Após Black Friday em que ponto físico foi melhor, fluxo cai; on-line prevê recuo de 10%.
Dados preliminares de fluxo de consumidores no comércio neste Natal, além das projeções de entidades do varejo físico e on-line, indicam fraco desempenho para a data. O tráfego de clientes em lojas, com desempenho mais animador na Black Friday, perdeu força em dezembro. No comércio digital, a previsão é de recuo de 10% no faturamento. Até o calendário pesa contra neste ano: com o Natal no domingo, as lojas não terão o fim de semana completo para vender.
Apesar de a baixa demanda em dezembro levar a um aumento de liquidações em janeiro, os estoques baixos devem limitar ações comerciais mais agressivas no início de 2023, dizem consultores.
No geral, as estimativas das associações, para dezembro, são de expansão real (descontada a inflação) de 1,2% a 1,8% nas vendas sobre dezembro de 2021. Em termos nominais, a taxa esperada chega a 8%, segundo federação do comércio paulista. Os shoppings preveem alta nominal de 4% – a inflação estimada em 2022 alcança 5,9% (IPCA).
Ao se retirar o efeito inflacionário dos cálculos do setor, de maneira a se verificar nível de volume vendido, pode ocorrer, portanto, queda de um dígito ou tímido ganho real, a depender da previsão.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) estima que seria preciso alcançar crescimento de 5% em dezembro para conseguir equiparar as vendas ao nível de 2019. A entidade reviu neste mês a taxa de crescimento inicialmente prevista para o Natal, passando de 2,1% para 1,2%, para cerca de R$ 65 bilhões.
Maior entidade do setor, o Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV) estimou, nesta semana, alta nominal de 1,8% em dezembro sobre 2021 – em termos reais, equivale a 4% de retração.
“Há um conjunto de fatores positivos e negativos que afetam o consumo, mas os negativos têm pesado mais nos resultados, como mostra o desempenho do comércio em datas recentes já afetadas por esse ‘macro’ difícil. E isso não dá sinais de melhora no curto prazo”, diz Fabio Bentes, economista da CNC, que representa 34 federações. Para 2023, a projeção é de alta de cerca de 1% nas vendas.
Bentes cita, como pontos mais animadores, o aumento na circulação de pessoas no varejo neste ano, a queda na taxa de desemprego (para 8,4%, menor índice desde 2014, versus 14,7% em abril de 2021), e o recuo da inflação. Após 25 meses de alta nos preços, houve desaceleração neste semestre.
“Mas há o impacto da taxa de juros muito elevada para pessoas físicas, em 56% ao ano, o maior patamar desde o primeiro trimestre de 2018. E o grau recorde de comprometimento da renda com dívida, em quase 29% em outubro, segundo dados do Banco Central”, diz.
As últimas datas de vendas do varejo mostram os efeitos desse cenário. Em agosto, quando ocorre o Dia dos Pais, a venda de roupas e calçados caiu 0,4%, e móveis e eletrônicos, 0,8%, segundo o IBGE. Em outubro (Dia das Crianças), vestuário recuou 1,1% e papelaria e informática não cresceu.
Depois disso, o país teve a pior Black Friday da história, com primeiro recuo nas vendas na data. Segundo José Barral, sócio da Cendon & Barral Assessoria e Consultoria, o cenário ‘macro’ atual, que afeta as projeções também de 2023, tem sido tópico central das discussões dos conselhos de administração.
“O poder de compra caiu e número de lojas, especialmente no varejo alimentar, só sobe. Então, alguém vai acabar perdendo um pedaço do bolo”, diz. “É bem provável ter um fim de ano e um 2023 forte no comércio de alta renda, que ainda tem parte do gasto reprimido da pandemia. Mas o que faz o varejo crescer são as classes C e D, e principalmente a C”, afirma.
No caso dos shoppings, há estimativa de avanço de 4% na receita, calculada pela Abrasce, a maior entidade do setor, com R$ 5,5 bilhões em vendas de 19 a 25 de dezembro. Para o comércio de São Paulo em geral (ruas e shoppings), há previsão de alta de 8% no mês, para R$ 112,4 bilhões, diz a FecomercioSP.
A Abrasce faz a ressalva de que a alta projetada reflete uma base de comparação normalizada de vendas, sem espaço para aumentos de dois dígitos como em 2021 versus 2020, ano de pandemia.
“No âmbito geral, o cenário ainda é restritivo ao consumo, considerando o quadro de preços elevados, aumento dos juros e incertezas econômicas para o próximo governo. No caso dos shoppings, temos uma recuperação contínua voltando ao período pré-pandemia”, diz Glauco Humai, presidente da entidade. A Alshop, entidade dos lojistas de shoppings, também estima alta de 4%, segundo o diretor Luis Ildefonso.
A loja física sentiu um dezembro mais desafiador do que o projetado, afirma a diretora da consultoria Virtual Gate, Heloísa Cranchi. A companhia faz contagem de pessoas em pontos-de-venda com mais de 3,5 mil câmeras em lojas.
A pedido do Valor, a empresa coletou dados de circulação nos pontos, que mostra recuo de 6,3% no tráfego de dezembro, até ontem, frente a 2021. Versus 2020, a queda é de 1,1% e, frente a 2019, ano anterior à pandemia, há uma diminuição forte, de 29,4%.
No varejo de cosméticos, há o melhor desempenho, com alta de 16,2% no fluxo sobre 2021. Em vestuário, o recuo atinge 6,8% e em móveis, queda de 1,8%.
Menos clientes circulando exige que aqueles que vão às ruas gastem mais para compensar o volume menor de compradores, a não ser que a venda on-line avance.
“Nós não esperávamos que a circulação caísse agora, por conta da base de comparação mais tímida do fluxo de 2021, quando ainda se sentia a covid”, diz Cranchi. “Temos conversado muito com clientes e, após a Black Friday deste ano, o certo otimismo que ainda existia se arrefeceu. O Natal não sinaliza uma venda expressiva”.
Cranchi lembra que o Natal neste ano acontece no fim de semana, com o dia 24 “caindo” no sábado. Em 2021, o dia 24 foi na sexta, mas houve lojas abrindo no domingo. “Se o Natal fosse na segunda ou na terça, teríamos um fim de semana inteiro para a venda acontecer.”
Uma queda em fluxo poderia ser equilibrada por um aumento na demanda no on-line, mas não há sinais de uma retomada no digital. A consultoria Neotrust prevê vendas de R$ 6,2 bilhões de 10 a 24 de dezembro, recuo de 10%. Para o tíquete médio, é projetada queda de 1%, e em pedidos, de 9%. Até setembro, o faturamento do comércio eletrônico caiu 3,6%.
Após a semana que vem, parte da atenção se volta para as vendas de liquidação do início de 2023 “Em janeiro, se ficar no zero a zero já vai ser bom”, afirma Cranchi. Os consultores ouvidos lembram que deve sobrar menos bens duráveis para queimas de estoques de janeiro – dados de estoque das redes de capital aberto mostra recuo nos valores no terceiro trimestre.
Caso as redes terminem dezembro com vendas mornas, mas com margens mais protegidas, pode ser o aspecto positivo do período. “Não tem espaço para discussão de incentivos ao consumo no curto prazo, no próximo governo. A agenda do setor terá que ser muito voltada para eficiência na gestão dos custos, dos investimentos e do fluxo de caixa”, diz Barral.
Fonte : https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/12/23/nem-lojas-resistem-a-natal-morno-e-varejo-deve-crescer-um-digito-baixo.ghtml