Números de grandes companhias já têm demonstrado desaceleração ao longo dos últimos meses, enquanto a conjuntura difícil ainda não dá sinais de arrefecimento.
Com o endurecimento das medidas restritivas em função da Covid-19 na China, o mercado global se preocupa com o caos logístico implantado em meio ao frágil cenário econômico. O setor de varejo é um dos que se preocupam com essa conjuntura.
O Brasil é um grande importador para sua indústria de transformação, com o objetivo de sustentação do mercado de bens de consumo duráveis, semiduráveis e industriais.
Mas a política de combate à pandemia na China tem trazido fortes implicações ao país, o que inevitavelmente interrompe a oferta de determinados produtos.
Por mais que a potência asiática esteja ampliando seu apoio à economia, o suposto recrudescimento do novo coronavírus no país tem assustado os negociadores que veem os portos abarrotados de contêineres.
Importância de duráveis e semiduráveis para o varejo
A venda de geladeiras, máquinas de lavar, aparelhos televisores são grandes chamarizes de varejistas como Magazine Luiza (MGLU3), Via (VIIA3) e Americanas S.A. (AMER3), que têm barganhas em negociação de preços com fornecedores.
A venda desses produtos, inclusive, foi um dos principais combustíveis das varejistas entre 2020 e 2021. A renda artificial criada pelo auxílio emergencial, findada no fim do ano passado, gerou uma corrida para a “renovação” da residência, estimulados pela maior permanência em casa devido ao lockdown.
Esse tipo de produto tem tíquete médio alto e, em relação à receita, gerou bons trimestres ao setor varejista.
A fins comparativos, no terceiro trimestre de 2020, período em que o Brasil já lidava com a pandemia, o GMV (valor bruto de mercadoria) total da Via (à época chamada de Via Varejo) saltou 43% ante o mesmo período de 2019.
Via desacelera receita depois de pico após pandemia
No caso do Magalu, o salto foi ainda maior, de 81,2%. A empresa é líder de mercado de bens duráveis, patamar alcançado em 2020 justamente pelas mudanças de perfil de consumo provocadas pela pandemia, como a direção assumiu no quarto trimestre do ano passado.
Já para Americanas – especificamente Lojas Americanas -, a melhora foi de 31,1% no terceiro trimestre de 2020 em relação ao mesmo período do ano anterior.
Embora as empresas não revelem de forma segmentada os dados relacionados às vendas de bens duráveis, não negam os impactos da conjuntura macroeconômica em seus modelos de negócio, enquanto os números de crescimento desaceleram.
A demanda por bens de capital estrangeiros havia se intensificado ao longo dos últimos meses, com o governo brasileiro reduzindo em 10% os impostos sobre a importação da categoria em março de 2021, e em mais 10% no mês passado.
Os números passados indicam que a China é a principal origem dessas importações. No ano de 2020, o país correspondeu a US$ 7,5 bilhões, ou 31% das compras do Brasil, de bens de capital e de produtos do setor de informática e telecomunicações.
Restrição da oferta acompanha queda da demanda
Se por um lado os preços tendem a cair em razão da demanda menor numa conjuntura “estável” de oferta de produtos, por outro os preços são sustentados e favoráveis às fabricantes devido à restrição da oferta, o que traz menos produtos ao mercado.
Isso não significa que as varejistas terão caminho livre neste segmento nos próximos meses. O setor opera com margens de lucro pequenas por causa da agressiva guerra de preços entre os players do mercado. Não há perspectiva de melhora de margens nos próximos resultados.
Além disso, um aumento significativo dos preços de bens duráveis deve pressionar ainda mais a procura dos consumidores, sobretudo em função da queda da renda da população e alta da inadimplência.
De acordo com a Pnad Contínua, a renda média da população brasileira caiu de R$ 2.876 em setembro de 2020, auge do pagamento do auxílio emergencial, para R$ 2.489 no trimestre encerrado em janeiro deste ano – baixa de 13,4%. Com menos renda e crédito mais custoso, a inadimplência voltou a aparecer.
Se o brasileiro médio está com pouco recurso para pagar suas contas básicas, tampouco irá renovar a mobília de suas casas, como o fizeram durante a pandemia.
No saldo final, Magalu, Via e Americanas fazem parte do varejo que atua com o público de baixa renda e que aos poucos diversificam suas operações para as demais camadas da sociedade. As empresas, contudo, não divulgam dados segmentados.
Resultados recentes mostram desaceleração do varejo
Os números das grandes varejistas já têm demonstrado desaceleração ao longo dos últimos meses, enquanto a conjuntura difícil ainda não dá sinais de arrefecimento.
