Contra falta de CEP, endereço digital chegará a 10 mil casas em favelas

Em parceria com a ONG Gerando Falcões e com a startup de logística naPorta, o Google vai ampliar a sua ferramenta Plus Codes em mais de 20 favelas brasileiras. A plataforma cria uma espécie de endereço virtual no Google Maps, uma espécie de “CEP digital” para regiões que não possuem CEP e/ou que não estão inseridas no sistema de endereços dos Correios e serviços de delivery.

O plano da empresa é mapear 10 mil endereços até o fim de 2023, alcançando 40 mil pessoas. O anúncio foi realizado no último dia 27, no evento Google for Brasil, na capital paulista.

Como funciona o Plus Codes

O Plus Codes usa latitude e longitude para determinar uma localização. Já está disponível no Google Maps há alguns anos, o “CEP digital”, formado por pelo menos seis caracteres, existe para todos os endereços presentes na plataforma. Pelo aplicativo do geolocalizador, é possível acessá-lo na guia “sobre” de algum determinado local.

O Google “divide” o mapa-múndi em uma série de quadrados. Dentro de cada um deles há uma nova divisão por grades com endereços alfanuméricos do Plus Code.

Tela do Google Plus Code

Quanto maior a quantidade de números após o símbolo de “+”, maior a precisão daquele endereço.

Como o código pode ser usado na busca do Google Maps, é possível, por exemplo, que entregadores coloquem o PlusCode no campo “destino” do seu smartphone em vez do endereço ou nome do estabelecimento.

No caso das favelas, a ferramenta é uma solução para a falta de CEP, fato que obriga moradores a se deslocarem a outro bairro para conseguir receber uma encomenda.

Uma característica importante do PlusCode é que ele promete trabalhar com a chamada “precisão flexível”, que considera casas que ocupem espaços bem pequenos. Com esse recurso, é possível criar um código diferente para uma residência a um metro de distância de outra. A referência pode ser uma porta, por exemplo.

“A maioria das favelas usa um CEP geral ou de ruas próximas, e isso fazia com que nosso entregador fosse sempre para o mesmo local. A gente chegou a usar machine learning [capacidade de um sistema com inteligência artificial aprender] para otimizar as entregas futuras, mas isso ia demorar décadas para fazer essa roteirização”

Sanderson Pajeú, CEO da startup naPorta

“Com o Plus Codes, há o trabalho prévio de identificar cada casa, mas que ajuda o morador a ter esse tipo de acesso. Vai muito além da entrega, estamos falando de dignidade e pertencimento dessa galera”, completou.

A primeira comunidade com o projeto 100% implantado é a Favela dos Sonhos, em Ferraz de Vasconcelos, na região metropolitana de São Paulo. Por lá, o Plus Codes está presente em placas na porta de cada uma das 390 residências. Os entregadores podem usar esses dados como referência para as entregas.

Depois, o projeto passará por implantação nas favelas Cidade de Deus, também em Ferraz de Vasconcelos, Tubulação, em Poá, e Favela do Haiti, na zona leste. Esta última recebeu recentemente um pacote de investimentos, fruto de uma parceria entre a Gerando Falcões e o festival The Town.

“Estamos muito felizes em expandir essa iniciativa para mais regiões do Brasil. Uma vez em posse de seus endereços digitais, os moradores das favelas dessas novas regiões mapeadas poderão compartilhá-los com outras pessoas e utilizá-los em qualquer serviço que seja compatível com a tecnologia”, afirmou Wilson Rodrigues, gerente de parcerias para Google Maps.

Parceria com o Google

Na parceria entre as três organizações:

O Google entra com a tecnologia e os processos.

A naPorta executa a logística e a operação, como confecção e fixação das placas com os códigos nas residências.

Gerando Falcões fica com a parte de sensibilização dos moradores e compartilhamento de informações sobre a tecnologia.

Segundo Sanderson, este foi um dos principais desafios no processo de implantação dos Plus Codes na Favela dos Sonhos:

“Muita gente acha que as empresas entram na comunidade para explorar. Nem todo mundo quis o endereçamento, por incrível que pareça. A gente tem um desafio de sensibilização para conseguir entrar nesses territórios”

O Plus Code também vem sendo utilizado em outras localidades do estado de São Paulo, em uma parceria com o governo estadual, para o mapeamento de 287 mil propriedades rurais.

Já o primeiro projeto urbano utilizando o recurso mapeou 14 mil endereços em Paraisópolis, a maior favela da capital paulista, impactando assim 50 mil moradores da região, de acordo com o Google.

Segundo a pesquisa DataFavela, divulgada em março pela Cufa (Central Única das Favelas), cerca de 17,9 milhões de pessoas vivem em favelas no Brasil. Em termos econômicos, é uma população capaz de gerar R$ 220 bilhões em compras. Contudo, a mesma pesquisa revela que 70% destes moradores já deixaram de adquirir algum item via internet por não ter como recebê-los em casa.

