Por que os 2 milhões de vendedores da Shopee não são comparáveis aos do Magalu e Americanas

Fontes estimam que a Shopee tenha entre 60% e 70% de sua venda oriunda de cadastro de pessoas físicas, de 20% a 30% seriam microempreendedores e 10% são empresas.

Não é de hoje que se discute como a falta de dados sobre o mercado de consumo no Brasil impede análises mais precisas e põe o setor, muitas vezes, a reboque de informações incompletas. A questão é que, numa tentativa de determinar o efeito do avanço da concorrência no varejo digital brasileiro, esse problema tem ficado mais exposto, o que exige atenção maior dos investidores, dizem consultores.

Nas últimas semanas, essa questão veio à tona com a divulgação de dados sobre número de lojistas da Shopee no Brasil e sobre o valor do investimento do Mercado Livre no país.

O comando da Shopee, controlada pela Sea Limited, de Cingapura, informou na semana passada ter alcançado 2 milhões de vendedores brasileiros em sua plataforma. A empresa não fez comparações com seus concorrentes e prefere não detalhar exatamente o que está incluído nesse número — o que vem sendo interpretado por consultores como sinal de que não pode ser diretamente comparável com a base de lojistas de Magazine Luiza ou Americanas.

“Muita gente saiu logo fazendo conta, mas não funciona assim. A Shopee tem uma infinidade de cadastros de CPFs no seu ‘app’ e site. Qualquer pessoa pode vender lá, preenchendo um formulário on-line. Isso não acontece no Magalu, Casas Bahia nem na Americanas. É desconhecimento da operação das empresas que gera essas interpretações”, diz um diretor de uma empresa que faz a intermediação entre os sites e os vendedores.

A Americanas fechou o ano passado com 122 mil lojistas, o Magalu, com cerca de 160 mil e a Via, 130 mil “sellers”. Em redes sociais, como Twitter, pequenas gestoras e investidores (pessoa física) reproduziram informações comparando os números das empresas.

Um ex-executivo do Mercado Livre e um ex-diretor do Walmart.com estimam que a Shopee tenha entre 60% e 70% de sua venda oriunda de cadastro de pessoas físicas, de 20% a 30% seriam microempreendedores individuais, com CNPJ (chamados de MEI), e 10% são empresas de portes pequeno, médio e grande. “Se você olhar as plataformas locais líderes, elas não têm pessoa física vendendo, não é da política delas, com exceção de Mercado Livre. E o percentual de MEI nelas é bem menor do que na Shopee”, afirma o ex-diretor.

“Isso não quer dizer que a Shopee não tem feito um trabalho muito bom para trazer novos negócios, inclusive buscando mais negócios formais para a plataforma e fixando regras para que o vendedor com CPF vire MEI. Eles são muito rápidos, só que, para ser ‘fair’ [justo] temos que comparar coisas iguais”, diz.

Procurada, a Shopee confirma os 2 milhões de vendedores, mas não relata o percentual de CPF e CNPJ dentro de sua base total.

Desde o início do ano, a Shopee vem mudando aspectos de sua política interna, de certa forma forçando migração de seus vendedores para a conta de CNPJ. Segundo uma fonte, em janeiro, a empresa informou os vendedores, por meio de comunicado, que aqueles que haviam emitido mais de 900 pedidos nos últimos 90 dias pagariam uma taxa de comissão de R$ 3 por item vendido.

“Esta nova política foi implementada aos vendedores com conta CPF que possuem grande volume de vendas, devido a limitações dessas contas no uso de parceiros logísticos, o que acaba gerando um alto custo operacional”, disse na mensagem a lojistas, em janeiro.

Dados limitados

Em meio à escassez de dados, há analistas que costumam olhar o volume de downloads de “apps”, assim como a visitação de clientes nos sites — sem incluir, muitas vezes, visitas aos aplicativos, que já respondem por mais de 50% das transações de clientes no on-line. Só que os downloads apenas indicam clientes que baixaram o programa e não sinalizam necessariamente venda.

Isso fica ainda mais patente no Brasil. Aqui, os consumidores baixam e deletam “apps” com frequência, pela limitação de memória dos aparelhos celulares.

Já as visitações medem fluxo de consumidores, mas não medem conversão. Naturalmente, quanto maior o fluxo, maior a possibilidade de vendas, mas há empresas (principalmente as varejistas especializadas em ‘games’ e tecnologia) com fluxo menor, mas alta taxa de conversão.

Atualmente, há alguns poucos dados que são considerados mais confiáveis por grandes gestoras e investidores (indicadores de vendas). Em geral, esses números são vendidos a clientes por consultorias estrangeiras que fazem simulações mais críveis.

Investimento do Mercado Livre na ponta do lápis

Semanas atrás, o Mercado Livre anunciou investimento de R$ 17 bilhões neste ano no país, 70% acima do ano anterior. Isso levou investidores a compararem esse dado com ritmo de investimentos das plataformas brasileiras — que variam de R$ 1 bilhão a R$ 1,7 bilhão em 2021.

Ocorre que os valores de Mercado Livre incluem parte de despesas operacionais em tecnologia, que podem ser consideradas Capex, no entendimento da companhia, o que torna comparações mais difíceis entre as empresas. Há um debate antigo entre auditores na área de varejo sobre esses critérios de classificação nas empresas digitais e de tecnologia.

Para melhor entendimento, são R$ 17 bilhões em investimentos do Mercado Livre para uma empresa com vendas transacionadas na plataforma de R$ 68 bilhões em 2021. A Americanas vendeu R$ 55 bilhões, para um Capex de R$ 1,7 bilhão (e com despesas operacionais de R$ 7 bilhões). Mercado Livre não informa em balanço despesas no Brasil.

“A contabilização de investimentos e despesas em tecnologia da informação sempre foi polêmica, porque os gastos são altos e constantes”, diz um ex-diretor financeiro da Cnova. “A definição deve ser pautada pelo papel que as despesas assumem dentro da companhia. De qualquer forma, são valores altos de Meli [Mercado Livre], o que acabou chamando atenção do mercado”, diz ele.

Fonte : https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/04/22/por-que-os-2-milhoes-de-vendedores-da-shopee-nao-sao-comparaveis-aos-do-magalu-e-americanas.ghtml

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