A temporada de balanços do primeiro trimestre ainda não foi iniciada pelas grandes companhias do varejo. A expectativa do mercado é a de que o período tenha sido mais desafiador que o quarto trimestre de 2021, quando os números já desagradaram.
No caso do Magalu, a economia ruim e a concorrência acirrada tiraram o brilho do crescimento do marketplace, um dos únicos pontos positivos do resultado.
O contexto mostra-se arriscado para a companhia, que preferiu puxar o freio de mão e segurar o processo de aquisições.
Primeiro, porque a escolha agora é por colher os frutos das compras já realizadas, mas também porque entre o quarto trimestre de 2020 e o mesmo período de 2021, a empresa saiu de caixa líquido para dívida líquida de R$ 3,88 bilhões.
No caso da Via, o resultado mostrou uma baixa de 91,4% do lucro líquido contábil, para R$ 29 milhões.
Uma das justificativas da integrante do varejo brasileiro é o descasamento entre o fechamento de lojas e a abertura de novas unidades no período, além do aparecimento da ômicron – embora o período mais intenso da Covid-19 causada por essa variante no Brasil tenha sido entre janeiro e fevereiro deste ano.
O que fica de destaque é que a empresa tem preferido o crescimento em detrimento de margens. A margem líquida encerrou o trimestre em dezembro na casa de 0,4%. O impacto da queda nas vendas de bens duráveis, que oferecem margem mais robusta, é latente.
Já para a Americanas, o desempenho foi levemente mais positivo. A empresa viu suas vendas digitais dispararem 36% no quarto trimestre de 2021 em relação ao mesmo período do ano anterior.
Os dados de GMV, receita bruta, receita líquida e lucro líquido tiveram crescimento sólidos dois dígitos, mas o ponto fraco ficou para as margens.
A margem Ebitda, resultado da relação entre Ebitda e receita líquida, caiu 4,3 pontos percentuais entre o quarto trimestre de 2020 e o último trimestre de 2021, para 11,8%. O indicador mostra a eficiência da empresa exclusivamente com sua operação.
O caos pandêmico na China certamente tem trazido relevante impacto para o varejo brasileiro nas últimas semanas. O resultado disso virá ao mercado somente no segundo semestre, quando os balanços do período entre abril e junho forem divulgados. Por ora, cabe às empresas estancar as perdas estimadas.
O que está acontecendo na China
Desde o final de março, a megalópole Xangai, centro comercial da China que abriga cerca de 26 milhões de pessoas -mais que o dobro da cidade de São Paulo -, está de portas fechadas.
As rígidas restrições colocadas em prática pelo governo fazem parte da iniciativa de “Covid zero”. O país, marco zero da pandemia ainda no fim de 2019, tem por objetivo eliminar por completo e é avesso à mínima transmissibilidade da doença.
Esse “extremo” no combate à pandemia tem gerado insatisfação entre os moradores. Alguns estão confinados há mais de um mês e encontram dificuldades para suprirem suas necessidades básicas diárias.
Por conta das restrições à mobilidade terrestre, os portos da China estão congestionados, o que trouxe à tona novamente o entrave logístico instaurado sobre o comércio global durante o pico da pandemia.
O porto de Xangai, o maior do mundo em termos de toneladas transportadas, tem filas de espera, pressionando o escoamento da produção chinesa. A queda da atividade afeta particularmente a oferta de semicondutores e peças para produtos eletrônicos e eletroeletrônicos mundo afora.
A tolerância zero ainda não dá indícios de que está perto de acabar, com casos ainda sendo registrados fora das áreas sob forte lockdown em torno de Xangai. Na última segunda-feira (2), foram anotadas 58 infecções pelo vírus.
Dados do governo chinês registram pouco mais de 14 mil mortes pela Covid-19 desde o início da pandemia.
Do ponto de vista de expectativa para a “normalização” do cenário, pode-se esperar que os lockdowns na China não demorem muito a cessar, principalmente na capital Pequim, embora não haja indícios do fim.
No segundo semestre deste ano, ocorrerá o Congresso do Partido Comunista. O governo do país aprovou uma resolução no fim de 2021, podendo fazer com que o presidente Xi Jinping alcance seu terceiro mandato, o que até então não era possível.
Uma boa aceitação por parte de Pequim é bem-vinda, embora a ditadura do país dificilmente mude de plano em razão do descontentamento ou aprovação pública.
Fonte : https://trademap.com.br/agencia/empresa/varejo-brasileiro-magazine-luiza-mglu3-via-viia3-crise-pandemia-china