 

 

https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2023/06/27/resposta-para-areas-sem-cep-google-anuncia-enderecos-digitais-em-favelas.htm

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Para ter um CEP, moradores fazem vaquinha e asfaltam a própria rua em SP

Ao longo de mais de duas décadas, o pedreiro Reinaldo Torquato, 34, presenciou como a falta de asfalto na principal via de acesso na Favela da Muriçoca, na zona sul de São Paulo, dificultava a vida dos moradores para chegar em qualquer destino, dos pontos de ônibus às escolas e comércios; e até mesmo o acesso a benefícios e serviços públicos, uma vez que a região não dispõe de CEP (Código de Endereçamento Postal).

Visando solucionar este problema, o pedreiro criou em parceria com moradores do território, a Associação de Amigos – Rua das Crianças, que neste mês se prepara para realizar o terceiro mutirão para asfaltar a principal rua do local, onde moram 70 famílias. A ação tem sido possível depois de uma vaquinha comunitária, que arrecadou até agora cerca de R$ 6 mil.

“Passagem de carro aqui só acontece porque a gente joga entulho, barro ou terra. Para ir ao ponto de ônibus mais próximo precisamos passar por vielas, um campo de futebol sem iluminação e com esgoto. Em época de chuva a gente precisa colocar sacola no pé, pra não chegar no ponto todo sujo”, descreve o pedreiro.

Cidadania postal

A ausência de CEP prejudica não só o recebimento de correspondências, mas o cadastramento de cidadãos em órgãos governamentais, como a Receita Federal, o Incra e o INSS, impactando o acesso a direitos sociais. Antes do mutirão, por exemplo, o transporte escolar e dos Correios (para entrega de produtos do programa Leve Leite) não entravam na favela.

“Eu sou uma pessoa obesa. Imagina como era difícil levar meu filho na escola. Eu vivia caindo e me machucando nos buracos, não tinha como pegar a perua porque elas não entram na rua”, conta a auxiliar de serviços gerais, Graziela Santos, 38, que se mudou da favela após 6 anos. “Precisei sair da minha casa própria e ir para o aluguel. Esse processo foi muito difícil”.

Carolina Freitas, pesquisadora da USP e do Centro de Estudos Periféricos da Unifesp, também aponta como a ausência de código postal gera um problema econômico, que se reflete em efeitos cíclicos de vulnerabilidade social. “O desemprego estrutural na cidade está associado às pessoas que não conseguem comprovar onde moram, pois isso é um dos primeiros requisitos para concorrer a qualquer vaga de trabalho”, comenta.

A Favela da Muriçoca está localizada no distrito do Jardim Ângela, onde 60% da população é negra, segundo o Censo 2012. No país, está é a parcela da população com os maiores índices de desemprego.

O poder público municipal.

Contra a falta de CEP, uma modalidade de endereçamento postal, uma espécie de “CEP digital” também está sendo criada pela Google, em parceria com a ONG Gerando Falcões e a startup de logística na Porta. Anunciada na segunda-feira (27), o objetivo é ampliar a ferramenta Plus Codes em mais de 20 favelas brasileiras mapeando 10 mil endereços sem CEP até o fim de 2023.

A iniciativa, no entanto, servirá apenas para fins logísticos. O CEP regulamentado pelo poder público é de responsabilidade dos Correios, que cria o código postal a partir de ruas regularizadas pela Prefeitura de São Paulo.

Como boa parte das favelas, a Muriçoca – uma das 1.747 favelas da cidade, segundo dados da Sehab (Secretaria Municipal de Habitação) – não tem o território regularizado.

Garantir o asfalto na rua é uma forma de pressionar o Executivo neste sentido, uma vez que ela está localizada em uma área com função social de regulação fundiária, como explica a advogada especializada em moradia Juliana Avanci. “Essa área tá gravada no zoneamento como uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS 1) – ou seja, é destinada para regulação fundiária e permanência dos moradores”.

A Muriçoca está sob jurisdição da Subprefeitura de M’Boi Mirim, que neste ano teve uma redução de R$ 19 milhões no orçamento para serviços públicos, na comparação com o ano passado. Ao Desenrola, a subprefeitura informou que a Muriçoca se trata de uma área de manancial ocupada irregularmente desde 1996 e que a administração regional realiza periodicamente serviços no local, como correção de irregularidades nas ruas.

Já a Secretaria Executiva do Programa Mananciais explicou que existe um projeto de urbanização em execução no perímetro em que a favela está localizada, que envolve obras em redes de água e esgoto, bem como construção de viário e vielas, escadarias e calçadas. “As obras de urbanização do bairro iniciaram em agosto de 2022 e tem previsão de finalização para junho de 2024”, pontua em nota.

“A gente cansou de ir na prefeitura, cansou de tanta promessa. Então, por isso, a gente resolveu fazer tudo sozinho. Já vieram representantes de deputados locais aqui fazer perguntas, propor reuniões, mas estamos calejados, eles sabem o que acontece aqui, mas nunca fizeram nada” Reinaldo Torquato.

https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2023/06/29/por-cep-moradores-fazem-vaquinha-e-asfaltam-a-propria-rua-em-favela-de-sp.htm

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