruta cai – essa taxa foi de 26,6% para 25,8% no varejo entre os quartos trimestres de 2020 e 2021.

As despesas operacionais cresceram 8,4%, em parte, efeito de uma base de comparação mais fraca – a pandemia fechou escritórios e reduziu aluguéis de lojas e depósitos em 2020, mas os gastos administrativos e com locação estão voltando a níveis de mercado.

Em resumo, isso quer dizer que, quando entraram em 2022, as companhias já vinham carregando estoques mais caros das compras das indústrias – reflexo da escalada de preços de insumos, especialmente em alimentos e eletrônicos em 2021 – e também um retorno das despesas em patamares mais altos. O cenário fica mais adverso com as vendas em ritmo mais lento, diante da inflação.

“Nós tínhamos uma previsão de início de ‘normalidade’ após 2022. E falo em normalidade entre aspas, considerando que trata-se de um ano eleitoral e de vendas ainda em recuperação. Mas agora já temos bem claro que a inflação não vai ceder, e até deve subir, e a conta de insumos e de combustível, que afeta a distribuição no varejo, tende a piorar”, disse Gustavo Oliveira, sócio da gestora Tower Three (T3) com ações de redes na carteira.

Para Breno de Paula, analista de varejo da Inter Research, esse cenário põe em banho-maria planos mais agressivos de aberturas de lojas no varejo de duráveis e em parte das redes de moda. “Não à toa que, nas teleconferências de resultados em fevereiro e março, quase não se falou em muito mais aberturas [em relação a 2021], porque isso pesa nas despesas operacionais, e afeta o Ebitda [lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação] numa hora que não é nada boa”.

Na avaliação de Iago Souza, analista da Genial Investimentos, a cabeça do varejo neste ano difere daquela de 2021. “O foco agora é monetizar as estruturas que as empresas já têm, especialmente o ‘marketplace’ [shopping virtual], que boa parte das redes já opera. O jogo é elevar taxas dos lojistas e cobrar mais serviços para tentar nova receita e diluir custos”, afirmou.

O setor alimentar é um dos que já está atravessando, nessa primeira metade de 2022, uma nova escalada na inflação de custos, após um fim de ano ruim para os supermercados e melhor no atacarejo. Somadas, as vendas de GPA, Carrefour, Mateus e Assaí subiram 5,7% de outubro a dezembro, para uma elevação de custos de mercadorias de 8% e despesas subindo 10%. Como resultado, o lucro recuou 14%.

Assaí e Mateus, com preços mais agressivos, foram melhores que o braço de varejo do Carrefour e o GPA, e para as cadeias de supermercados, “este não é trimestre com grandes melhorias de cenário”, resumiu Jorge Faiçal, presidente do GPA, no fim de fevereiro, pouco antes do início da guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Para um diretor com 30 anos de atuação no atacarejo, com as commodities agrícolas subindo mais desde a invasão russa e o combustível mais caro, a indústria paga mais pelos insumos, e a alta no custo do comércio deve aparecer mais claramente nos próximos balanços. “A gente já lidava com uma inflação de 10% em alimentos nos 12 meses até dezembro, mas ainda era nessa faixa de dois dígitos baixos. Só que isso subiu mais de um ponto desde janeiro”, afirma ele.

Segundo a XP, insumos como o petróleo, borracha sintética, metais, grãos e algodão já subiram aproximadamente 60%, 20%, 10%, 40% e 5% desde o início do ano, respectivamente, o que deve pressionar ainda mais os custos das varejistas. “No entanto, a valorização do real frente ao dólar deve compensar parte desse efeito”, diz Danniela Eiger, analista da XP.

Hoje menos pressionado em sua cadeia de suprimentos do que o varejo de alimentos, as redes de eletrônicos estão tendo que administrar um início de ano com revisão de despesas. “Acho que para o setor, diferente de alimentos, a preocupação maior é com ‘opex’ [sigla em inglês para despesas operacionais] e queda no estoque comprado com o dólar alto”, diz.

Os números do quarto trimestre mostram que Americanas, Magazine e Via fecharam o período com receita somada só 1,4% acima de 2020, e a maior queda no lucro entre os segmentos, de 36%. A venda caiu, só que o custo de mercadorias (que inclui a conta de estoques) ficou estável. Para Oliveira, da T3, os resultados do varejo de duráveis já vinham declinando desde o terceiro trimestre, pelo efeito de juros altos e do dólar encarecendo os produtos, mas parte delas não se ajustou a tempo.

“Além dos estoques de 2021 que Via e Magalu devem ir reduzindo agora, as redes carregam hoje um ‘turnover’ de empregados menor, por causa da crise. A questão é que essa saída de funcionários antes ajudava a reduzir gastos com mão de obra naturalmente”, lembra.

Magazine, Via e Americanas destacaram melhora nas vendas já no primeiro trimestre. “Vendo o lado do copo cheio, o estoque que vai entrar nas redes, depois dessa redução do estoque antigo, será mais barato. Isso porque não vemos movimento de repasse da indústria hoje, o dólar até caiu e a guerra não está encarecendo componentes. Se a covid na China não piorar, esse cenário pode até melhorar a margem bruta”, diz um executivo de uma rede tradicional.

Outros fatores podem ajudar a equilibrar um pouco essa balança, como a nova injeção de recursos na economia, com medidas do governo, que podem atingir R$ 86 bilhões nos próximos meses, e a conta de energia que parou de subir.

Para o varejo de moda, o cenário foi de vendas crescendo mais rapidamente no fim de 2021 – em parte pela base fraca de comparação de 2020, com lojas fechadas na pandemia -, com receita subindo 17% e lucro avançando 5%. Apesar disso, como vendem bens não essenciais, têm menos espaço para repassar alta de custos aos preços.

Fonte : https://www.infomoney.com.br/mercados/mercado-livre-meli34-aparece-como-preferido-entre-consumidores-e-investidores-em-meio-a-ceticismo-quase-geral-com-e-commerce/

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